Os Conselhos Regionais de Odontologia (CROs) não têm legitimidade para propor ação de reparação de danos morais eventualmente praticados por determinados odontólogos em razão de publicidade enganosa, abusiva e angariadora de clientes. Assim, os dentistas que se sentirem lesados pela ação destes profissionais devem pleitear individualmente a reparação. Com este entendimento, a 3ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em reexame necessário, impediu que um dentista fosse processado por danos morais por parte do seu conselho profissional.
Conforme o relator da matéria, desembargador e presidente do colegiado, Fernando Quadros da Silva, a autarquia classista deve zelar pelo perfeito desempenho ético e pelo prestígio da profissão de dentista. Entretanto, como não se trata de uma ‘‘organização sindical’’, não está apta à representação judicial dos profissionais da Odontologia. Por esta razão, negou provimento ao recurso. A decisão é do dia 7 de março.
No caso, o Conselho Regional de Odontologia do Paraná (CRO-PR) entrou ação ordinária em que pedia, em sede liminar e em definitivo, que o profissional se abstenha de veicular anúncios de procedimentos e tratamentos odontológicos por todos os meios, contendo preços, modalidade de pagamento ou a oferta de serviços gratuitos. Em caso de descumprimento, pediu a fixação de multa diária.
Como fundamentação, o CRO paranaense sustenta que o dentista acusado vem se valendo dos sites de serviços de compras coletivas para veicular publicidade de procedimentos odontológicos, o que é vedado pelo Código de Ética Profissional e o Código de Defesa do Consumidor. Nestes anúncios, afirma, o desconto no preço dos tratamentos chega a 79%, sendo que estas ofertas têm a duração de 24 horas e um número mínimo de clientes que optarem por realizar o tratamento. Conforme o Conselho, o anúncio de procedimentos/tratamentos odontológicos, de forma descontrolada e anômala, excede os limites éticos e legais previstos em lei, ferindo a dignidade da profissão.
O dentista acusado apresentou sua defesa. Disse que fez apenas dois anúncios dentro de um curto espaço de tempo, abstendo-se de tais condutas após notificação do CRO-PR. Garantiu, também, não ter ofertado serviço ou qualidade que não detenha, assim como não promoveu a banalização de procedimentos odontológicos.
A juíza substituta Soraia Tullio, da Vara Federal de Curitiba, ao analisar o mérito da ação, teceu considerações sobre a Lei 5.081/66, que regula o exercício da Odontologia. Em seu artigo 7º, a lei veda ao cirurgião-dentista usar de artifícios de propaganda para angariar clientela. Também proíbe anunciar preços de serviços, modalidades de pagamento e outras formas de comercialização da clínica que signifiquem competição desleal.
"Esta disposição se justifica, na medida em que a Odontologia não pode ser vista como mercancia, haja vista que seu objeto é a saúde pública, de tal forma que sua publicidade deve se adequar ao que dispõe a referida lei e o Código de Ética Odontológica", afirmou a juíza.
Para ela, ainda que a comunicação entre o profissional e a população seja de fundamental importância — até mesmo para levar ao conhecimento do público a existência de novas técnicas e alternativas de tratamento —, é necessário que esta se faça de maneira ética, sem aviltar a profissão ou banalizar seu exercício.
‘‘Não é o que se verifica, obviamente, com as propagandas sobre tratamento odontológico em sites de descontos’’, deduziu. Para tanto, citou os artigos 24, 34 e 35 do Código de Ética, que classificam como infração, respectivamente, executar e anunciar trabalho gratuito ou com desconto com finalidade de aliciamento; expor ao público leigo artifícios de propaganda, com o intuito de granjear clientela; e se beneficiar de propaganda irregular ou em desacordo com o previsto no Código. A juíza substituta afirmou que tais práticas também são vedadas pela Lei 8.078/90, em seu artigo 37.
A juíza julgou a demanda parcialmente procedente, reconhecendo que o réu utilizou-se de meio ilegal e práticas em desacordo com a lei e com a ética para divulgar os seus serviços. Entretanto, afirmou não haver fundamento para condenar o profissional por danos morais.
"Para realizar a pretensão do Conselho, consistente na punição do réu com caráter pedagógico, há mecanismos administrativos previstos na lei que regulamenta o exercício da Odontologia, não sendo o dano moral um substituto adequado. Para evitar que o réu venha a rescindir na conduta ilegal, há sistemas mais adequados, como, por exemplo, a fixação de astreintes, previstas no artigo 461, parágrafo 5º, do Código de Processo Civil", sugeriu a juíza.
A sentença determinou que o profissional denunciado se abstenha de anunciar preço, modalidade de pagamento e serviço gratuito por todos os meios de anúncios e veículos de propagandas, como folders, panfletos, placas, televisão, rádio, e-mails, site, torpedo. Em caso de descumprimento, fica sujeito à pena de multa correspondente a R$ 1 mil por cada dia de descumprimento da determinação judicial.
Em reexame necessário, a 3ª Turma do TRF-4 considerou que a juíza substituta proferiu sentença acertada e que deve ser mantida por seus próprios fundamentos. O entendimento foi seguido, à unanimidade, pelos desembargadores Carlos Eduardo Thompson Flores Lenz e Maria Lúcia Luz Leiria.