Desvio inconstitucional

Advogado não tem de receber verba indenizatória

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26 de março de 2012, 11h40

O processo judicial civil está sofrendo uma grave deformação. A desconformidade afeta milhões de brasileiros que procuram o Judiciário, afronta os princípios jurídicos da reparação integral e devido processo legal substantivo. A mudança é injusta, desnecessária e inconstitucional. O assunto deve ser amplamente debatido, em defesa e aprimoramento do sistema judicial brasileiro.

Quem perde um processo judicial, o vencido ou sucumbente, tem que pagar a condenação principal e todas as despesas do processo. O pagamento das despesas é aplicação do chamado princípio da sucumbência. Entre as despesas, além das custas processuais, destacam-se os honorários advocatícios contratuais que o vencedor do processo teve com seu advogado para mover o processo.

Em um caso em que o vencedor do processo gastou 20 de honorários advocatícios contratuais para receber 100, deve ser ressarcido do valor gasto com seu advogado. Não sendo assim, o vencedor receberá somente 80% do seu direito, o processo judicial fica defeituoso, o sistema judicial institucionalmente injusto, porque concede menos que o direito devido e o princípio da reparação integral desatendido.

O processo judicial, instrumento de realização da Justiça, um dos fundamentos da democracia, deve institucionalmente permitir que o vencedor recupere integralmente seu direito. A advocacia, especialmente no âmbito do processo judicial, tem forte carga de serviço público, devendo atenção aos princípios constitucionais de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

O Código de Processo Civil
Honorários advocatícios podem ser divididos em dois: honorários contratuais, combinados entre o advogado e o seu cliente, como retribuição pelo trabalho; e honorários de sucumbência, fixados pelo Juiz na sentença. A titularidade dos honorários contratuais é do advogado. A titularidade dos honorários de sucumbência é naturalmente da parte vencedora do processo, como reparação pelo que gastou com seu advogado.

O Código de Processo Civil – CPC em vigor, cumprindo o princípio da reparação integral, determina que a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios (artigo 20). A regra é tão importante que foi justificada na Exposição de Motivos do CPC atual, sem o destaque, nos seguintes termos:

“O projeto adota o princípio do sucumbimento, pelo qual o vencido responde por custas e honorários advocatícios em benefício do vencedor. O fundamento desta condenação, como escreveu Chiovenda, é o fato objetivo da derrota: e a justificação deste instituto está em que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte a cujo favor se efetiva; por ser interesse do Estado que o processo não se resolva em prejuízo de quem tem razão e por ser, de outro turno, que os direitos tenham um valor tanto quanto possível e constante.”

O mesmo artigo 20 do CPC, sabiamente, declina critérios para o juiz julgar o valor dos honorários de sucumbência, evitando o perigo da vinculação automática ao valor combinado entre o vencedor do processo e seu advogado. O procurador judicial tem obrigação de pleitear a reparação integral de seu cliente, assim, pode juntar ao processo cópia do contrato de honorários que cobrou e pedir ressarcimento integral em favor de seu cliente, mas é o juiz quem fixa o valor por decisão, sujeita a recurso.

O fato dos honorários de sucumbência serem fixados segundo a complexidade da causa e trabalho do advogado, acatando ou não o valor estipulado no contrato de honorários, não é argumento válido para justificar a transferência da verba para o advogado. A regra objetiva a fixação de ressarcimento justo, afastando o perigo de mero acatamento do valor acertado particularmente entre o vencedor e seu advogado.

Inconstitucionalidades
Honorários de sucumbência não são uma verba de conhecimento popular. Não têm sido bem explicada. Talvez por isso têm sido objeto de injusto apoderamento. O Estatuto da OAB (Lei 8.906/1994) lançou cinco normas apropriadoras dos honorários de sucumbência em favor do advogado.

O artigo 21, seu parágrafo único e o parágrafo 3º do artigo 24, mais aplicáveis aos advogados empregados, foram limitados pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 1.194. Os artigos 22 e 23, mais aplicáveis aos advogados autônomos, foram salvos do julgamento de inconstitucionalidade por força de preliminar processual salvadora: impertinência temática, conforme ementa abaixo.

