Assistência judiciária

Defensoria Pública é investimento, e não custo, nos EUA

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2 de novembro de 2012, 15h13

O Brasil é o único país em que a Constituição estabelece que a assistência judiciária gratuita, prestada pela Defensoria Pública, é um direito do cidadão de baixa renda, de acordo com a versão americana da Wikipédia. Nos Estados Unidos, uma decisão da Suprema Corte interpreta que a Sexta Emenda da Declaração de Direitos Fundamentais obriga o governo a prover assistência judiciária gratuita a "indigentes", em ações criminais. Mas isso não está claramente expresso na Constituição.

Na prática, a Defensoria Pública só presta assistência judiciária gratuita em ação criminal que possa resultar em pena de prisão. E também para ação civil de natureza quasi-criminal, a que pode terminar em pena de prisão, como a de pensão alimentícia. A assistência jurídica gratuita também só é prestada em julgamentos de primeira instância. Alguns estados permitem o primeiro recurso, apenas. Outros, nenhum. Réus inconformados com o resultado do julgamento precisam buscar outra forma de assistência, como a pro bono, oferecida gratuitamente por advogados ou firmas de advocacia, para entrar com recurso em tribunal superior.

Mas, diferentemente do Brasil, a assistência judiciária gratuita não é prestada de maneira uniforme em todos os estados americanos. Em muitos estados, a Defensoria Pública trabalha com verbas irrisórias, em situação precária. Entretanto, essa situação está mudando, por causa da matemática: os custos da Defensoria Pública são muito mais baixos para os cofres públicos do que manter muita gente nas prisões, por mais tempo. Assim, alguns estados passaram a acreditar que fundos destinados à Defensoria Pública não são custos, mas investimento.

Algumas jurisdições começaram a pagar aos defensores públicos salários equivalentes aos dos promotores e juízes. E a empegar, na Defensoria Pública, profissionais que possam colaborar com a defesa, como ocorre com a acusação, tais como investigadores, peritos forenses, psicólogos e assistentes sociais. Advogados dativos, que também fazem a defesa de réus pobres, podem requisitar ao tribunal o pagamento de peritos ou investigadores, para contrabalançar, quando for o caso, os recursos a Promotoria.

Mas, por enquanto, essa é a exceção. A regra, que infesta as Defensorias Públicas na maioria dos estados, ainda é a de equipes deficitárias e baixos salários. Por causa dos baixos salários, é difícil atrair profissionais qualificados para o cargo. Ao contrário, atrai advogados que não estão conseguindo trabalho na advocacia privada e advogados inexperientes, que usam o cargo para aprender. E, realmente, é um cargo cobiçado por advogados novos e inexperientes, apesar do baixo salário. Como os casos são muitos, eles frequentam os tribunais e participam de julgamentos praticamente todos os dias. Não há nada melhor para ganhar experiência em pouco tempo.

E, também via de regra, a carga de trabalho dos defensores públicos é excessiva, apesar de se saber que nenhum profissional com um volume muito alto de casos pode oferecer uma representação adequada aos réus. Na Flórida, se chegou a um consenso de que um defensor público – ou qualquer advogado de defesa – deve ter uma carga de 50 processos por ano, no máximo de 100. Mas há casos, em alguns condados do estado, que um defensor público pode pegar até 550 casos de crimes ou 610 de contravenções em um ano.

No caso dos defensores públicos federais, que vivem em outro universo, a carga é de 30 a 50 processos por ano, embora os casos possam ser mais complexos e eles terem de lidar com cerca de 4 mil formas diferentes de delitos. O sonho de defensores públicos estaduais (e de muitos advogados) é se tornar defensor público federal, porque os salários são muito competitivos, em termos de mercado. A Defensoria Pública Federal é a única que concorre com as grandes bancas no mercado de trabalho norte-americano.

Conflito de interesses
Um defensor público não pode representar mais de um réu, em um mesmo julgamento. Em casos em que há mais de um réu em uma mesma ação criminal, alguns arranjos têm de ser feitos, para que não haja conflito de interesses. Supõe-se que réus de uma mesma ação judicial tendem a responsabilizar uns aos outros pelo crime, para minimizar suas participações ou para negociar uma pena menor em troco da delação de outros.

Se um réu aponta o dedo para o outro, o defensor se vê no papel de juiz. Se favorecer um réu, em detrimento do outro, uma defesa fica prejudicada. A literatura jurídica traz casos em que um advogado, que defende dois réus, acaba elegendo um como o culpado, para salvar o outro – algumas vezes o réu errado.

Nesses casos, a Justiça americana tem dois recursos. Um é encarregar escritórios diferentes da Defensoria Pública da defesa de cada um dos réus – até para que informações privilegiadas de um réu não cheguem ao conhecimento de outro, no mesmo processo. Outro é atribuir a defesa de um ou mais réus a advogados dativos, apontados pelo juiz, enquanto os escritórios da Defensoria Pública cuidam e um ou dois réus. Só assim é possível garantir a cada um dos réus o direito constitucional de ampla defesa.

Há uma outra situação em que o defensor público deve se declarar impedido de representar um réu. Isso acontece quando a vítima do crime – ou delito – foi defendido anteriormente pelo defensor público. O conhecimento anterior da vítima, em outro processo, pode impedir que o defensor público represente adequadamente o atual réu. E ele não pode discutir com o réu informações obtidas confidencialmente da vítima, no outro caso. Se a vítima estiver viva e for testemunhar no julgamento, isso complica ainda mais o trabalho do defensor público.

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