Segunda Leitura

Imprensa deixa de lado a razão ao falar de pagamentos

Autor

  • Vladimir Passos de Freitas

    é professor de Direito no PPGD (mestrado/doutorado) da Pontifícia Universidade Católica do Paraná pós-doutor pela FSP/USP mestre e doutor em Direito pela UFPR desembargador federal aposentado ex-presidente do Tribunal Regional Federal da 4ª Região. Foi secretário Nacional de Justiça promotor de Justiça em SP e PR e presidente da International Association for Courts Administration (Iaca) da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) e do Instituto Brasileiro de Administração do Sistema Judiciário (Ibrajus).

25 de março de 2012, 14h19

Spacca" data-GUID="vladimir_passos_freitas1.jpeg">A discussão sobre os pagamentos feitos pelos Tribunais aos magistrados não termina. A cada dia, a mídia traz uma notícia, uma foto, uma entrevista. Às vezes requentada, repetindo o já informado com outras palavras. Os leitores têm aumentada a convicção de que em tudo há desonestidade, corrupção.  E, como no ato de contrição, replicam a informação “por pensamentos e palavras, atos e omissões”. 

É preciso, porém, deixar a situação mais clara e transparente. Separar o joio do trigo. Apontar com mais razão e menos emoção o que se fez e o que pode e deve ser feito. As acusações generalizadas não levam a nenhuma conclusão, exceto à equivocada idéia de que tudo está perdido.

A primeira observação que se faz é a de que esses pagamentos começaram nos anos 1990. Regra geral, são direitos reconhecidos por lei ou jurisprudência pacífica. A diferença é que, feitos administrativamente, dispensam ação judicial.

Todos os magistrados (exceto os que tomaram posse após o reconhecimento de cada direito) receberam atrasados. Inclusive nos Tribunais Superiores, em Brasília. Só conheço um que recusou: ministro Milton Luiz Pereira, do Superior Tribunal de Justiça, um santo em vida. Nunca recebeu um centavo a tal título. Discretamente, oficiava recusando e ordenava aos servidores que não divulgassem sua atitude, para não melindrar os que recebiam.  Agradecerei se me indicarem outro que tenha recusado.

No entanto, a forma como foram feitos esses pagamentos nem sempre foi igual. Nos Tribunais Regionais Federais e Tribunais Regionais do Trabalho foi mais uniforme, porque são controlados por órgãos de cúpula no STJ e Tribunal Superior do Trabalho. Mas, nos Tribunais de Justiça, ninguém sabia nem sabe até agora como foram realizados. Pelo simples fato de que as concessões e os cálculos são feitos isoladamente por cada um dos 26 TJs.  A partir daí podem surgir divergências que devem ser analisadas pelas equipes técnicas da Corregedoria Nacional de Justiça.

O poder da Corregedoria Nacional não é apenas disciplinar, mas também financeiro. Nessa função ela pode verificar como foram pagos atrasados a título de auxílio-moradia, auxílio-alimentação, férias não gozadas e outros semelhantes. E não só isso. Pode também estudar a evolução patrimonial, através da cópia da declaração de rendimentos que cada magistrado, de qualquer instância, manda ao presidente de seu tribunal, por força do artigo 13, § 2º da Lei 8.429/92.

Pois bem, na auditoria sobre os pagamentos dos atrasados, que pode e deve ser realizada em todos os tribunais, e que ora é feita no TJ-SP e, na próxima semana, no TJ-RJ, o assunto assumiu enormes proporções. Vejamos.

Dia 6 de janeiro: o Estado de S. Paulo noticiava que desembargadores receberam R$ 1 milhão de verbas antecipadas (A9). Dia 3 de março: a Folha de S.Paulo noticiava entrevista coletiva, na qual o Presidente do TJ-SP afirmava que, nos pagamentos, os juros foram pagos a mais por descuido e que a imprensa promovia campanha contra o Judiciário (A8). O mesmo jornal, no dia 20 de março, informava que o CNJ ampliaria a investigação sobre os 354 desembargadores (A4). No dia 22, no Rio de Janeiro, O Globo dedicou uma página a uma reportagem intitulada “Pente-fino em Tribunal do Rio” (p. 3). No dia seguinte o mesmo periódico apresentava a posição do presidente da associação local, afirmando que a operação era de rotina (p. 11).

Como se vê, tais fatos originaram contínuas declarações, entrevistas, mensagens de leitores indignados, manifestos de gestores judiciários e de líderes associativos, tudo em um clima de fortes emoções e de suspeitas jamais visto. Coisas que devem ser tratadas com equilíbrio e maturidade acabaram resvalando para frases de efeito e até de ameaças.

Neste clima de ebulição permanente, o que se tem a fazer é muito simples. Se os pagamentos foram regulares, reconheça-se o fato e ponto final. Mas, se eles foram irregulares (p. ex., juros superiores ao devido), apure-se e promova-se a responsabilização administrativa e criminal do ordenador de despesas e civil de quem recebeu a maior.

Outro exemplo. Se no TJ-SP, ou em outro qualquer, pagou-se a desembargadores oriundos do quinto constitucional da OAB indenização por licença-prêmio não gozada nos tempos em que eram advogados (Folha de S.Paulo, 29 de dezembro de 2011, A4), quem assim agiu deve responder judicialmente. Não se faz cortesia com dinheiro público.

Por outro lado, se alguns desembargadores receberam no TJ-SP seus créditos  antecipadamente, autorizados por uma comissão, verifique-se a legalidade dos pagamentos e, se houver excesso (p. ex., juros a maior), promova-se a cobrança pelas vias próprias. Mas se os pagamentos foram corretos, quem tem a reclamar são os outros magistrados que não foram contemplados com a antecipação.

Em suma, o que estou a dizer é que no TJ-SP ou em outro qualquer, pequeno ou grande, de apelação ou superior, o CNJ tem todo o direito de investigar os pagamentos e os rendimentos declarados ao IR (exceto no STF, que a ele não está sujeito) e é importantíssimo que o faça para o bom tratamento do dinheiro público.

No entanto, nesta altura dos acontecimentos, reconhecido pelo STF o poder da Corregedoria Nacional de investigar, a fase é outra. É a das apurações técnicas, em clima de tranquilidade, sem declarações bombásticas, frases de efeito, audiências públicas, nervos à flor da pele. Puna-se quem merecer. Mas sem que para isto seja necessária a contínua exposição de toda a magistratura nacional.

Não será demais lembrar que o aviltamento do Poder Judiciário representa um perigo ao Estado democrático de Direito. Em passado não muito distante, adotaram-se, fora do Judiciário, soluções sumárias. O AI-5, que punha fora do serviço público quem fosse suspeito, sem direito de defesa. E o Esquadrão da Morte, que dava fim aos criminosos urbanos, sob o argumento de que a Justiça não os alcançava. Aqueles tempos não deixaram saudades.

Em suma, o momento é de separar o joio do trigo e semear, para que, em clima de tranquilidade, o Judiciário retorne à sua normalidade. 

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