Controle de constitucionalidade

Mérito de liminar em ADI é suscetível a debates

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17 de março de 2012, 7h47

A dissenção em torno do debate sobre a concessão de medida cautelar em instrumentos de controle de constitucionalidade – em especial em Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), em Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) e em Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) – volta sempre à tona quando o Supremo Tribunal se vê às voltas com o assunto, como no caso recente do julgamento sobre a extensão dos poderes disciplinares do Conselho Nacional de Justiça.

Frequentemente o debate é centrado no exame dos eventuais efeitos vinculantes das liminares expedidas em ADIs e ADCs. Contudo, no episódio do julgamento do CNJ em particular, uma outra questão se assomou: se a prerrogativa de se conceder liminar em ADI é apenas do plenário, como estabelece a norma, ou se (e quando) é cabível uma decisão monocrática.

Juristas costumam observar que os efeitos da outorga de liminar em instrumentos como ADIs,ADCs e ADPF podem repercutir em inúmeros desdobramentos legais, principalmente quando o deferimento é posteriormente revogado. É vasto o debate sobre como provimentos provisórios no exercício do chamado controle jurisdicional concentrado da constitucionalidade podem repercutir em uma infinidade de efeitos no plano do controle empregado por via de exceção ou difusa.

Em ADIs e ADCs, a norma que rege a questão da concessão de medida cautelar no exercício de ambas, salvo as diferenças entre estas, está disposta nos artigos de 10 a 12 da Lei 9.868/1999, além do que determina o artigo 102 da Constituição Federal. A concessão tem de ser aprovada pela maioria absoluta do Plenário do Supremo Tribunal Federal, fora exceções previstas em casos de recesso, quando é verificada urgência ou risco de lesão grave. Neste caso, caberia ao ministro relator, observando determinados procedimentos, concedê-la até o Plenário manifestar-se.

Ainda assim, o tema admite discussão, ocorrendo divergência sobre a natureza das arbitrariedades na utilização de tutela cautelar em instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade. Em dezembro, o ministro-relator Marco Aurélio concedeu medida liminar à ADI impetrada pela AMB contra a atuação do CNJ, justo no último dia útil antes do recesso do Judiciário.

Marco Aurélio entendeu, na ocasião, que a competência do CNJ é subsidiária à atuação preliminar das corregedorias locais. Em fevereiro, depois de se ocupar do tema em diferentes sessões plenárias, o STF caçou a liminar que suspendia as disposiçoes da Resolução 135 do CNJ.

Em voto referente à sessão que finalmente definiu a amplitude da ação disciplinar do CNJ, cujo conteúdo integral foi divulgado recentemente, o ministro Gilmar Mendes desaprovou o entendimento do colega ao passo em que criticou o aumento de liminares em ADI.

Em seu voto, Mendes citou a Lei 9.868/1999, que trata do processo e julgamento de Ação Direta de Inconstitucionalidade, dispondo que apenas o pleito completo da alta corte tem condições de proferir medida cautelar em ADI. Mendes observou que decisões monocráticas desse tipo só podem se dar em “casos de expecional urgência”, situações que nomeia como “reserva de plenário”

Contudo, para Marco Aurélio, o contexto justificava a medida liminar. “Continuo convencido de que era um momento que exigia a concessão”, comentou o ministro Marco Auréilio à revista Consultor Jurídico. “Tanto que, ao invés de acionar o artigo 12 visando o julgamento final da ação, eu trouxe o processo em setembro à apreciação do Plenário, mas não tenho culpa se não houve o pregão”, disse.

Em seu voto contudo, Gilmar Mendes observou que o artigo 10 da Lei 9.868/1999 dispõe que, mesmo em caso de recesso, a decisão de conceder medida cautelar em ADI tem de ser anunciada pelo presidente da corte, portanto, o relator do caso não usufrui da competência para conceder liminares em ADI mesmo em caso de urgência.

