“A OAB-RJ está de costas para o profissional"
2 de novembro de 2012, 8h24
Advogada com 30 anos de profissão, Carmen atua na política de Ordem desde 1983. O principal papel da entidade, diz ela, é garantir o exercício das prerrogativas profissionais. “Os leigos confundem com privilégios, mas o advogado deve ser sempre respeitado. A prerrogativa é nossa grande arma, no sentido positivo.”
De opinião totalmente favorável aos honorários de sucumbência para advogados públicos — “todo o profissional de Direito, precisa ter volta econômica de seu trabalho” —, a advogada afirma que a Ordem se esqueceu dos assalariados.
Carmen diz não temer a superlotação do Judiciário, com o aumento do acesso aos tribunais, pois os advogados já estão preparados e ganham mais mercado com isso. Cabe à Ordem, segundo ela, cobrar que o Judiciário também esteja pronto para receber os cidadãos.
A abertura do mercado brasileiro para os escritórios estrangeiros, assunto que sempre aparece em campanhas para a OAB, não é interessante para os advogados do país, segundo a candidata. “Nós temos de lutar pela nossa autonomia. Eles vão querer baratear os serviços e vão querer nos submeter. Nós lutamos muito por uma soberania!”
Quando questionada sobre se há conflito de interesses entre os profissionais que atuam nas diferentes áreas do Direito, ela nega. Para ela, não importa a área de atuação do advogado, a Ordem atua como um “manto protetor” do exercício da advocacia. Ponto parecido com o nome que dá para sua campanha: “OAB para os advogados e para o cidadão”.
Leia a entrevista:
ConJur — Qual é o principal papel da OAB?
Carmen Fontenelle — Promover, garantir e fortalecer o exercício do profissional do Direito. Não só, no âmbito geral, mas individual. Também há o papel institucional. A OAB tem a credibilidade e a legitimidade de lutar pelas questões sociais e das liberdades democráticas
ConJur — Como a OAB atua nessas questões sociais?
Carmen Fontenelle — A OAB tem, por exemplo, uma comissão de Direitos Humanos, que pode intervir, pode participar de averiguações de violências a qualquer tipo de vítimas de nossa sociedade. Além disso, também pode conclamar a sociedade civil para fazer passeatas contra fome, contra corrupção e contra ditaduras. Ela pode também engrossar fileiras contra situações antidemocráticas, por exemplo. A OAB pode intervir em todas as questões sociais, porque ela tem credibilidade, legitimidade e até autoridade para tanto.
ConJur — Os advogados públicos devem ter direito a honorários de sucumbência?
Carmen Fontenelle — Lógico. Todo profissional do Direito tem direito a receber pela sua prestação de serviço. Os advogados públicos, que têm uma prestação, um vínculo, devem ter direito à sua renda, à volta econômica de seu trabalho.
ConJur — A senhora é a favor de eleições diretas para o Conselho Federal da OAB?
Carmen Fontenelle — Essa é uma questão extremamente imatura ainda. Uma eleição direta é sempre bem vinda. Acontece que, hoje, uma eleição para Ordem dos Advogados Federal é quase tão custosa e complexa quanto uma presidência da República. Então, para a gente saber se isso não vai ser direcionado para poderes econômicos, para poderes políticos, deve haver uma avaliação mais profunda, mais amadurecida para que isso, um dia, possa ser uma realidade. E, obviamente, a questão será avaliada por um grupo de advogados que terão tranquilidade e estrutura para poder implantar essas eleições diretas sem que elas sejam uma corruptela. Que não seja uma eleição política, e sim uma eleição coorporativa.
Conjur — O Quinto Constitucional deve ser revisto?
Carmen Fontenelle — O Quinto é uma das grandes conquistas da nossa classe, que oxigena os tribunais com a representatividade dos advogados. Mas é uma questão que deve ser reavaliada, porque o Quinto tem que representar o advogado e a ética, além de representar a ideia e a postura da advocacia. Então, ele tem que ser escolhido de forma mais democrática e técnica e profissional possível. E não deve ser envolvido em políticas e interesses que podem advir. O Quinto Constitucional sempre teve, dentro da Ordem, um caráter salutar. Sempre foram indicadas pessoas que, na maioria, foram grandes escolhas, como o Sylvio Capanema, Carlos Alberto Direito, Luiz Zveiter, Raul Celso Lins e Silva e outros tantos que honraram a nossa escolha. Infelizmente, tudo na vida tem política. A Ordem tem que ser soberana, apartidária, independente, para poder escolher a lista de uma forma legítima e merecedora aquele que é o melhor candidato.
ConJur — Qual é a prioridade da OAB?