EMENTA: ESTATUTO DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL – OAB. ARTIGOS 1º, parágrafo 2º; 21, PARÁGRAFO ÚNICO; 22; 23; 24, parágrafo 3º; E 78 DA LEI N. 8.906/1994. INTERVENÇÃO COMO LITISCONSÓRCIO PASSIVO DE SUBSECÇÕES DA OAB: INADMISSIBILIDADE. PERTINÊNCIA TEMÁTICA. ARTIGOS 22, 23 E 78: NÃO-CONHECIMENTO DA AÇÃO. ARTIGO 1º, parágrafo 2º: AUSÊNCIA DE OFENSA À CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. ARTIGO 21 E SEU PARÁGRAFO ÚNICO: INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO. ARTIGO 24, parágrafo 3º: OFENSA À LIBERDADE CONTRATUAL. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE PARCIALMENTE PROCEDENTE. 1. A intervenção de terceiros em ação direta de inconstitucionalidade tem características distintas deste instituto nos processos subjetivos. Inadmissibilidade da intervenção de subsecções paulistas da Ordem dos Advogados do Brasil. Precedentes. 2. Ilegitimidade ativa da Confederação Nacional da Indústria – CNI, por ausência de pertinência temática, relativamente aos artigos 22, 23 e 78 da Lei n. 8.906/1994. Ausência de relação entre os objetivos institucionais da Autora e do conteúdo normativo dos dispositivos legais questionados. 3. A obrigatoriedade do visto de advogado para o registro de atos e contratos constitutivos de pessoas jurídicas (artigo 1º, parágrafo 2º, da Lei n. 8.906/1994) não ofende os princípios constitucionais da isonomia e da liberdade associativa. 4. O artigo 21 e seu parágrafo único da Lei n. 8.906/1994 deve ser interpretado no sentido da preservação da liberdade contratual quanto à destinação dos honorários de sucumbência fixados judicialmente. 5. Pela interpretação conforme conferida ao artigo 21 e seu parágrafo único, declara-se inconstitucional o parágrafo 3º do artigo 24 da Lei n. 8.906/1994, segundo o qual "é nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retire do advogado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência". 6. Ação direta de inconstitucionalidade conhecida em parte e, nessa parte, julgada parcialmente procedente para dar interpretação conforme ao artigo 21 e seu parágrafo único e declarar a inconstitucionalidade do parágrafo 3º do artigo 24, todos da Lei n. 8.906/1994.(ADI 1194, MAURÍCIO CORRÊA, STF)

Importante destacar que, nessa Ação Direta de Inconstitucionalidade, o STF reinterpretou o artigo 21 e seu parágrafo único, e declarou inconstitucional o parágrafo 3º do artigo 24 do Estatuto da OAB, que declarava nula qualquer disposição, cláusula, regulamento ou convenção individual ou coletiva que retirasse do advogado empregado o direito ao recebimento dos honorários de sucumbência.

A decisão do Supremo, reconhecendo a ilegitimidade da confederação de empregadores em relação aos artigos 22 e 23, conforme ementa acima, transfere à Procuradoria Geral da República, até agora inativa nesse ponto, a responsabilidade de combater as ofensas contra o devido processo legal substantivo e os direitos difusos dos jurisdicionados brasileiros, hipossuficientes em grande maioria.

Posição de ministros do Supremo
O ministro Marco Aurélio, na mencionada Ação Direta de Inconstitucionalidade 1194/DF, declarou voto de prevalência do artigo 20 do Código de Processo Civil, afirmando que: "… os honorários de sucumbência, a teor do disposto no artigo 20 do CPC, são devidos à parte vencedora e não ao profissional da advocacia".

Na mesma ADI, o Ministro Cezar Peluso proferiu voto reconhecendo expressamente que o artigo 21 da Lei 8.906/94 afronta o devido processo constitucional substancial:

"Penso que tal norma também ofenderia o princípio do devido processo legal substantivo, porque está confiscando à parte vencedora, parcela que por natureza seria destinada a reparar-lhe o dano decorrente da necessidade de ir a juízo para ver sua razão reconhecida."

O ministro Gilmar Mendes aderiu ao entendimento do ministro Peluso, conforme excerto de seu voto:

"Penso, na linha do Ministro Peluso, que essa sistemática possui uma matriz constitucional. Ao alterar a disposição que constava do Código de 1973, a lei acabou por comprometer um dos princípios basilares desse modelo, dando ensejo a um indevido desfalque do patrimônio do vencedor.É evidente que a decisão legislativa contida na disposição impugnada acaba por tornar, sem justificativa plausível, ainda mais onerosa a litigância, e isso é ofensivo ao nosso modelo constitucional de prestação de justiça."

