Abuso inconstitucional

TSE desrespeita a democracia representativa

Autor

  • Ruy Samuel Espíndola

    é advogado professor de Direito Constitucional da Escola Superior de Magistratura de Santa Catarina e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Santa Catarina sócio da Espíndola & Valgas Advogados Associados com sede em Florianópolis (SC).

28 de março de 2012, 18h21

O poder regulamentar do TSE está positivado no Código Eleitoral de 1965 e não na Constituição da República. A Constituição de 1988 não o recepcionou. O poder regulamentar do Presidente vem nela previsto. Assim como o do CNJ. A base deste poder para o TSE é inconstitucional, pois não encontra chão na vigente ordem constitucional. Mas além da base deste poder ser inconstitucional, o seu exercício tem sido inconstitucional, muitas vezes.

É o caso da regra instituída por "ato de interpretação", com reflexos para aqueles candidatos que tiveram contas rejeitadas em 2010. O TSE, por 4 votos a 3, agiu como se não houvesse diferença entre positivação de uma regra, pelo poder constitucionalmente instituído para produzi-la (o Congresso Nacional), e o ato de interpretação e aplicação da mesma pelo poder próprio (Justiça Eleitoral). Agiu como se não houvesse um limite para o intérprete no ato de interpretar o enunciado linguístico do dispositivo e o produto do resultado desta interpretação: a norma jurídica válida. No caso, transbordou dos limites interpretativos do § 7º, do artigo 11 da Lei ordinária 9.504/1997, que fala da apresentação de contas e quitação eleitoral.

O entendimento do TSE no caso da negativa de conferir quitação eleitoral a quem teve contas rejeitadas na eleição de 2010, fere os princípios da legalidade e o da separação de poderes. E o princípio da segurança jurídica, corolário dos dois últimos – já se sabe que 21 mil pessoas serão afetadas, retroativamente, como esclareceu a Ministra Nanci Andrig.

O poder que produz a norma não pode aplicá-la, em julgamentos, em casos concretos. Só o STF pode fazê-lo, no caso de súmulas vinculantes, por autorização constitucional expressa. O princípio constitucional estruturante da separação de poderes foi violado, assim como o princípio geral da legalidade (que no caso é de reserva qualificada, pois reclamaria lei complementar), no caso da regra da resolução em crítica.

Esse poder regulamentar do TSE – sem base constitucional e exercida no mais das vezes de maneira inconstitucional – deve ser suprimido em reforma do Código Eleitoral, assim como o poder de emitir as autoritárias consultas, nas quais não há participação do Ministério Público e de advogados, e se discute temas jurídicos em tese, com repercussão imediata sobre o processo eleitoral. Essas consultas, indevidamente, fazem às vezes de controle concentrado de constitucionalidade com efeito vinculante (vide a celeuma em torno da aplicação da lei ficha limpa no ano de 2010) e repercussão geral, sem autorização constitucional para tanto.

Por outro lado, em termos pragmáticos, a consequência da regra criada por resolução interpretativa (a que nega quitação eleitoral aos que tiverem as contas rejeitadas), é, às avessas do direito, criação de nova hipótese de inelegibilidade, mediante resolução do TSE e não por lei complementar concretizante do § 9º do artigo 14, da CF.

O “fichalimpismo” da Corte Eleitoral Lewandowski é contra constitutione e contra legem. E no caso em comento namora com um aspecto do fascismo: aquele que desrespeita à democracia representativa e aos direitos fundamentais com alto clamor popular. Se o TSE insistir nesse abuso inconstitucional, deve as 15 legendas partidárias que recorreram a Corte, suspender a resolução, por excesso de poder regulamentar, com base no artigo 49, V, da Constituição. Ou seja, esses partidos políticos, através do Congresso Nacional, devem impugnar esse excesso inconstitucional da mais alta corte eleitoral do País.

É preciso uma resposta da democracia representativa aos excessos da autocracia judicial. Há uma guerra silenciosa sendo travada entre os poderes da república. Há um levante dos sem mandato político contra os com mandato político. Há muitos agentes políticos sem mandato querendo se adonarem de parcela da representação que só cabe aos eleitos pelo voto popular e com respaldo popular. Não podemos aceitar o elitismo de Platão, com “juízes filósofos” que dirão ao povo quem deve e como se deve governar. Isso cabe ao povo escolher e dizer! Esse é o espaço da democracia representativa. O caminho da Corte Lewandowski leva-nos ao atalho da autocracia judiciária.

Se no início desta “guerra”, ainda não percebida pelos mandatários políticos, o foco era a gestão parlamentar e administrativa, principalmente em nível municipal (crescente em nível estadual), agora o foco de ataque é o mandato, é a representação, é o direito de escolha livre e independente, pelo eleitor, de seus representantes. E para tal, não tem havido contenção em se atacar, sem medidas, o direito político fundamental de candidatura, a outra face da pedra angular da democracia representativa.

Que não fique sem resposta institucional legítima, pelos exercentes de mandato eletivo, esse ataque à liberdade fundamental de candidaturas. A Corte Lewandowski, com essa medida inconstitucional, dá outra demonstração de agravo à democracia representativa e aos direitos políticos.

A primeira demonstração lesiva, no início de sua gestão presidencial (junho de 2010), foi a inconstitucional resposta por consulta que entendeu aplicável a lei ficha limpa ao pleito eleitoral de 2010. Não fosse pela sua atuação precipitada na Presidência da Corte, respalda por maioria de votos judiciais (5 x 2), teria o País sido poupado da insegurança vivida pelo corpo eleitoral até a decisão saneadora do STF, em março de 2011.

Agora, no término de seu biênio na Corte, o Ministro Lewandowski capitaneia nova bravata contra disposições constitucionais insofismáveis. E não se conteve em dizer, em entrevista, que a medida “é mais um filtro de moralidade” para a democracia brasileira.

A era Robespierre na jurisprudência eleitoral brasileira, com certeza, aplaude tais medidas. Todavia, a razão e o direito devem combatê-las dentro das quadras da legalidade e da constitucionalidade. Moralidade sem legalidade e sem constitucionalidade é puro arbítrio judicial. No ponto, ataque à democracia e aos direitos políticos fundamentais.

Essa medida do TSE é “fichalimpista”, como confessou o Presidente da Corte. E há no “fichalimpismo” (Adriano da Costa Soares) um processo crescente de marginalização dos políticos e de demonização da política representiva. Há um processo inconfesso de infantilização do eleitor e de sua capacidade de escolha. Há um excessivo “moralismo eleitoral” (Adriano da Costa Soares), pernicioso para a democracia constitucional e seu regime de direito.

A era Robespierre no Direito Eleitoral precisa de resposta de quem pode acionar os mecanismos democráticos para fazer valer o Estado Democrático de Direito e seus princípios basilares. Se o TSE não revogar o seu excesso, que o Congresso o suspenda, a bem da democracia constitucional e dos direitos políticos fundamentais de candidatura e de voto.

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    é advogado, Professor de Direito Constitucional da Escola Superior de Magistratura de Santa Catarina e Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de SC, sócio da Espíndola & Valgas, Advogados Associados, com sede em Florianópolis/SC

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