Colarinho branco

Inglaterra quer transação penal para crimes corporativos

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5 de novembro de 2012, 7h35

O governo da Inglaterra estima que fraudes em geral causem prejuízo de 73 bilhões de libras (quase R$ 240 bilhões) por ano à economia local. Esse número cresce exponencialmente se forem considerados crimes financeiros como lavagem de dinheiro e suborno. Para tentar minimizar esses impactos e agilizar a reparação financeira às vítimas – sejam elas consumidores ou os cofres públicos –, o governo está propondo uma espécie de transação penal para crimes financeiros corporativos.

A ideia é permitir que o Ministério Público feche acordos com as empresas acusadas de cometer os chamados crimes do colarinho branco: fraude, suborno e lavagem de dinheiro. As companhias teriam de reparar as vítimas, pagar multas e adotar práticas corporativas saudáveis para escapar de um processo judicial. Caso o acordo fosse descumprido, o promotor ficaria livre para apresentar denúncia ao juiz competente.

A proposta foi anunciada no fim de outubro e ainda precisa ser discutida pelo Parlamento. Não deve ser posta em prática antes de meados de 2014, mas já tem arrancado elogios de advogados empresariais e das próprias companhias. O sistema é inspirado no adotado pelos Estados Unidos há mais de 20 anos.

Em maio, o governo inglês revelou seus planos e abriu consulta pública. O resultado foi positivo. Quase 90% daqueles que responderam – entre eles, associações de advogados, promotores e empresas – aplaudiram a introdução do chamado Deferred Prosecution Agreement (DPA).

Ao apresentar suas propostas, o governo explicou que nem o Ministério Público e nem o Judiciário estão conseguindo lidar com a quantidade e complexidade dos crimes financeiros cometidos por corporações. Embora não exista uma estimativa, sabe-se que um processo judicial para punir as empresas custa muito, tanto para os cofres públicos como para as próprias empresas, que acabam com sua reputação manchada e proibidas de participar de licitações públicas. O DPA é visto não só como uma ferramenta para tornar o processo mais ágil e eficaz, mas também como um estímulo para as próprias empresas relatarem fraudes internas e aderirem ao acordo.

Passo a passo
Na consulta pública aberta pelo governo inglês, um dos pontos enfatizados foi a necessidade de transparência dos acordos e da garantia de que a Justiça não será complacente com quem comete crime financeiro. A proposta apresentada pelo governo ao Parlamento tentou respeitar esses dois pontos. Primeiro, o acordo só beneficiaria a corporação, e não os executivos. Esses continuariam sendo processados criminalmente, podendo até ser condenados à pena de prisão.

A diferença de base entre o sistema inglês e o norte-americano seria o envolvimento de um juiz. Na Inglaterra, a proposta é que um juiz participe de todas as etapas do acordo, desde as primeiras audiências até a conclusão do plano. O juiz teria o poder discricionário de rejeitar o acordo ou mesmo de suspendê-lo, caso entendesse que o combinado deixou de ser de interesse da Justiça.

As primeiras reuniões entre juiz, promotor e corporação seriam fechadas. A transparência ficaria garantida a partir da audiência em que fosse apresentado ao juiz e aprovado o acordo entre promotor e corporação. Segundo o projeto, o promotor ficaria com a função de divulgar à sociedade os crimes financeiros cometidos e os termos do acordo.

A ideia é que a transação dure de um a três anos. Nesse tempo, caberia ao promotor avaliar o cumprimento do acordo pela empresa. Em caso de descumprimento, o promotor teria duas alternativas: a possibilidade de aplicar pequenas sanções previstas no próprio acordo ou a opção de pedir ao juiz o cancelamento da transação. Nesse caso, o promotor ficaria liberado para apresentar denúncia.

Uma das questões levantadas na consulta pública foi se as provas obtidas durante as negociações entre empresa e MP poderiam ser usadas num eventual processo judicial. Depois de considerar as opiniões, o governo achou melhor liberar a utilização dessas provas, mas nunca com o peso de confissão.

Outro ponto que foi discutido foram os benefícios para atrair as empresas para firmar um DPAs. A proposta do governo é que as multas previstas para os crimes financeiros sejam reduzidas em caso de acordo até o limite de um terço. Na consulta pública, o limite recebeu críticas. Foram muitas as sugestões para que essa redução fosse ampliada para tornar os DPAs mais atrativos. Nenhuma delas foi aceita. Ao apresentar seu projeto, o governo explicou que o incentivo principal para buscar um acordo é a ausência de processo judicial e de uma eventual condenação. A redução das multas serve apenas de bônus.

Se o projeto for aprovado pelos parlamentares da maneira como foi apresentado, crimes cometidos antes da introdução da nova legislação também poderão se beneficiar dela. Só ficarão de fora as fraudes financeiras para as quais já tiver sido iniciado processo judicial.

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