Na mesma linha, o entendimento do ministro Joaquim Barbosa, abaixo com destaque:

"Pode-se dizer o mesmo quanto ao contexto brasileiro. Incrementar custos de litigância "sem um justificativa plausível" – para usar as palavras do ministro Gilmar Mendes – é atentatório ao princípio da proteção judiciária. Não é plausível, assim, que uma lei cujo objetivo seja regular prerrogativas para a nobilíssima classe dos advogados estabeleça que não cabe à parte vencedora, seja ela empregadora ou não, os honorários de sucumbência. Tais honorários visam justamente a que a parte vencedora seja ressarcida dos custos que tem com o advogado, empregado seu ou contratado. Os dispositivos impugnados, ao disciplinarem que a verba de sucumbência pertence ao advogado, não promovem propriamente a rule of law, mas o rule of lawyers. Com isso, não se incrementa a proteção judiciária, mas apenas se privilegia certa classe de profissionais que devem atuar sempre em interesse da parte que representam, de acordo com as regras de conduta da advocacia."

As declarações acima indicavam o reconhecimento da inconstitucionalidade dos arts 22 e 23 do Estatuto da OAB, que transferem os honorários de sucumbência para o advogado, com prejuízo para o vencedor do processo. É lamentável que o curso do processo, quanto a esses dois artigos, tenha sido obstado por preliminar processual de ilegitimidade ativa, impertinência temática.

Posição de processualistas
Humberto Theodoro Junior, ensina:

"Adotou o Código, assim, o princípio da sucumbência, que consiste em atribuir à parte vencida na causa a responsabilidade por todos os gastos do processo. Assenta-se ele na idéia fundamental de que o processo não deve redundar em prejuízo da parte que tenha razão".[1]

Cândido Rangel Dinamarco explicita:

“Uma vez findo o processo e condenada a parte pelas custas e honorários, ela se encontra numa situação jurídico-substancial desfavorável quanto ao custo do processo, sendo portanto devedora na mesma medida em que, correlativamente, a parte adversa se encontra em posição jurídica favorável e é credora por despesas processuais e honorários advocatícios, tendo direito subjetivo relativo a eles….. O réu vencido é ordinariamente obrigado por despesas e honorários (artigo 20), porque ele teve uma conduta tal que tornou indispensável à outra parte o recurso ao serviço estatal jurisdicional, pagando por isso ao Estado mesmo e ao advogado que a patrocinou: o autor vencido veio ao Poder Judiciário com uma demanda e obrigou o adversário a despender com advogado e com o processo mesmo, molestando sem ter direito: o executado, com a não-satisfação do crédito do exequente, forçou este a vir a juízo e gastar. Em qualquer hipótese, tem-se alguém gastando para obter o reconhecimento judicial da sua razão, de modo que, se não for reembolsado, o direito que tem fica desfalcado na medida daquilo que tiver gasto.”[2]

A doutrina de Ovídio A. Baptista da Silva confirma:

"… ao cliente cabe a legitimação para postular reembolso contra o vencido, salvo se o advogado tiver direito aos honorários de sucumbência por haver contratado com o cliente que estes lhe pertencem, em caso de vitória, cumulativamente com os honorários entre eles ajustados".[3]

Fernando Jacques Onófrio é mais incisivo:

"… devemos lembrar que o artigo 23 da Lei 8.906/94 (EOAB) não revogou o artigo 20 do Código de Processo Civil. Por outro lado, os honorários devidos pela sucumbência, se contratados forem, poderão reverter em favor do advogado, desde que já não os tenha recebido do cliente. Caso contrário estes serão, sempre, da parte, como dispõe o artigo 20 do Código de Processo Civil e conforme entendimento jurisprudencial.” [4]

O clássico Moacyr Amaral dos Santos:

