Direitos do consumidor

Contratos de seguro estabelecem relação de consumo

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31 de março de 2012, 6h42

Há milhares de ações em trâmite com pretensão de cobrança de seguro (inclusive DPVAT) e revisionais de contratos bancários de financiamento com alienação fiduciária, arrendamento mercantil etc. Em não poucos há a discussão a respeito da competência do Juízo de Direito em que proposta a demanda, vez por outra declinando de ofício o Juiz de Direito a competência.

Inicialmente é necessário determinar se ao contrato de seguro aplicar-se-á a norma consumerista ou civilista frente a um conflito existente, é necessário que se defina, primeiramente o contrato. O Código Civil/1916 (CC, 2002, p.134) em seu artigo 1432, conceituava o contrato de seguro como "aquele pelo qual uma das partes se obriga para com a outra, mediante a paga de um prêmio, a indenizá-la do prejuízo resultante de riscos futuros, previstos no contrato".

Atualmente, o artigo 757 (CC, 2003, p.88), define este contrato como aquele pelo qual "o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo a pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados". Tzirulnik, (1997, p. 23), afirma que:

A operação de seguro implica a organização de uma mutualidade, ou o agrupamento de um número mínimo de pessoas, submetidas aos mesmos riscos, cuja ocorrência e intensidade são suscetíveis de tratamento autuarial, ou previsão estatística segundo a lei dos grandes números, o que permite a repartição proporcional das perdas globais, resultantes dos sinistros, entre os seus componentes.

De acordo com Krieger Filho (2000, p.27), "qualquer coisa que exista ou seja esperada (res sperata), sujeita a riscos ou a influências economicamente desvantajosas, pode ser objeto de um contrato de seguro". O conceito de consumidor está positivado no CDC, no artigo 2º, que traz a seguinte redação: "Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final" (CDC, 2003, p. 470).

O CDC utilizou a expressão "destinatário final" exatamente para delimitar aquele ou aqueles que adquirem ou utilizam serviço ou produto para si e não como intermediários. Ora, no contrato de seguro referente ao DPVAT o destinatário final é determinado por aquele que vier a sofrer o dano. O artigo 3º dispõe: "fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços" (CDC, 2003, p. 470).

Para que haja a aplicação do Código de Defesa do Consumidor aos contratos de seguro, é preciso, primeiramente, que o segurado enquadre-se nos termos do artigo 2º do Código de Defesa do Consumidor. Deste modo, nota-se, inicialmente, que é equivocada a ideia de que alguém ou alguma empresa é, por excelência, fornecedora ou consumidora. Cada caso definirá a aplicabilidade ou não das normas contidas no Código de Defesa do Consumidor.

Na simples leitura do supra citado artigo 3° conclui-se que a seguradora é pessoa jurídica, podendo ser nacional ou mesmo estrangeira, e desenvolve atividade no mercado de consumo. Aliás, não deixando qualquer dúvida, o parágrafo 2° do artigo em estudo é claro ao enfatizar que a atividade securitária está incluída nas atividades abrangidas pelo CDC.

Assim, conclui-se que a relação jurídica firmada entre seguradora e segurado é uma relação jurídica de consumo. Não olvidando, entretanto, o fato de que esta afirmação não tem por consequência, a exclusão da incidência de outras normas. Este fato, portanto, cria a possibilidade de incidência cumulativa do Código de Defesa do Consumidor com outras normas aos contratos de seguro.

É importante destacar que o Código de Defesa do Consumidor expressamente incluiu a atividade securitária para fins de submissão as suas normas no parágrafo 2° do artigo 3°.

Este Código, de acordo com Queiroz, ao tratar das práticas contratuais, dá a entender que os dispositivos protetores se aplicariam a todas as relações contratuais. Ainda segundo o mesmo autor, o critério adotado pelo CDC para trazer obrigações face ao consumidor não são as relações necessariamente contratuais. Basta tão somente a colocação de produtos ou serviços no mercado.

E para um contrato de seguro se caracterizar como relação de consumo – ou melhor, para uma determinada situação advinda do contrato de seguro ser observada sob a ótica do CDC – deve necessariamente ser constatado uma das duas formas de dano causado ao segurado/consumidor: ou pelo vício do produto (do serviço). Ou seja, pelo não funcionamento adequado – ou pelo fato, que se caracteriza quando causar dano exterior ou simples não funcionamento. Quando uma dessas situações ocorrerem, aplica-se as regras do CDC.