Carmen Fontenelle — A prerrogativa, que é a nossa grande arma, no sentido positivo. Às vezes, os leigos e as autoridades confundem com privilégios. Mas, o advogado tem que ser sempre respeitado. Até porque a única profissão que está expressa em nossa Constituição é a da advocacia. A Carta Magna diz: não há democracia sem Justiça e Justiça sem advogado. Então, a figura do advogado, deve ser protegida e deve ser garantido a liberdade dessa atuação, desse mister. O advogado não pode ser humilhado, desrespeitado, não pode ser impedido de entrar, de ser recebido pelas autoridades, em especial, pelo juiz. Entrelaçada à prerrogativa está à ética. O advogado, para ter esta conquista, tem que manter uma ética, e a Ordem tem o dever de ficar sempre resguardando o grupo inteiro, por eventuais pinceladas de mau comportamento. A ética fortalece ainda mais a busca pela nossa conquista das prerrogativas.
ConJur — Existe conflito de interesses entre as diversas especializações do Direito que devem ser representadas pela OAB?
Carmen Fontenelle — Não. A Ordem foi criada em 1930 como um manto protetor do exercício da advocacia e do advogado. Então, pouco importa a especialidade do advogado, pouco importa o tipo da advocacia, pouco importa se o advogado é empregado, se ele é advogado do povo, se ele tem uma advocacia autônoma, se ele é advogado criminal. O advogado é igual para a Ordem dos Advogados. A OAB é como uma mãe, e a mãe sempre atende os filhos que estão naquele momento mais desprotegidos, mais carentes. Mas, não há menor conflito na Ordem, ela tem que existir, porque ela é, simplesmente, a estrutura, o fortalecimento, a garantia de uma advocacia livre, fortalecida e digna.
ConJur — A OAB presta contas dos dinheiros que administra?
Carmen Fontenelle — A Ordem tem que prestar contas para a sociedade e principalmente para os advogados. Ainda mais, que o atual presidente exige tanto que o poder cumpra a sua prestação, eu acho que ele deveria prestar. Se os advogados querem saber o que se faz dentro da Ordem, em níveis de orçamento, eles devem saber.
ConJur — Muitos candidatos do Exame de Ordem reclamam que o nível da prova é quase igual dos concursos públicos. Isso deve ser revisto?
Carmen Fontenelle — A questão do Exame de Ordem tem duas vertentes. Primeiro é que, infelizmente, a Ordem não tem exigido, no sentido positivo, nem participado dos cursos acadêmicos. Um dos meus projetos é fazer com que a OAB vá à faculdade e exija que ela prepare seu aluno de uma forma mais adequada. Em segundo lugar, o Exame está sendo um concurso, enquanto esse Exame não tem que ser um concurso, mas uma avaliação. Em avaliação não há, por exemplo, perguntas capciosas e pegadinhas. Quem presta o Exame da Ordem está preparado apenas para ser avaliado, pela sua instituição, para saber se ele está pronto para exercer a advocacia. Não é alguém que vai fazer concurso para ser delegado, juiz, promotor, entre outros. É esse o grande erro, quando fui vice-presidente da OAB-RJ, as provas eram seletivas, avaliadoras, mas, não tinham esse terrorismo. Esse assunto deve ser rediscutido e reavaliado.
ConJur — O CNJ deve substituir as Corregedorias dos Tribunais?
Carmen Fontenelle — Não. O CNJ tem que se fortalecer. Ele deveria ser uma instância superior às Corregedorias. É para isso que ele foi criado, para ser um órgão fiscalizador, um órgão orientador das Corregedorias locais, sem tirar a soberania e a autonomia delas.
ConJur — Como a senhora vê a situação do advogado assalariado?
Carmen Fontenelle — Isso é uma questão que a Ordem esqueceu. A Ordem pode e consegue montar um esquema de procura e oferta. Os grandes escritórios, ou pequenos escritórios procuram mão de obra, então, ela tem que ser a mediadora, conciliadora dessas duas grandes vertentes, que é a mão de obra e o mercado. Quanto à questão do empregado, a Ordem do Rio de Janeiro, infelizmente, está de costas para a advocacia e para o profissional. Ela está de olho é nos interesses pessoais e nas questões políticas. O problema é que o mercado fica a massacrando o profissional. O profissional empregado tem que ter o patamar que tem, tem que ter seus direitos, como todo trabalhador e isso tem que estar sempre protegido e garantido, dentro de uma dignidade de uma valorização exata, legítima.
ConJur — Quais são as principais dificuldades que eles enfrentam hoje?
Carmen Fontenelle — O advogado está perdido, a oferta dele está muito enfraquecida mediante o mercado. E a gente tem que mostrar que tanto o mercado, quanto a oferta, estão páreos. Porque, eu vejo, na minha militância, toda hora pessoas pedindo profissionais, profissionais gabaritados, e com perfis específicos. A Ordem tem que montar essa mediação entre oferta e procura. E para os profissionais necessitados, nós temos a Escola Superior de Advocacia, para capacita-los, para modernizá-los. Como todas as profissões, a advocacia esta se modernizando, e se atualizando o tempo todo, inclusive, nas questões de internet, de digitações virtuais. A OAB deve oferecer essa capacitação do profissional, para que ele possa enfrentar o mercado.