“Afastando-se das idéias de pena e de culpa, uma terceira teoria, exposta por Chiovenda, e hoje dominante, considera a condenação do vencido nas despesas processuais como decorrência necessária do fato da sucumbência. O vencido, ainda que tenha agido com manifesta boa-fé, responde pelas despesas porque foi vencido. Cabe-lhe pagá-las para integração do direito do vencedor, que não se lhe asseguraria intacto desde que ficasse reduzido com as despesas havidas para o seu reconhecimento em juízo.” [5]

É elucidativo excerto do artigo assinado pelo jurista João Baptista Villela, professor emérito na Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais, publicado em 2010, abaixo com destaque:

“Chega a ser bizarro que o Estado, por obra do juiz, condene o vencido nas custas, reembolsando-se a si próprio, mas não o condene ao reembolso da parte a quem o vencido se contrapôs sem fundamento válido. O resultado final não poderia, pois, ser mais esdrúxulo: O advogado do vencedor recebe de duas fontes por um só trabalho, enquanto o assim chamado vencedor nunca é, de fato, um vencedor. Seu direito estará sempre desfalcado do que houver pago ou do que houver de pagar ao seu advogado. Terá, digamos, 60, 70, 90% do direito judicialmente proclamado. Jamais 100%. Confisco puro.” [6]

Circularidade infinita
A título de argumentação, em favor da prevalência jurídica e lógica do artigo 20 do CPC, apresenta-se a seguinte questão: Com as regras dos arts. 22 e 23 da Lei 8.906/94, ficando os honorários de sucumbência com o advogado, a parte vencedora da demanda, quando não ressarcido no próprio processo, pode propor uma outra ação judicial para receber do vencido o que gastou de honorários contratuais com seu advogado, e depois outra e outra no mesmo sentido, numa circularidade absurda e infinita de processos?

Novo Código Civil em vigor
O Novo Código Civil Brasileiro de 2002, posterior ao Estatuto da OAB, em cumprimento ao princípio da reparação integral, estabelece, nos arts. 389, 395 e 494, que o devedor (o vencido no processo) tem obrigação de pagar ao credor (vencedor do processo) a dívida principal, atualização monetária, juros e honorários de advogado, confirmando a prevalência do artigo 20 do CPC, que determina o pagamento de honorários de sucumbência ao vencedor do processo, como ressarcimento de despesa necessária para movimentação do processo e, por outro lado, impede a aplicação dos arts. 22 e 23 do Estatuto da OAB.

Projeto de lei do novo CPC
Apesar da farta Doutrina explicando que os honorários de sucumbência têm natureza indenizatória e pertencem ao vencedor do processo, apesar da segura indicação do Supremo na ADI 1.194, apesar do artigo 20 e Exposição Motivos do CPC no mesmo sentido, apesar dos princípios da reparação integral e devido processo legal substantivo (o processo judicial deve ser adequado para atingir seu objetivo constitucional, integral reparação do vencedor, inclusive das despesas), o trocadilho do Ministro Joaquim Barbosa, infelizmente, parece estar se realizando: promoção do rule of lawyer em detrimento do rule of law.

Poderosa força colocou no projeto do novo CPC, em trâmite na Câmara Federal, uma mudança sutil em relação aos honorários de sucumbência. O artigo 87 determina que o vencido pagará honorários de sucumbência ao advogado (e não ao vencedor do processo). Se aprovado, estará mudada a diretriz histórica do CPC em vigor, o jurisdicionado receberá menos do que tem direito no Judiciário e o advogado do vencedor pode acabar recebendo de duas fontes pelo mesmo trabalho: os honorários contratuais e os honorários de sucumbência de seu cliente.

Além da mudança de titularidade, os parágrafo1º ao parágrafo13 do mesmo artigo 87 do Projeto estabelecem novas regras. Determina cumulação dos honorários de sucumbência por instâncias e fases do processo, inclusive na execução não resistida, podendo chegar a 25% na fase de conhecimento e mais um tanto na fase de execução. É até razoável a idéia da cumulação por instância e execução, para evitar recursos procrastinatórios e também porque os contratos de honorários normalmente prevêem acréscimo para o caso de recursos a Tribunais, mas desde que em favor da parte vencedora do processo, como ressarcimento. A pretensão, de qualquer forma, parece exagerada e pode resultar em valores elevados. Como está no Projeto, os honorários podem chegar a 65% da causa: 25% na fase de conhecimento, 20% na fase de execução e mais 20% de honorários contratuais, por exemplo.

