Eleições na Ajufe

Ajufe deve ser interlocutora de juízes, diz Nino Toldo

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26 de março de 2012, 14h56

Esta entrevista faz parte da série que a ConJur publica a partir desta segunda-feira (26/3) com os candidatos a presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil.

A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) perdeu o rumo. Pelo menos na opinião do juiz federal Nino Oliveira Toldo, candidato à presidência da entidade nas próximas eleições, marcadas para o dia 27 de abril. O paulista Toldo é o representante de uma das chapas de oposição à atual gestão, comandada pelo gaúcho Gabriel Wedy. A chapa, batizada de “Ajufe no rumo certo”, defende a volta da associação ao papel de interlocutora da magistratura federal com a sociedade e seus representantes.

Juiz criminal conhecido pela interpretação rígida das leis penais, Toldo é um crítico feroz do trabalho de Wedy à frente da Ajufe e pretende se contrapor ao que fez o presidente nos últimos anos. Em sua visão, a estratégia de Wedy de defender a greve dos juízes federais como forma de reivindicação de reajustes acabou por colocar a opinião pública contra a carreira. E lamenta que, “depois de anos de trabalho para a Ajufe chegar a um patamar de credibilidade e respeito perante os interlocutores de assuntos relacionados à magistratura federal, a atual gestão da nossa associação nacional perdeu a capacidade de interlocução e não conseguiu nenhum ganho significativo para os associados”.

Toldo não é contra a defesa da categoria ante as investidas do Conselho Nacional de Justiça para investigar pagamentos irregulares de verbas a juízes. Mas discorda da postura midiática do atual presidente. Em defesa do Mandado de Segurança ajuizado pelas três principais associações de juízes brasileiros no Supremo Tribunal Federal contra o poder de investigação concorrente do CNJ em relação ao dos tribunais, Gabriel Wedy foi aos jornais sustentar seu ponto de vista. Segundo seus opositores, o tiro saiu pela culatra e transformou a magistratura em inimiga da sociedade. O resultado foi um levante da opinião pública, encampado pela imprensa, de forma geral, contra praticamente todas as bandeiras da Ajufe. 

Mesmo quando defende bandeiras já levantadas por Wedy, como as férias de 60 dias para a magistratura, o oposicionista fala diferente. Para ele, o descanso dobrado é uma forma de fazer com que a carreira continue sendo uma carreira atrativa para os melhores profissionais do Direito. “Não interessa à sociedade que a opção pela magistratura passe a figurar dentre as últimas das opções de trabalho para os egressos das Faculdades de Direito. Infelizmente, o que temos visto nos últimos tempos é uma perda de atratividade da carreira da magistratura em relação a outras carreiras”, disparou, em entrevista à revista Consultor Jurúdico.

Toldo conseguiu reunir ao seu redor antigos adversários. Ricardo de Castro Nascimento, presidente da da Associação dos Juízes Federais de São Paulo (Ajufesp), era vice-presidente na atual gestão de Wedy.

Nascimento havia conseguido, em São Paulo, angariar um grupo de magistrados federais para apoiar Wedy em sua candidatura e, depois, em sua gestão — entre eles, o hoje desembargador do Tribunal Regional Federal da 3ª Região José Marcos Lunardelli. A insatisfação com a gestão de Wedy levou o grupo para a oposição. O desembargador não compactuava com as ideias de Nino Toldo. Hoje, está ao seu lado na disputa. 

Formado em Direito pela USP em 1986, Toldo é doutor em Direito Econômico e Financeiro pela mesma universidade e mestre em Direito e Serviço Social pela Unesp. É o segundo juiz federal mais antigo em atividade na 3ª Região, fator que em breve deve colocá-lo definitivamente como desembargador no TRF-3, onde julga como juiz convocado. Entrou na Justiça Federal em 1991, no primeiro concurso organizado pelo TRF-3, em que passou em 11º lugar. 

Leia a entrevista concedida pelo juiz federal Nino Toldo, candidato à presidência da Ajufe.

