Resolução da Anvisa

Proibição de sabor em cigarros estimulará ilegalidade

Autor

13 de março de 2012, 12h00

No Brasil, com o processo de privatização, iniciado no fim do século passado, cresceu em importância a atuação das agências reguladoras. Afinal, é necessário que especialmente a execução dos serviços públicos concedidos sejam acompanhada pelo poder público para garantir aos usuários e consumidores a qualidade esperada. Ao mesmo tempo, a atuação das agências reguladoras voltadas para questões relacionadas à saúde e segurança das pessoas assumiu especial relevo. Afinal, atuam na defesa de interesses prioritários.

Essa relevância tem a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), que tem como finalidade institucional “promover a proteção da saúde da população por intermédio do controle sanitário da produção e da comercialização de produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, inclusive dos ambientes, dos processos, dos insumos e das tecnologias a eles relacionados”. A finalidade primeira da Anvisa é “promover a proteção da saúde da população”. Essa competência originária deve orientar as ações da agência – esse é o foco definido no artigo 6º da Lei 9.782, de 26 de janeiro de 1999.

Portanto, as determinações da Anvisa devem respeitar esse princípio. Nas suas determinações deve ficar expresso que a sua atuação deve se pautar por análises e critérios objetivos e comprovados, demonstrando que suas deliberações, após profunda avaliação, estão efetivamente coibindo práticas que afetem a saúde das pessoas. Vale dizer que a regulamentação não pode se basear em indícios ou estudos não comprovados, sob pena de se afastar do que determina o seu ato constitutivo.

A proibição de utilização de aditivos nos cigarros fabricados no brasil
Em consulta pública lançada em dezembro de 2010 (nº. 112), a Anvisa apresentou questão relacionada à utilização de aditivos nos cigarros fabricados no Brasil. A proposta consiste em proibir a fabricação de cigarros com aroma e sabor, obtidos pela adoção de aditivos. Basicamente, a justificativa seria que essas substâncias incentivariam o fumo, e, portanto, seria dever da agência reguladora coibir essa prática.

Independentemente da opinião de entidades antitabagistas, ou dos fabricantes de cigarros, é pertinente a pergunta: efetivamente, está provado que a existência desses aditivos estimula o consumo? E mais, esses aditivos causam prejuízos diretos à saúde dos consumidores, aumentando os riscos já associados ao fumo? A Anvisa tem resultados de estudos científicos que corroboram essa determinação?

Sem essas repostas, fica prejudicada a iniciativa.

De outro lado, também seria pertinente perguntar: todos os produtos, que causam algum risco, e que são autorizados por lei, devem ser banidos, caso se avalie que algum dos seus ingredientes estimularia o seu consumo? Caso a resposta seja afirmativa, o próximo passo deverá ser proibir as bebidas alcoólicas que contém alguma fruta ou sabor diferente do produto original. As vodkas aromatizadas e Ice, com essência de frutas, vinhos mais doces, cachaça com essências. Enfim, são inúmeros os produtos que causariam algum risco à saúde, que são autorizados para o consumo e que têm em sua composição a adição de sabor ou aroma.

Evidente que o ânimo de não incentivar o consumo de cigarros tem estimulado uma série de medidas. Restrição à propaganda e locais permitidos para fumantes são alguns exemplos. Porém, ao se proibir a comercialização de um produto, por causa da sua composição, até aqui aceita, com base em teses não comprovadas e que não têm relação com o aumento dos riscos já provados, ultrapassa os limites do razoável e significará um resultado mais perverso.

O mercado ilegal
Está provado por inúmeros exemplos que as regulamentações brasileiras, se não tiverem sua implantação rigorosamente fiscalizadas, incentivam o mercado ilegal. O motivo é óbvio: para obter a regulamentação a empresa tem que investir em tecnologia, alterar seus processos produtivos etc. Vale dizer, aumentar custos, que irão elevar os preços ao consumidor. Isso, sem esquecer o pagamento dos impostos incidentes.

Já os produtos ilegais (decorrentes do contrabando, descaminho e falsificação) se beneficiam, pois chegam até o consumidor sem qualquer cuidado com as normas e regulamentos brasileiros (menor custo) e, melhor dos mundos, sonegam os impostos.

Temos acompanhado uma série de exemplos: notebooks, que são obrigados a cumprir regulamentos da Anatel e do Inmetro, por exemplo, comercializados em grandes redes varejistas, sem respeitar essas posturas. O mesmo se constata com videogames, pilhas, óculos, produtos de limpeza, brinquedos, celulares, eletroeletrônicos, cabos de aço, peças automotivas e o mais assustador: medicamentos.

Associações civis têm denunciado essas práticas, inclusive junto à Anvisa. Nada contra os regulamentos que efetivamente atendem aos requisitos de assegurar a saúde e segurança da população. Ao contrário, tudo a favor. Mas a vigilância deve ser permanente.

No caso dos cigarros, ao se adotar um novo padrão (com base em argumentos não provados), o efeito será o aumento do interesse do consumidor. O cigarro contrabandeado terá mais esse diferencial junto ao mercado: o preço.

