Escolhas da Odebrecht

Lei obriga Odebrecht a escolher entre Cuba e Flórida

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15 de março de 2012, 16h06

A Assembleia Legislativa da Flórida aprovou uma lei que proíbe governos locais de contratar empresas que mantêm negócios com Cuba. A lei, "que passou quase despercebida apesar de seu caráter radical, visa uma das maiores empreendedoras do país, a Odebrecht USA, subsidiária do gigante conglomerado brasileiro [a Organização Odebrecht], cuja subsidiária cubana está participando do projeto de expansão do Porto de Mariel", em Cuba, segundo noticiou nesta quarta-feira (14/3) o Miami Herald.

A Odebrecht USA é sediada em Coral Gables, no condado de Miami-Dade. O projeto de lei foi proposto pelos parlamentares do condado, com apoio quase unânime dos deputados e senadores da Assembleia Legislativa do estado. A justificativa foi a de que o dinheiro dos contribuintes não pode acabar nas mãos de regimes repressivos, como Síria e Cuba. Mas é uma obra inspirada pela complicada política da região, dominada pelos exilados cubanos, diz o Miami Herald. "Essas empresas têm de decidir se querem fazer negócios na Flórida ou nesses países", disse o senador republicano de Miami, Michael Bileca.

Mas, a Odebrecht tem uma outra escolha: a via judicial, para resolver a questão. A lei, que entra em vigor em 1º de julho e não é retroativa, pode ser contestada na Justiça. No passado, o condado de Miami-Dade já perdeu batalhas judiciais, relacionadas a sua política contra Cuba. Um dos principais argumentos é o de que ela interfere na competência do governo federal para definir a política externa do país, disseram especialistas consultados pelo jornal. Outro argumento: "A lei é inconstitucional", diz o vice-presidente do Conselho Nacional de Comércio Exterior, sediado em Washington, Dan O’Flaherty. E há precedentes: em 2000, a Suprema Corte derrubou uma lei similar de Massachusetts que proibia órgãos estaduais de contratar empresas que tinham negócios em Mianmar.

"A legislação limita o poder de decisão de governos locais, com base nas atividades internacionais dos fornecedores de serviços ou produtos, porque ele excede o poder do governo federal", disse O’Flaherty. De uma maneira geral, os governos estaduais e locais são proibidos de definir políticas que entrem em conflito com a legislação federal.

Em 2007, procuradores do condado advertiram as autoridades de Miami-Dade que não podiam levar em consideração possíveis ligações de empresas com Cuba nas licitações para o projeto de um túnel no Porto de Miami. Militantes se opunham à contratação da empresa francesa Bouygues Travaux Publics, porque uma subsidiária havia operado em parceria com organizações cubanas. Em 2000, um juiz federal derrubou uma medida do condado, chamada "Cuba Affidavits", que negava recursos financeiros a organizações sem fins lucrativos com ligações com a ilha.

"Isso não quer dizer que a Odebrecht tem de deixar a Flórida", disse o diretor do Comitê Político pela Democracia EUA–Cuba, Mauricio Claver-Carone. "A empresa pode ficar e fazer negócios na área privada na Flórida. Apenas não pode receber dinheiro vindo de contribuintes que foram vítimas do governo cubano", afirmou. Apesar de a lei não nomear especificamente a Odebrecht, Claver-Carone disse que a empresa brasileira é o exemplo "mais clamoroso" de companhias que mantêm negócios na Flórida e em Cuba, através de suas subsidiárias.

Segundo o Miami Herald, a Odebrecht prosperou na região de Miami nas últimas duas décadas, operando como uma empresa que cresceu na Flórida, especialmente porque obteve contratos lucrativos dos órgãos locais. O presidente da Odebrecht USA, Gilberto Neves, é cidadão americano e ex-presidente do conselho do YMCA da Grande Miami. Mas outro braço da Odebrecht é uma organização proeminente em Cuba, diz o jornal. Em uma visita à Cuba, em janeiro, a presidente "esquerdista" do Brasil – assim definida pelo Miami Herald – "estimulou um plano da Odebrecht para ajudar a revitalizar a produção de cana-de-açúcar no país".

A Odebrecht está perto de concluir o projeto do Terminal Norte do Aeroporto Internacional de Miami, avaliado em US$ 3 bilhões. Executa, também, a obra que vai levar o metrô até o aeroporto. Participa, ainda, da construção do Centro Adrienne Arsht para Artes Dramáticas, da Arena da American Airlines e do estádio da Universidade Internacional da Flórida.

"Essa lei não é aplicável", diz o professor de Direito Constitucional da Universidade Nova Southeastern, Bruce Rogow. "Se não há lei federal que torne ilegal fazer negócios com Cuba ou Síria, uma lei estadual não pode fazer isso", afirmou.

No entanto, comissários do condado podem continuar fazendo oposição aos projetos da empresa, como já fazem há algum tempo. A Odebrecht vem negociando há um ano com autoridades da aviação de Miami-Dade a construção da Cidade do Aeroporto, um complexo avaliado em US$ 700 milhões, cujo projeto inclui dois hotéis, escritórios e lojas na área do aeroporto.

O presidente da Odebrecht nos EUA, Gilberto Neves, diz que o projeto pode gerar 5.800 empregos durante a construção e cerca de 10 mil, quando estiver pronto. Mas, quando o diretor de aviação Jose Abreu mencionou a Cidade do Aeroporto ao presidente da Comissão que examina o projeto, Joe Martinez, ele foi  interrompido: "Não perca o seu tempo indicando uma proposta que não irá à frente, porque essa firma tem ligações com Cuba", disse Martinez. Outro comissário, Javier Souto, um veterano da fracassada invasão da Baía dos Porcos, na década de 1960, declarou que seria "horrível" se a comissão votasse a favor do projeto.

À Odebrecht restam duas alternativas: defender seus direitos garantidos por lei federal ou ceder à pressão dos exilados cubanos, que dominam a política local. 

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