O ministro Marco Aurélio cita, porém, a própria Constituição como base de referência para seu entendimento. “Há uma cláusula na Constituição a revelar um ingresso no Judiciário para afastar lesão ou ameaça de lesão”, explicou. “E o afastamento de ameaça de lesão se dá mediante tutela antecipada, mediante liminar, sob pena de ameaça de lesão definitiva. E o regimento interno contém regras autorizando o relator em situações expecionais a atuar”, justificou.

Medida excepcional
Para o professor de Direito Público da Universidade de Brasília, Mamede Said Maia Filho, no entanto, cautelar em ação de inconstitucionalidade constitui medida excepcionalíssima. Ainda tratando do artigo 10 da Lei 9.868/1999, o professor cita a observância rigorosa dos procedimentos para que a liminar possa ser concedida mesmo quando subsidiada em Plenário.

“O dispositivo determina, ainda, que o relator deverá ouvir os órgãos ou autoridades das quais emanou a lei ou o ato normativo impugnado e, se entender necessário, ouvir a AGU e o PGR, devendo, posteriormente, submeter a questão ao pleno para análise”, explicou o professor a Consultor Jurídico.

“Todas essas exigências demonstram, a meu ver, que a concessão da medida cautelar há de se cercar de cuidados que não podem ser facilmente dispensados. Embora pedidos de cautelares sejam frequentes no STF, é preciso ter claro que ela é medida de caráter excepcionalíssimo”, concluiu. “Não é toda e qualquer hipótese que permite seu ajuizamento, pois as leis e os atos normativos são presumidamente constitucionais até que se prove o contrário”, avaliou Mamede Said.

No voto proferido por ocasião do julgamento dos poderes do CNJ, o ministro Gilmar Mendes também observou que, desde a sanção da Lei 9.868, em novembro de 1999, o STF profreriu somente oito liminares em ADI. Porém, o ministro chamou a atenção para o fato de que, das oito liminares, seis foram proferidas desde 2009, com o quadro de ministros muito próximo da atual composição da corte. Para Mendes, este é um indicativo do preocupante aumento de decisões cautelares monocráticas em Ações Diretas de Inconstitucionalidade.

“Exatamente por isso, o STF normalmente exige, para concessão de liminares, a relevância do pedido, de sorte a evidenciar, de forma inequívoca, o risco comprometedor da efetividade do ato normativo questionado e a fumaça do bom direito”, observa o professor Mamede Said . “É essencial, ainda, que se mostre a conveniência da medida pleiteada e a repercussão dos danos daí resultantes”, pondera.

O professor também não confirma a tese de que, no caso do julgamento da competência do CNJ, a situação justificava a decisão monocrática. “Observe, ainda, que o Regimento Interno do STF (artigo 13, VIII) determina que cabe ao presidente da Corte ‘decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias’, e aí, certamente, se inclui a eventual concessão de cautelar”, explicou Mamede Said. "Desse modo, entendo como absolutamente inadequada decisão monocrática a esse respeito, salvo no período de recesso, e ainda assim pelo presidente do STF”, concluiu.

O ministro Marco Aurélio, entretanto, reiterou que esperar pela abertura do ano do Judiciário para que o Plenário finalmente julgasse o caso acarretaria em maior gravidade à situação provocada pela exarcebação das competências do CNJ. A cautelar foi justificada com base no argumento de que a atuação CNJ vinha atropelando então as 90 corregedorias espalhadas em todo o Brasil.

“Eu estaria a contrariar esse procedimento de trazer ao plenário para exame da cautelar se esperasse até fevereiro a abertura do ano judiciário a partir da premissa que me levou a trazer o processo para que o plenário exercesse a atribuição que lhe é própria quanto ao pedido de concessão de liminar e implementei a cautelar”, explicou Marco Aurélio “Evidentemente não empolguei aí uma bandeira de agrado da sociedade. Mas o juíz não pode atuar pensando apenas nos aplausos. Ele atua segundo o direito posto”, disse o ministro.

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