Um exemplo desse tipo de situação é o contrato de seguro que não fornece ao segurado qualquer garantia. Um contrato de seguro que seja desprovido de garantias naturalmente é um contrato com vício de serviço. Ocorrendo isso, todas as implicações do CDC vão incidir, tais como prazos de prescrição, declaração de nulidade de cláusulas, dentre outras.

Complementando o autor acima, Sanseverino leciona que enquanto os defeitos são falhas do produto ou do serviço que afetam a segurança legitimamente esperada pelo consumidor, causando-lhe danos pessoais ou patrimoniais, os vícios são falhas, ocultas ou aparentes, que afetam, via de regra, apenas o próprio produto ou serviço. Tornando-os inadequados ao uso a que se destinam por não apresentarem a qualidade ou quantidade esperada pelo consumidor, inclusive por deficiência de informação.

De se ressaltar que a todos os contratos de seguro são aplicadas as regras do Código de Defesa do Consumidor. É o que se depreende da análise do caput do artigo 2º e do artigo 3º, parágrafo 2º deste diploma legal:

 

Artigo 2º Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

(…)

Artigo 3º…

parágrafo 2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

Portanto, o contrato de seguro, não obstante se trate de DPVAT, é uma relação de consumo. Não importa que o nome do beneficiado, de quem irá receber não conste na apólice, posto que sucedendo o sinistro determinado. O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento que o Código de Defesa do Consumidor é de ser aplicado ao seguro DPVAT.

 

REsp 855165 / GO

RECURSO ESPECIAL 2006/0119617-4

 

 
Relatora: Ministra NANCY ANDRIGHI (1118)
Órgão Julgador: 3ª Turma
 
Data do Julgamento: 07.02.2008
 
Data da Publicação/Fonte: DJe 13.03.2008
 
Ementa
PROCESSO CIVIL. LEGITIMIDADE ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. SEGURO OBRIGATÓRIO DE DANOS PESSOAIS – DPVAT. DIREITO INDIVIDUAL HOMOGÊNEO. LEGITIMIDADE E INTERESSE PROCESSUAIS CONFIGURADOS.

– A Lei 7.347/85 se aplica a quaisquer interesses difusos e coletivos, tal como definidos nos arts. 81 e 82, CDC, mesmo que tais interesses não digam respeito a relações de consumo.

– O Ministério Público tem legitimidade processual extraordinária para, em substituição às vítimas de acidentes, pleitear o ressarcimento de indenizações devidas pelo sistema do Seguro Obrigatório de Danos Pessoais – DPVAT, mas pagas a menor.

– A alegada origem comum a violar direitos pertencentes a um número determinado de pessoas, ligadas por esta circunstância de fato, revela o caráter homogêneo dos interesses individuais em jogo.

Inteligência do artigo 81, CDC.

– Os interesses individuais homogêneos são considerados relevantes por si mesmos, sendo desnecessária a comprovação desta relevância.

– Cita Precedentes.

– Não sendo o Seguro Obrigatório de Danos Pessoais – DPVAT assemelhado ao FGTS, sua tutela, por meio de Ação Civil Pública, não está vedada por força do parágrafo único do artigo 1o da Lei 7.347/85.

Recurso Especial não conhecido.

Vejamos:

Em precedente adequado ao caso posto em julgamento, ao julgar agravo de instrumento em ação revisional contra decisão que declinou de ofício a competência do juízo, a Turma do STJ, por maioria, indeferiu o recurso. Explicou o relator que o consumidor promoveu ação revisional contra instituição financeira na circunscrição especial de Brasília, no entanto, declarou a autoridade judicante sua incompetência relativa para processar e julgar o feito, determinando a remessa dos autos à circunscrição judiciária de Luziânia – GO, domicílio do consumidor.

O voto filiou-se à orientação do Superior Tribunal de Justiça, esposada no REsp 103.876/MG que estabeleceu ser absoluta a competência do foro do domicílio do consumidor, sendo nula qualquer estipulação contratual acerca da eleição de foro. Asseveraram os ministros que a relação de consumo é disciplinada por princípios e normas de ordem pública e interesse social, em que a competência tem caráter absoluto, segundo exegese do artigo 6º, VIII c/c artigo 101, I do Código de Defesa do Consumidor.