Por fim, o Projeto prevê uma espécie de tabela percentual para os honorários de sucumbência contra a Fazenda Pública. O tabelamento tira a liberdade do Juiz de julgar conforme as peculiaridades do caso concreto, tomando em consideração somente um aspecto da demanda, o valor da causa, podendo levar a honorários incompatíveis em casos de ações milionárias ou repetitivas, já definidas nos Tribunais Superiores, onde o maior trabalho é esperar o andamento do processo.

As alterações acima, se definitivamente aprovadas, vão afetar milhões de processos e ofender direitos fundamentais dos jurisdicionados brasileiros. O novo Código de Processo Civil, em debate no Congresso, diploma essencialmente técnico, está sendo aparelhado para incrementar ganhos de categoria profissional.

Mudança na CLT
O mesmo desvio também está sendo encaminhado na CLT. A legislação processual trabalhista é perversa com o trabalhador que recorre ao Judiciário. Um trabalhador que vai reclamar 10 mil de salários atrasados pode receber somente 8 mil, pois até 20% fica com o seu advogado, por força de contrato. A atual legislação trabalhista não permite que o trabalhador lesado receba o que gastou com advogado. A legislação trabalhista necessita mesmo de reforma nesse ponto.

Em 2004 foi proposto o Projeto de Lei 3.392 (Deputada Dra. Clair) para modificar a CLT nesse ponto, obrigando o vencido no processo do trabalho a ressarcir o vencedor nas despesas que este teve com seu advogado (no mesmo sentido de histórica regra do artigo 20 e Exposição de Motivos do Código de Processo Civil). A justificativa do Projeto original era o ressarcimento do trabalhador que custeou a despesa.

A Comissão de Justiça e Cidadania da Câmara Federal aprovou recentemente o Projeto de Lei 3.392, consolidando várias modificações na CLT, entre elas a regra que concede honorários de sucumbência no processo trabalhista. Entretanto, o Projeto original foi modificado. Determina agora que os honorários de sucumbência pertencem ao ADVOGADO. Se aprovado definitivamente, a injustiça contra o pobre trabalhador vai continuar e o advogado vai receber em dobro, percentual de seu cliente (20% a 30%) e mais os honorários de sucumbência que pertencem ao cliente vencedor do processo (10% a 20%).

Um segundo honorários de sucumbência
Já se tem ouvido ideias salvadoras, talvez mencionadas para justificar o avanço sobre a verba dos jurisdicionados, no sentido de criação de um segundo honorários de sucumbência para ressarcimento do vencedor do processo. A solução aventada, além de estar no mundo das possibilidades teóricas, não constar de lei, oneraria demasiadamente o vencido no processo, que muitas vezes procura o Judiciário de boa-fé, ou na dúvida e, mesmo assim, teria de pagar duas vezes a mesma verba, elevando injustificadamente os custos judiciais, sendo totalmente incompatível com o sistema jurídico em vigor.

Nova espécie tributária
Os honorários de sucumbência em favor do advogado são como uma nova espécie tributária, obrigação em dinheiro imposta por lei, em favor de categoria profissional, sem fundamento constitucional. Quem vai pagar é o brasileiro obrigado a ir ao Judiciário, mesmo que de boa-fé no processo. Nesse aspecto, como espécie tributária corporativa, não foi aberta e amplamente discutida com a sociedade. Vai incrementar as “custas judiciais” e o famoso “custo Brasil”.

Súmula 306 do STJ
A Súmula 306 do STJ, que reconhece direito autônomo do advogado para executar honorários de sucumbência, em concorrência com a parte vencedora, não afasta o debate sobre o tema. A mencionada Súmula foi conclusão definida a partir do Estatuto da OAB, sem solução do conflito com o artigo 20 do CPC e sem qualquer análise e julgamento de constitucionalidade, mesmo porque o STJ não tem competência para questões constitucionais, devendo o assunto ser amplamente debatido.

Transferência por contrato
Os honorários de sucumbência têm uma função lógica no processo: permite que o vencedor seja judicialmente ressarcido do valor que gastou com seu advogado. Assim, é lícita a transferência de honorários de sucumbência ao advogado quando não houver cobrado honorários contratuais, tendo trabalhado somente pelos honorários de sucumbência – situação não muito ocorrente – exatamente porque não há nada a ser ressarcido.

