AP 470

“Não podemos estabelecer critérios de plantão”

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7 de novembro de 2012, 16h32

Por mais grave que seja o pano de fundo da Ação Penal 470, o processo do mensalão, o Supremo Tribunal Federal não pode estabelecer “critérios de plantão” para fixar a pena dos 25 condenados pelos crimes denunciados pela Procuradoria-Geral da República. Foi o que afirmou, nesta quarta-feira (7/11), o ministro Marco Aurélio. Depois de uma pausa de 12 dias, o Supremo retomou o julgamento do mensalão. Muitos apostaram que a pausa seria boa para reflexão dos ministros e que haveria mais tranquilidade para a fixação das penas dos condenados. A pausa parece ter surtido efeito contrário.

Os ministros discutiram por duas horas e não chegaram a fixar sequer uma das penas do réu Ramon Hollerbach, sócio de Marcos Valério nas empresas SMP&B e DNA Propaganda. É analisada a condenação por corrupção ativa da base aliada do Congresso Nacional no governo Lula. O Supremo decidiu que dez parlamentares foram corrompidos. Os ministros decidiram que como os dez crimes foram cometidos em continuidade delitiva, a pena deve ser elevada em dois terços. De acordo com o Código Penal, a elevação deve ser de um sexto a dois terços. Este foi o único ponto que os ministros conseguiram definir: o réu que comete mais de seis crimes continuados tem pena aumentada em dois terços.

A divergência se dá em relação ao enquadramento dos crimes: em continuidade delitiva ou concurso material. A diferença é fundamental para se fixar o tamanho das penas dos réus. Considera-se concurso material quando o mesmo crime é cometido diversas vezes em ações distintas. Neste caso, é fixada uma pena para cada um dos crimes. No caso da continuidade delitiva, considera-se que a primeira ação criminosa levou à segunda, e assim por diante. Ou seja, o mesmo crime foi praticado diversas vezes de forma contínua. Aí se aplica a pena mais grave, que é ampliada de um sexto a dois terços.

A temperatura subiu logo no começo da sessão quando o ministro Marco Aurélio criticava o fato de a soma das penas do publicitário Marcos Valério ultrapassar os 40 anos de prisão. O relator da ação, Joaquim Barbosa, insistiu que a pena é alta por conta da quantidade e gravidade dos crimes cometidos. E debochou do colega.

O ministro Marco Aurélio se irritou: “Cuide das palavras que venha a utilizar quando eu estiver votando. Não sorria porque a coisa é muito séria. Nós estamos no Supremo. O deboche não cabe”, disse. Depois, diante de nova provocação de Barbosa, o ministro afirmou: “Não admito que Vossa Excelência suponha que só haja salafrários nesse plenário e apenas Vossa Excelência é vestal”.

Pouco tempo depois, foi a vez do revisor, Ricardo Lewandowski, ser atacado por Barbosa. Primeiro, afirmou que não iria discutir e continuou a votar. Em seguida, Barbosa disse que Lewandowski parecia estar “julgando anjos”. O ministro também reagiu: “Não vou admitir que Vossa Excelência fique criando frases de efeito”. Barbosa respondeu, novamente: “Inadmissível é a postura de Vossa Excelência”.

O presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, conseguiu recolocar a sessão nos eixos com algum custo, em um momento em que todos os ministros falavam ao mesmo tempo. A sessão seguiu, com o ministro Joaquim Barbosa interrompendo o voto de quase todos os colegas para fazer observações.

Crime e castigo
O ministro Marco Aurélio afirmou que o tribunal está “potencializado o artigo 69 e colocado em segundo plano o artigo 71 do Código Penal”. O artigo 69 trata do concurso material. O artigo 71 fixa os critérios da continuidade delitiva.

Para o relator do processo, Joaquim Barbosa, não se pode confundir o fato de os acusados terem cometido vários crimes e a existência de continuidade delitiva. Ele afirmou que não há continuidade delitiva, por exemplo, nos crimes de peculato cometidos em relação ao Banco do Brasil e a Câmara dos Deputados.

Como neste caso, o ministro afirmou que as práticas de corrupção ativa pelas quais os publicitários foram condenados “se deram em contextos e em lugares completamente diversos”. Uma coisa é a corrupção do ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha. Outra é a corrupção da base aliada de governo.

“Um funcionário que trabalhe em um mercado e furte R$ 1 mil por dia, por um mês, pratica 30 crimes de furtos. Mas como o crime foi praticado nas mesmas condições e com o mesmo modus operandi, aplica-se a continuidade delitiva. Mas se esse mesmo funcionário furta um carro, não há continuidade delitiva”, exemplificou Joaquim Barbosa.

Já o ministro Marco Aurélio afirmou que, a partir do reconhecimento da formação de quadrilha, a maior parte dos crimes está entrelaçada, o que atrai a continuidade delitiva do artigo 71 do Código Penal. “O instituto (artigo 71) se contenta com crimes da mesma espécie”, sustentou. Ou seja, não é necessário que os crimes sejam iguais e cometidos nas mesmas condições para que se reconheça a continuidade delitiva.

Marco Aurélio também disse que não se pode usar a agravante de ser uma das lideranças de quadrilha no caso de Marcos Valério para aumentar a pena para cada um dos crimes.

Por enquanto, a maioria dos ministros fixou pena de cinco anos e dez meses de prisão pelo crime de corromper a base aliada para Ramon Hollerbach. O Supremo já havia definido as penas pelos crimes de formação de quadrilha, alguns casos de corrupção ativa e peculato. As penas somaram, até agora, 14 anos, três meses e 20 dias de prisão.

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