Não obstante, na espécie, ser do autor o interesse em fazer prevalecer a competência do juízo em que se iniciou o processo, destacou o voto que a facilitação dos direitos do consumidor em juízo possibilita a proposição da ação em seu próprio domicílio, contudo, tal princípio não permite que o consumidor escolha aleatoriamente um local diverso do seu domicílio ou do domicílio do réu para o ajuizamento da ação, conforme entendimento contido no REsp 108.036/MG do Superior Tribunal de Justiça. (TJDF. 20090020099400AGI, 4ª Turma Cível. Rel. Des. Convocado HÉCTOR VALVERDE SANTANA. Voto minoritário – Des. FERNANDO HABIBE. Data do Julgamento 30/09/2009)

As regras concernentes à competência, nas relações de consumo, possuem natureza absoluta, sendo lícita ao juízo a declinação de ofício.

Nesse sentido:

“DIREITO CIVIL. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. CONTRATO DE ADESÃO. ARTIGO 535, II, CPC. VIOLAÇÃO. NÃO-OCORRÊNCIA. MULTA. EMBARGOS NÃO PROTELATÓRIOS. AFASTADA. EXAME DE MATÉRIA CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME NA VIA DO RECURSO ESPECIAL. COMPETÊNCIA TERRITORIAL ABSOLUTA. POSSIBILIDADE DE DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA. AJUIZAMENTO DA AÇÃO. PRINCÍPIO DA FACILITAÇÃO DA DEFESA DOS DIREITOS. COMPETÊNCIA. FORO DO DOMICÍLIO DO CONSUMIDOR.

4. O magistrado pode, de ofício, declinar de sua competência para o juízo do domicílio do consumidor, porquanto a Jurisprudência do STJ reconheceu que o critério determinativo da competência nas ações derivadas de relações de consumo é de ordem pública, caracterizando-se como regra de competência absoluta.

(REsp 1032876/MG, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, QUARTA TURMA, julgado em 18/12/2008, DJe 09/02/2009)”.

Ainda, no sentido de que poderá ser o domicílio da sede da empresa prestadora do serviço, entretanto, reconhecendo sempre como competência absoluta.

Vejamos:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. COMARCAS DE cANOAS E DE PORTO ALEGRE. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO CAUTELAR DE EXIBIÇÃO DE CONTRATO. cÓDIGO DO CONSUMIDOR.

A faculdade do autor de ajuizar a demanda no foro de seu domicílio não exclui a possibilidade de demandar no foro de domicílio do réu. Inteligência do artigo 101, I, do Código de Defesa do Consumidor, que não engessa o demandante. A regra de competência absoluta é a opção do consumidor entre os dois foros. Caso concreto, todavia, onde os domicílios de autor e réu coincidem, reconhecendo-se escolha deliberada de foro pelo demandante. Ajuizamento inadequado. Infração ao Princípio do Juiz Natural.

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA JULGADO IMPROCEDENTE. UNÂNIME.

TJRGS Nº 70046307096 – 2011/Cível

O entendimento do Superior Tribunal de Justiça é no mesmo sentido.

Vejamos:

“AGRAVO DE INSTRUMENTO. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO REVISIONAL. PROCESSUAL CIVIL. COMPETÊNCIA TERRITORIAL.

O consumidor, ao intentar ação de indenização ou revisional de contrato bancário, pode optar entre ajuizar a ação no foro de seu domicílio, conforme garantia de facilitação do exercício de seus direitos inserta no Código de Defesa do Consumidor, ou no foro onde o réu possui sede, seguindo, assim, a regra geral de competência da alínea "a" do inciso IV do artigo 100 do CPC. Aplicação conjunta dos princípios do Juiz natural e da razoabilidade, bem assim da garantia expressa no inciso LIII do artigo 5º da Constituição Federal e das regras do artigo 6º, VIII do CDC e artigo 100, IV, "a" do CPC, que afastam a incidência da Súmula n.º 33 do STJ. NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO POR DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR. (Agravo de Instrumento Nº 70040223646, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Pedro Celso Dal Pra, Julgado em 01/12/2010)”.

De se reconhecer que, tratando-se de seguro, inclusive DPVAT e contratos bancários ou de financiamento, ter-se-á julgamento que trata de relação de consumo, conforme expressamente prevê o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 2º, caput e 3º, parágrafo 2º. Razão pela qual se trata de competência absoluta, a qual pode ser conhecida de ofício, nos termos dos precedentes do Superior Tribunal de Justiça já ensamblados, para determinar que a competência é do foro do domicílio da parte ou da sede da empresa.

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