Por outro lado, a transferência dos honorários de sucumbência ao advogado não é substancialmente válida quando cumulada com honorários contratuais suficientes, excluindo a possibilidade da parte receber integralmente o direito reconhecido pelo Judiciário. O objetivo fundamental do processo, reparação integral, não pode ser inviabilizado por uma fórmula contratual, muitas vezes de adesão.

O advogado tem obrigação, legal e ética, de buscar a integral reparação dos danos sofridos por seu cliente, inclusive os decorrentes do próprio processo judicial. O cliente, em regra, é tecnicamente dependente do advogado. A advocacia, especialmente no espaço do processo judicial, tem forte carga de serviço público. A Constituição exige transparência, publicidade e elevada moralidade nos serviços públicos (artigo 37 da Constituição).

Esse quadro indica que um bom caminho é o advogado combinar seus honorários por escrito, juntar o contrato no processo e pleitear o ressarcimento integral a favor do seu cliente, deixando a verba de sucumbência livre para cumprimento da sua função lógica no processo. Assim, também estará legitimando judicialmente, pela publicidade, os honorários contratuais cobrados e ajudando a realizar a cultura da reparação integral e do devido processo legal substantivo.

Honorários de sucumbência irrisórios
Entidades ligadas à advocacia levantaram campanha contra honorários de sucumbência irrisórios. A verba é fixada pelo juiz em sentença, portanto, nos casos de valor irrisório o único caminho democrático é o recurso para eventual acertamento pelos tribunais superiores. Eventuais tendências para valores irrisórios, se efetivamente ocorrente, podem estar decorrendo da injusta apropriação da verba pelo Estatuto da OAB e consequente recebimento de honorários de duas fontes, do cliente e do vencido no processo. É quase certo que, se o procurador judicial cobrar seu preço, juntar o contrato de honorários no processo e pedir os honorários de sucumbência para seu cliente, como ressarcimento de despesa, a visão será bem outra.

O advogado, profissão libertadora e honrosa, indispensável ao funcionamento da democracia, deve ser bem remunerado. Conhecedor do Direito e especialista no trato das relações humanas, está amplamente apto para contratar sua remuneração, assim como fazem todos os demais profissionais liberais. Não há justificativa plausível para instituição e manutenção de um tipo de tributo em seu favor, com prejuízo dos jurisdicionados, normalmente mais frágil e dependente.

A OAB é instituição historicamente reconhecida pela sua luta em favor da Justiça e dos princípios republicanos, entre eles o devido processo legal substantivo. Legitimamente aparece na mídia como defensora da moralidade política e dos direitos humanos. O avanço sobre os honorários de sucumbência (já parcialmente repelido pelo STF), afrontando o princípio do devido processo legal substantivo e direitos constitucionais dos jurisdicionados, destoa da sua impoluta história.

Não é certo transferir verba indenizatória do jurisdicionado para o advogado, quando já recebe remuneração decorrente de contrato. A sociedade, sindicatos, processualistas, Ministério Público e demais órgãos de defesa dos direitos difusos e do trabalhador devem ficar atentos para a mudança, especialmente quanto à efetiva realização do devido processo legal substantivo e justo tratamento do jurisdicionado, consumidor do serviço público judicial.

O presente artigo não tem qualquer intenção ofensiva em relação aos profissionais da advocacia. Decorre de imperativo de consciência profissional, em busca do aprimoramento do sistema judicial, da oportunidade propiciada pelo momento histórico da reforma do CPC e mudança paralela na Consolidação das Leis do Trabalho.


[1] Curso de Direito Processual Civil, 41ª Edição, Volume I, Editora Forense, 2004, p.85, sem destaque.

[2] Fundamentos do Processo Civil Moderno. 4ª ed. Tomo I. São Paulo, Malheiros Editores, 2001, p. 658-659, sem destaque no original.

[3] Comentário ao CPC, Volume 1, Editora RT, ano 2000.

[4] Manual de Honorários Advocatícios, São Paulo, Saraiva, 1998, sem destaque no original.

[5] Primeiras Linhas de Direito Processual Civil. 23 ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 2º Volume. p. 309, sem destaque no original.

[6] http://www.livrariadelrey.com.br/livraria/ revista/REVISTA_DELREY.

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