ConJur — Como está o mercado de trabalho para o advogado?
Carmen Fontenelle — O mercado é profícuo, porque hoje a cidadania é amplamente exercida. Então, desde a geladeira quebrada até as várias discussões dos bancos, tudo passa pela Justiça e pelas mãos dos advogados. Ninguém pode ir à Justiça sem advogado. E o mercado é enorme, tem a internet, a biomedicina, o Direito Esportivo, tantas outras áreas. Só que a Ordem ainda não olhou com o carinho e com a importância necessária para poder mediar e montar uma bela estrutura de mercado de trabalho, para, obviamente, a procura e a oferta que se fizer necessária.
ConJur — A OAB deve trabalhar no sentido de restringir o arco de atuação da Defensoria Pública?
Carmen Fontenelle — Ela tem que fiscalizar. Porque a Defensoria Pública é muito cidadã. É uma instituição belíssima. Acontece que, às vezes, ela fica corrompida e desvirtuada. A OAB tem que, ao contrário, prestigiar e engrandecer, mas dentro dos critérios que a lei impõe. Existem limites de atender somente aquele que realmente é carente. A Defensoria, se fizer seu trabalho dentro dos limites, jamais tirará o mercado do advogado, porque aquele que vai procurar a Defensoria não tem a menor condição de ter um advogado, então, obviamente, vai procurar um defensor.
ConJur — Qual a opinião da senhora sobre a ampliação das fórmulas extra judiciais de soluções de conflitos?
Carmen Fontenelle — A mediação e a arbitragem são um grande mercado para o advogado, por ele ser um dos profissionais mais preparados para entregar esse tipo de solução. O mercado do advogado é enorme, só está desorganizado. E, em tudo que seja moderno, para melhorar a morosidade da Justiça e para fortalecer o direito do cidadão, o advogado vai estar presente, a OAB vai estar presente e será muito bem-vinda. O mercado de trabalho vai aumentar. Os grandes árbitros e os grandes mediadores são advogados.
ConJur — Como a senhora vê a Lei da Ficha Limpa?
Carmen Fontenelle — A Lei da Ficha Limpa, como foi julgada, deve ser de forma contundente aplicada. A vida profissional e pessoal de um candidato a nos representar em algum espaço do Poder, seja Judiciário, Legislativo, ou Executivo, deve ser ilibada e inatacável.
Conjur — A senhora é a favor da entrada de escritórios estrangeiros no Brasil?
Carmen Fontenelle — Não. Sou contra. Eu acho que nós temos que lutar pela nossa autonomia. Existe uma legislação especial que permite fazer uma ou outra parceria. Mas a gente deve, cada vez mais, lutar pela nossa autonomia e soberania. Nós temos excelentes profissionais no Brasil. Deve-se abrir para certas condições, parcerias, mas não podemos ser engolidos. Eles vão querer baratear os serviços, nos submeter. E nós brigamos durante 500 anos por uma soberania.
ConJur — O aumento do acesso à Justiça superlotou o Judiciário?
Carmen Fontenelle — Isso é bom! O Judiciário é que tem que se preparar. Nós, advogados, estamos preparados. E esse preparo é uma grande luta que nós temos que cobrar do Judiciário. Podemos também oferecer parcerias, para movimentos como mutirões, por exemplo. Eles têm dinheiro, poder e possibilidade de acolher essa fome de cidadania. Essa morosidade do Judiciário é uma das grandes mazelas do nosso país. É idêntico aos problemas com saúde, violência e corrupção. Tudo isso está corroendo esse grande país que nós estamos criando.
ConJur — Qual é o maior problema da Justiça brasileira?
Carmen Fontenelle — A morosidade e a corrupção
ConJur — Como os Tribunais de Ética e Disciplina da OAB funcionam e como deveriam funcionar?
Carmen Fontenelle — Tecnicamente, eles funcionam para que a ética do advogado seja sempre preservada. Então, o que um faz de errado, suja todo mundo, choca uma sociedade. O TED não é um tribunal de inquisição, de perseguição, é um tribunal para que não seja maculada a imagem do advogado.
ConJur — O que as Caixas de Assistência dão aos advogados e o que deveriam dar?
Carmen Fontenelle — A atual gestão simplesmente passou o plano de saúde para outra carteira, para Unimed, e, hoje, a Caixa de Assistência tem planos funerários, dá uma assistência pequena ao advogado que está passando necessidade. Nós já fizemos muito, mas, infelizmente, agora, está apagado de novo.
ConJur — Como a senhora define a candidatura?
Carmen Fontenelle — A nossa candidatura é muito bonita, é a OAB para os advogados e para o cidadão.
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