Questão de gestão

Justiça pode intervir em ato do Executivo, diz TJ-RJ

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19 de março de 2012, 9h05

Os limites da interferência do Poder Judiciário no mérito de atos administrativos do Estado foram colocados à prova no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A 3ª Câmara Cível da corte decidiu que, se for para efetivar uma política pública, cabe ao Judiciário adentrar no mérito de ato administrativo e determinar que o município cumpra, de fato, com sua obrigação. No caso concreto, os desembargadores, por unanimidade, reformaram sentença que havia julgado improcedente uma Ação Civil Pública e mandaram o município de Petrópolis, na região serrana fluminense, instalar um posto de fornecimento de medicamentos no centro da cidade.

O município possui um posto com distribuição centralizada. No entanto, a prefeitura o mantém em Corrêas, distante 18 quilômetros da região central. Como o caminho é irregular, a viagem de carro dura, pelo menos, meia hora. “Se os beneficiários dos medicamentos não possuem recursos financeiros suficientes para a compra dos remédios, é bem provável que também não tenham condições de arcar com o custo do deslocamento para outro distrito”, considerou o desembargador Marcelo Lima Buhatem, relator da apelação no TJ fluminense.

Em seu voto, o Buhatem entrou no mérito do ato administrativo e anotou ser possível, sim, que o Judiciário exerça seu controle. Embora ele reconheça que “doutrina e jurisprudência majoritárias posicionam-se no sentido de que o Poder Judiciário não deve substituir a administração pública nesta análise”, ele lembrou que “não existe ato administrativo, a priori, excluído da apreciação jurisdicional”, baseando-se no artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.

Em seu voto, Buhatem frisou que “o município, o estado e a União integram o Sistema Único de Saúde (SUS), tendo o dever de manter o tratamento indicado em favor do doente, com a concessão dos medicamentos necessários para a recuperação da saúde da população”.

“A saúde é um bem jurídico que goza de amparo constitucional no plano federal, estadual e municipal, e a negativa do fornecimento de medicamentos para o combate de doenças graves, progressivas, e até incuráveis, viola as garantias dos cidadãos, sobretudo quando hipossuficientes para custearem remédios e tratamentos”, declarou.

Judicialização
A decisão, afirma o desembargador, é leading case no Rio de Janeiro. “No voto”, conta, “foi discutido o velho conceito administrativo da conveniência e oportunidade da administração”. Em seu voto, Buhatem citou diversos princípios, como efetividade, moralidade e eficiência, para justificar a judicialização das ações do poder público como forma de concretização e efetivação das políticas públicas constitucionais. “O princípio da moralidade impõe que o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta”, afirmou.

“A centralização da distribuição dos medicamentos na sede da Fundação Municipal de Saúde, em Corrêas, compromete a efetividade do cumprimento das decisões judiciais concessivas de medicamentos”, disse. Ele anotou, ainda, que “o princípio da eficiência também autoriza a descentralização da distribuição dos medicamentos, na medida em que o núcleo do referido princípio consiste na procura de produtividade e economicidade, impondo a redução do desperdício de dinheiro público, exigindo a prestação dos serviços com presteza, perfeição e rendimento funcional”.

Como todos os possíveis beneficiários moram longe da localidade — 62,2% deles no primeiro distrito de Petrópolis e 28,9% residem nos demais distritos — o Ministério Público pediu a instalação de um posto extra.

Já o município alegou que a descentralização da entrega de tais medicamentos em outros bairros provocaria um custo muito elevado, provocando um desequilíbrio na prestação dos demais serviços para atender uma minoria. De acordo com ela, 93,84% dos medicamentos já seriam entregues de forma descentralizada nos postos de saúde ou, ainda, no Centro de Saúde.

Em primeira instância, o pedido do MP foi julgado improcedente pela juíza Christianne Diniz, da 4ª Vara Cível de Petrópolis. "A pretensão ministerial não merece acolhida, na medida em que a centralização da distribuição de medicamentos, e a escolha do respectivo local, referem-se a política de gestão administrativa, não violadora de qualquer preceito constitucional fundamental", entendeu.

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