ConJur — Por que decidiu concorrer à presidência da Ajufe?
Nino Toldo — Porque a Ajufe, que é a voz dos juízes federais do Brasil, perdeu o rumo. Depois de anos de trabalho para a Ajufe chegar a um patamar de credibilidade e respeito perante os interlocutores de assuntos relacionados à magistratura federal, a atual gestão da nossa associação nacional perdeu a capacidade de interlocução e não conseguiu nenhum ganho significativo para os associados, quer no plano remuneratório, quer no da estrutura da Justiça Federal e, principalmente, no da valorização da magistratura. A magistratura federal é formada por pessoas de grande valor. Durante esta campanha, tenho visitado muitos lugares do Brasil e tenho conhecido mulheres e homens que se dedicam arduamente à atividade jurisdicional, mas que não vêm tendo a valorização que merecem. É uma pena que essas pessoas, que compõem a imensa maioria da magistratura federal brasileira, não sejam o tema de notícias, nem da manifestação de quem nos representa. Para defender e falar por essa imensa maioria, com responsabilidade e seriedade, é que aceitei o desafio de concorrer à presidência da Ajufe. Os juízes federais brasileiros pedem e merecem respeito.

ConJur — Quais são suas propostas de gestão?
Nino Toldo — Nossa chapa se chama “Ajufe no rumo certo”, e suas propostas constam em programa que representa um compromisso mínimo, um marco de entendimento sobre o que seja a associação e o trabalho associativo. O programa funda-se em cinco eixos, que se inter-relacionam: política remuneratória, estrutura da Justiça Federal, valorização da magistratura federal, inserção social da magistratura e respeito ao associado. A questão remuneratória é de fundamental importância, pois há dois anos não há qualquer reajuste do valor dos subsídios da magistratura. Além disso, o tempo de serviço não é considerado na evolução da carreira. Na verdade, hoje não há um plano de carreira adequado para a magistratura, o que tem desmotivado novos valores a ingressar em seus quadros e a fazer com que tenhamos uma inédita evasão de juízes para outras carreiras. Por outro lado, a falta de reconhecimento, interno e externo, do trabalho da magistratura faz com que os juízes tenham uma perigosa baixa autoestima. Tudo isso constitui uma gama de problemas que precisam ser discutidos adequadamente. A magistratura precisa ser valorizada em todos os sentidos. Se a sociedade pode — e deve — cobrar a magistratura, em contrapartida deve dar aos magistrados um sentido de carreira, que havia, mas foi perdido. A magistratura é fundamental para a democracia e é por isso, pela sua valorização (interna e externa), que vamos trabalhar. Queremos resgatar em cada associado a sensação de orgulho por ser magistrado federal e membro da Ajufe.

ConJur — Qual é o papel da Ajufe?
Nino Toldo — A Ajufe é a voz dos juízes federais, dentro do Poder Judiciário e fora dele. Ao longo dos seus quase 40 anos de existência, a Ajufe legitimou-se perante a sociedade e atuou em cooperação com os órgãos que tinham iniciativa legislativa sem abdicar de sua necessária e imprescindível independência. Nos últimos dez anos, protagonizou importantes conquistas para a Justiça Federal e a cidadania, tais como a criação dos Juizados Especiais Federais e o processo eletrônico. No entanto, a atual diretoria optou por uma condução política excessivamente corporativa e desnecessariamente agressiva, que levou a Ajufe ao isolamento institucional, ao descrédito por parte de importantes interlocutores, à impopularidade e a nenhuma conquista relevante. Valeu a pena? Entendo que não. A Ajufe, nessa gestão, perdeu o rumo, afastando-se de seu papel fundamental, que não é apenas o de defender interesses corporativos, mas também o de lutar pelo aperfeiçoamento das instituições democráticas. O exercício do mandato associativo tem por pressuposto a seriedade nas ações e nas informações passadas aos associados e à sociedade. Em resumo, o papel da Ajufe é muito importante não só para os juízes, mas também para a sociedade.

ConJur — Juízes podem fazer greve?
Nino Toldo — A greve é um instrumento de pressão típico da relação capital-trabalho. Como os juízes são membros de Poder, a greve é algo que não se encaixa nesse esquema de pressão, pois as relações envolvidas não são relações entre patrão e empregado. Os Poderes são independentes e harmônicos entre si, mas por vezes há situações de tensão entre eles. Essas situações são mais visíveis e comuns entre o Poder Legislativo e o Executivo, pois a relação entre eles é mais dinâmica. Frequentemente vemos o Poder Legislativo obstruir seu trabalho para pressionar o Poder Executivo e isso não causa nenhum espanto. As relações entre o Poder Judiciário e os demais Poderes não são tão dinâmicas, razão pela qual essa forma de pressão não pode se banalizar. Contudo, é legítimo, em situações extremas, que o Poder Judiciário faça o mesmo. Ou seja, obstruir sua atividade para cobrar o respeito que os Poderes Executivo e Legislativo lhe devem.

