Consultor Jurídico

Carga histórica da palavra não é apagada com a retirada do dicionário

15 de março de 2012, 16h48

Por Olga Vishnevsky Fortes

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Um povo sem território, sem escrita, sem religião “oficial”. Um povo que se reconhece pela língua e pelo que restou de suas tradições. Marcado pela alegria imotivada, pela musicalidade e espiritualidade, somos poucos e tantos, hoje agregados a sociedade que antes nos marginalizou. Não nos sentimos aviltados pela descrição do verbete do dicionário Houaiss.

Se tivéssemos dicionário, por certo que no verbete “gajo” (não cigano), descreveríamos, sob a rubrica “pejorativo”, os termos “perseguidor”, “racista”, e “cruel”, termos que há séculos nossos antepassados usavam para descrever os que, aproveitando-se de nossa então ignorância quanto às leis, tiravam nosso ouro, derrubavam nossas tendas, nos obrigavam a calar e mudar de país. Aqueles que nos perseguiram, alguns de nós até a morte, pela nossa aparência, pelos nossos costumes, por nossas crenças ou pela ausência delas. Faríamos isso hoje, rodeados pelos “gajês” que são nossos amigos, que nos acolheram em suas vidas, que são nossos cônjuges e filhos, certos de que um povo não se define exclusivamente por palavras em seu significado pejorativo.

Não se apaga a carga histórica que a língua falada carrega retirando-a do dicionário. Cabe-nos lutar para manter as poucas tradições que restaram e que guardam um mínimo de compatibilidade com nosso dia a dia. Cabe-nos manter nossa língua “romanês”, que ainda nos identifica, ensinando-a a nossos filhos e netos. Cabe-nos explicar o verbete, narrando nossa verdadeira história. Cabe-nos assumir quem somos à sociedade, como ouso fazer. Sou cigana, mãe e juíza do Trabalho. Nessa ordem.