Obra da natureza

Genes não podem ser patenteados, diz corte dos EUA

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28 de março de 2012, 17h15

A Suprema Corte dos EUA decidiu que os genes humanos não podem ser patenteados. A corte concordou com "legiões de cientistas — e pacientes com câncer — que empresas não podem patentear o que pertence à natureza e aos seres humanos", em ação movida pela União Americana das Liberdades Civis (ACLU – American Civil Liberties Union) contra a Myriad Genetics Inc, segundo noticiaram as publicações Popular Science e LifeNews, nesta terça-feira (27/3). 

O laboratório de Salt Lake City, Utah, patenteou dois genes envolvidos com o câncer de mama e câncer de ovário. Os portadores dos genes BCRA-1 e BCRA-2 são mais susceptíveis ao desenvolvimento desses tipos hereditários de câncer. Homens também portam esses genes, que aumentam os riscos de câncer de próstata, de pâncreas e de outros tipos. Assim, se um paciente precisar fazer um exame para saber se é portador desses genes, "ele(a) — ou sua companhia de seguro-saúde — terão de pagar uma quantia substancial à Myriad Genetics", diz a Popular Science. Se o resultado for positivo, mas o paciente quiser confirmá-lo em outro laboratório, antes de se submeter a uma cirurgia complexa e cara, não pode fazê-lo, porque o exame para identificar esses genes é patenteado pelo laboratório, a não ser que o faça em outro país, não coberto pela patente. 

Em sua defesa, o laboratório argumentou que a pesquisa genética é cara e difícil e que seu trabalho deve ser protegido contra o mau uso por outros que não compartilharam os riscos e os custos da pesquisa e desenvolvimento. A empresa alegou que a patente é um prêmio por anos de pesquisas, que são caras, mas levam a ciência para a frente. Mas a Suprema Corte acatou a decisão de um tribunal distrital, segundo a qual o trabalho do laboratório foi "descobrir o gene, não criá-lo". E a corte repetiu os termos de uma outra decisão, dada há um ano: "As leis da natureza não podem ser patenteadas", entendendo-se como "leis da natureza" tudo o que pertence a ela ou que rege o funcionamento do universo. 

Essa decisão anterior, pronunciada pela Suprema Corte na semana passada, anulou a patente concedida à Prometheus Laboratories por um teste que estabelece doses de medicação no tratamento de doenças autoimunes, como a doença de Crohn. No caso da Myriad Genetics, em 2010 o juiz de um tribunal federal, Robert Sweet, invalidou a patente. "O DNA existente em uma forma isolada não perde sua qualidade fundamental, a existente no corpo, nem as informações que codifica". A Myriad recorreu e, em 2011, um tribunal de recurso "dividido" entendeu diferentemente: "O DNA isolado do corpo para ser testado tem uma estrutura química diferente do DNA encontrado no corpo". 

A Suprema Corte, por sua vez, anulou essa decisão e reenviou o processo para tramitação nos tribunais inferiores, para que a comunidade científica discuta com a comunidade jurídica a questão. A decisão tem grande importância para os pacientes de vários tipos de câncer, para as instituições de saúde, para os médicos envolvidos com a medicina personalizada, para fornecedores de exames laboratoriais e, principalmente, para toda a comunidade científica que faz pesquisa do câncer ou está envolvida com o projeto do genoma humano. 

Se a proibição for definitiva, vai criar uma certa revolução no país: o Escritório de Marcas e Patentes dos EUA vem concedendo patentes de genes humanos há quase 30 anos. A maioria dos cientistas argumenta que, se o processo continuar, aos poucos as empresas vão começar a reivindicar patentes e, consequentemente, a propriedade de partes do corpo humano, que poderão ser comercializados. Os laboratórios, proprietários dos genes, podem não desenvolver mais pesquisas sobre eles, mas podem impedir que outros cientistas o façam. Os cientistas ouvidos pelos tribunais entendem que os resultados de toda pesquisa genética devem ser compartilhados com a comunidade científica de todo o mundo.

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