ConJur — Por que juízes devem ter férias de 60 dias?
Nino Toldo — Porque isso faz parte de um mínimo plano de carreira. Para que a magistratura continue sendo uma carreira atrativa para os melhores profissionais do Direito, é necessário que se ofereça um plano de carreira aos candidatos. Não interessa à sociedade que a opção pela magistratura passe a figurar dentre as últimas das opções de trabalho para os egressos das Faculdades de Direito. Infelizmente o que temos visto nos últimos tempos é uma perda de atratividade da carreira da magistratura em relação a outras carreiras. Há juízes deixando a magistratura para seguir a carreira da advocacia e para assumir titularidade de cartórios. O quinto constitucional praticamente já não atrai mais membros do Ministério Público de segunda instância. Tudo isso se deve à perda de atratividade da magistratura em relação a outras carreiras jurídicas. Como o Estado não pode pagar os salários que grandes bancas de advocacia pagam ao profissional do nível técnico exigido de um magistrado, 60 dias de férias são uma das formas de se manter atrativa a carreira, especialmente em face das restrições a que o magistrado tem de se submeter. O magistrado não tem hora extra e é cobrado por sua produtividade. Faz plantões que o impedem de deixar sua subseção sem qualquer contrapartida. Inicia sua carreira em lugares muitas vezes distantes daquele em que está sua família e, além disso tudo, seus subsídios estão corroídos pela inflação. Depois da instituição da previdência complementar para os servidores públicos, os novos juízes sequer terão a garantia de integralidade e paridade dos subsídios quando se aposentarem. Como, então, convencer os melhores profissionais a abraçar a carreira da magistratura se tirarem mais esse direito que não é exclusivo da magistratura? O Ministério Público, algumas procuradorias e defensorias públicas, parlamentares e professores têm mais de 30 dias de férias por ano, sem que isso cause inquietação na sociedade. Além disso, não é certo dizer que um direito de uma dada categoria é privilégio apenas porque o mesmo direito não é extensível aos trabalhadores em geral. Há carreiras que têm jornada de trabalho diferente das demais e nem por isso é possível dizer que esse é um privilégio odioso. O artigo 303 da CLT, por exemplo, confere aos jornalistas jornada máxima de trabalho de cinco horas, enquanto que aos trabalhadores em geral a jornada é de oito horas. Da mesma forma, advogados empregados têm jornada máxima de quatro horas diárias. Há especificidades nessas carreiras, tanto quanto na dos magistrados, que justificam o tratamento diferenciado. A questão das férias de 60 dias para os juízes, infelizmente, está envolta em muita hipocrisia.

ConJur — Juízes devem poder vender férias?
Nino Toldo — Sim. O artigo 143 da CLT permite ao trabalhador em geral vender 1/3 das suas férias. O artigo 220, parágrafo 3º, da Lei Complementar 75/1993, permite ao membro do Ministério Público da União vender um terço de suas férias. Por que ao juiz isso não deveria ser permitido? É evidente, portanto, até pela simetria com o Ministério Público da União, reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça, que os juízes podem optar por gozar suas férias ou trabalhar, e ser indenizado por um terço delas.

ConJur — A remuneração e as condições de trabalho dos juízes federais são adequadas?
Nino Toldo — Não. A remuneração definitivamente não é adequada e está aquém das responsabilidades do cargo. A comparação que normalmente se faz com o salário mínimo é inadequada, pois creio que nenhum cidadão em sã consciência queira ser julgado por um juiz que ganhe pouco mais de um salário mínimo. A comparação há de ser feita com o que o mercado paga a profissionais com o grau de conhecimento e responsabilidade que se exige de um juiz, como, por exemplo, gerentes ou diretores jurídicos. Infelizmente, hoje há muitos servidores da Justiça Federal que, quando perguntados se querem prestar concurso para a magistratura, respondem que não, pois conhecem de perto a realidade remuneratória e de condições de trabalho dos juízes e não se animam a fazê-lo. Até porque não terão acréscimo remuneratório ou o terão em valor mínimo, que não compensa as privações e responsabilidades que terão de assumir, sem se falar no afastamento de sua cidade de origem.