Com certeza, o efeito será exatamente o contrário do almejado por quem defende a medida de proibir os aditivos flavorizantes. Os cigarros ilegais não atendem a nenhuma das determinações sanitárias brasileiras. Esses cigarros têm níveis de nicotina, alcatrão e monóxido de carbono, muito superiores aos admitidos no Brasil. Utilizam esterco e inseticidas proibidos, causam maior dependência e são comercializados sem qualquer controle por parte da Anvisa.

Esses efeitos estão provados. Afetam, com muito maior rigor, a saúde dos consumidores. Não há como comparar os cigarros produzidos no Brasil, atendendo aos rigores da legislação nacional, com os venenosos ilegais, que são comercializados à margem da lei e de qualquer regulamentação.

Além desses fatores, absolutamente prejudiciais aos consumidores, o fator preço será um grande incentivo ao consumo de cigarros com sabor. Os consumidores encontrarão no mercado ilegal esses cigarros a preços bem mais baixos (graças à sonegação e desrespeito às regras de comercialização) – isso sim representa um enorme incentivo ao consumo, especialmente pela população de menor renda, que também é menos informada. Creio que as entidades antitabagistas, conhecendo esses fatores, deverão intensificar o repúdio ao comércio ilegal.

Para uma maior reflexão, é importante avaliar dados sobre a apreensão de cigarros no Brasil.

Conforme informação do Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos Contra Propriedade Intelectual (CNCP), entre 2010 e 2011, a quantidade de cigarros apreendidos pela Polícia Rodoviária Federal (PRF) subiu de 3,42 milhões de pacotes para 4,52 milhões, atingindo um total de 12,4 milhões de pacotes desde 2008. Já a Receita Federal do Brasil, só em 2010, apreendeu o equivalente a R$ 93,9 milhões em cigarros em todo o Brasil. Na região da Tríplice Fronteira (Brasil, Paraguai e Argentina) foram apreendidos US$ 12,7 milhões em cigarros em 2011 – aumento de 35% em comparação com o ano anterior.

Essas apreensões atestam que o mercado ilegal de cigarros exerce uma grande atração por quem busca vantagens em detrimento do erário e do consumidor brasileiro. Os volumes apreendidos de cigarros apontam para a importância desse mercado na geração de recursos para quem opera na ilegalidade e informalidade.

O mercado ilegal e o crime organizado
Outra perversão dessa medida será, com o inegável estímulo ao mercado ilegal, a ocupação desse mercado pelas organizações criminosas, que são as grandes operadoras do comércio ilegal. As apreensões feitas pela Receita Federal, Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal atestam inequivocamente que, juntamente a cigarros ilegais, são apreendidas armas, munições e drogas. A justificativa é clara. Para essas organizações o objetivo é otimizar o lucro. Assim, se em um contêiner ou caminhão é possível preencher o espaço com os produtos que são mais lucrativos, por que não agregar valor à carga?

De outro lado, com a proibição de cigarros com flavorizantes, a demanda pelo produto ilegal irá crescer, incentivando a sanha por lucros fáceis dessas organizações criminosas que operam, especialmente, na fronteira com o Paraguai. Será a alegria dos contrabandistas e dos fabricantes de cigarros instaladas no país vizinho, que comercializa um número geometricamente maior do que consome: produzem 60 bilhões de unidades e consomem 3 bilhões. A estimativa é que 42 bilhões de unidades têm como destino o Brasil.

O mercado ilegal de cigarros no Brasil, que hoje é de cerca de 30%, terá um grande incentivo, caso essa medida seja aprovada. Vamos reviver um passado de triste lembrança, do tempo da economia fechada, onde o contrabando de cigarros importados da Europa e EUA era comum. A proibição dos cigarros com flavorizantes irá estimular a demanda e não coibi-la, transferindo esse mercado para quem lucra com a ilegalidade.

Quem acreditar que essa é uma afirmação alarmista, basta avaliar os dados disponíveis pelos organismos que atuam no combate ao mercado ilegal e à sonegação.

A ação da Anvisa em defesa da saúde dos brasileiros deve ser sempre estimulada em todos os níveis (conhecimento científico, controle e fiscalização). Definir padrões e fiscalizar o seu cumprimento é necessário.

Entretanto, emitir medidas de regulação, sem dados que comprovem o seu alcance na preservação da saúde das pessoas e estimulem o efeito contrário, com o incentivo à ilegalidade, que já é preocupante, é uma iniciativa que deve despertar toda a atenção e cuidado. Quem atua na ilegalidade, sempre que identifica uma medida restritiva ao comércio, vislumbra uma oportunidade de aumentar seus negócios escusos. Cabe ao poder público, com o apoio da sociedade civil, sempre combater essa ação.

A proibição da comercialização de um produto deve ser respaldada e apoiada em dados precisos e comprovados e, por consequência, devem ser fortalecidos os meios de fiscalizar o mercado, preservando a legalidade e a formalidade. A sonegação, o não atendimento das determinações de normas e regulamentos técnicos, o desrespeito ao Código de Defesa do Consumidor e a afronta às posturas das administrações federais, estaduais e municipais ensejam medidas coercitivas do Estado e seus agentes.

Pelos dados avaliados, a medida sub examine na Anvisa não tem o necessário respaldo científico que justifique a sua adoção .certamente estimulará o comércio ilegal de cigarros, afetando a saúde pública. Por essas razões a mesma não deve prosperar.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!