ConJur — A segurança dos juízes federais desperta preocupação? Por quê?
Nino Toldo — A segurança dos magistrados é um tema muito sensível. A interiorização da Justiça Federal e a melhoria das condições de trabalho da Polícia Federal levaram a uma atuação mais efetiva desse órgão, resultando em um maior número de inquéritos e processos criminais, bem como medidas constritivas que dependem de atuação judicial. Como resultado disso, vimos, em alguns lugares, uma diminuição da segurança institucional da magistratura, devido às condições inadequadas dos prédios onde são instalados os fóruns. Isso vem sendo objeto de preocupação da Justiça Federal. Eu já participei de diversas comissões de segurança, quer no âmbito do Conselho da Justiça Federal, quer no âmbito do Tribunal Regional Federal da 3ª Região e da própria Ajufe. Há muito a ser feito nesse campo. O que é importante deixar claro para toda a sociedade é que a magistratura federal é forte e não se intimida com ameaças, quaisquer que sejam elas. Contudo, diante de uma real situação de ameaça a qualquer de seus membros, o Poder Judiciário deve ter meios de protegê-lo, bem como sua família. Isso não é algo em favor da pessoa do juiz. Isso é algo em favor da própria sociedade.

ConJur — A emoção e o entusiasmo de grandes investigações, consubstanciadas nas célebres “operações da PF” resultaram em fiasco. Que reflexão se pode tirar desse fenômeno?
Nino Toldo — Não acho adequado falar em fiasco. Há muitas operações, sem estardalhaço algum, que resultaram em processos em que houve condenação de agentes criminosos. Como juiz titular de vara criminal, posso afirmar isso. Tenho grande respeito pelo trabalho da Polícia Federal, instituição que é composta por inúmeras pessoas da mais alta seriedade e comprometimento com o interesse público. O fato é que, tradicionalmente, o Direito Penal, no Brasil, tem funcionado apenas para uma parcela desassistida da população, o que deveria ser motivo de vergonha para nós, como nação. Funda-se aí a falsa crença de que cadeia é para pobre. Vejo em algumas reações a operações da Polícia Federal a manifestação de uma parcela da sociedade que não estava acostumada a ser confrontada com as normas penais. Isso deve ser encarado com certa naturalidade e dentro do processo democrático que vivemos. Não quero dizer, com isso, que a Polícia Federal e o Ministério Público Federal não tenham cometido erros em algumas operações. Mas esses erros, quando ocorreram, foram percebidos pelo Poder Judiciário, se não pelo juiz de primeiro grau, pelos tribunais regionais federais ou por tribunais superiores. O que importa ressaltar é que o juiz, dentro desse sistema, não tem compromisso com a acusação ou com a defesa, mas com o processo penal justo. Os juízes federais brasileiros têm consciência disso.

ConJur — É legítimo pressionar o governo-patrão com instrumentos como a suspensão do julgamento das ações de interesse do governo?
Nino Toldo — Primeiro é preciso esclarecer que não existe essa figura do governo-patrão. Juízes são membros de Poder e não se sujeitam a governo, que é transitório. Juízes integram uma estrutura de Estado e são remunerados pela União, pessoa jurídica de direito público que transcende o governo. Esclarecido isso, entendo que não é legítima qualquer atuação que prejudique uma das partes no processo, como forma de pressão por parte da magistratura visando a ganhos remuneratórios. O Estado, quando se submete ao Judiciário para solucionar os seus conflitos de interesse, coloca-se numa situação de igualdade ideal à do seu adversário. O juiz não pode e não deve, por mais justa que seja a reivindicação remuneratória da sua corporação, confundir o seu papel de órgão julgador. A razão primeira da existência de um juiz como solucionador de conflitos é a imparcialidade. Se um juiz, a pretexto de melhores condições remuneratórias, abre mão de sua imparcialidade, deixa de ser juiz e qualquer reivindicação corporativa perde legitimidade.

ConJur — Órgãos administrativos, como o CNJ, Coaf, Fisco ou como o MP e a PF devem ter poderes para quebra de sigilo sem interveniência da Justiça? Vale mudar as regras em nome do combate ao crime organizado?
Nino Toldo — O maior equívoco que se pode cometer no tema do combate ao crime organizado é acreditar que mudar ou quebrar regras em nome desse combate possa trazer algo de bom. As quebras de sigilo telefônico, bancário e tudo que diga respeito a direitos fundamentais do cidadão devem estar sujeitas à reserva de jurisdição, indiscutivelmente. No entanto, o que se pode indagar é o que significa “quebra de sigilo”. Por exemplo, saber da companhia telefônica quem é o titular de determinada linha seria quebra de sigilo? Essa informação, em princípio, não revela maiores dados que comprometam a intimidade do cidadão. Por outro lado, quando uma instituição financeira informa ao COAF a existência de uma operação atípica, isso, por si só, é uma violação a sigilo? O cerne dessa controvérsia é saber onde começa a interferência no direito à intimidade do cidadão, em relação à qual somente o Poder Judiciário, no devido processo legal, pode excepcionar.

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