Licitação bombardeada

Franquias ajuízam 48 ações idênticas contra Correios

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12 de março de 2012, 14h46

O impasse na licitação de 800 agências franqueadas da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) se mostra longe de acabar. Entre o fim de janeiro e a semana passada, foram impetrados na Justiça Federal 48 Mandados de Segurança na tentativa de impedir a realização dos leilões de concorrência para novos franqueados. Todas as ações são de autoria de quem já tem franquia, mas corre o risco de perdê-la para novos interessados. Com pedidos idênticos espalhados pelo país, os impetrantes querem, via liminar, a suspensão da licitação em nível nacional. Só do dia 15 de fevereiro até o início de março, foram 25 ações novas.

Franqueados e a Associação Brasileira de Franquias Postais (Abrapost), por meio de suas unidades nacional e regionais, são os autores dos pedidos, insatisfeitos com a mudança feita pelos Correios no regime de contratação. No ano passado, foi aprovada a Lei 12.400/2011, estabelecendo que até setembro deste ano todas as contratações dos Correios devem ser feitas por meio de licitação. Até então, o sistema era de concessões públicas. Tanto novas agências quanto as já existentes estão submetidas ao sistema.

As discussões começaram em dezembro do ano passado, quando os Correios publicaram os editais de licitação. Em janeiro, a estatal aditou o edital para inserir nova obrigação: a de apresentação da nova Certidão Negativa de Débitos Trabalhistas por todos os concorrentes. A intenção foi adequar o processo ao que prevê a Lei 12.440/2011, que passou a valer no dia 8 de janeiro. Foi a deixa para que, a fim de barrar o processo, a Abrapost orquestrasse suas filiadas para que espalhassem Mandados de Segurança em todo o território nacional.

A estratégia é dar às liminares abrangência nacional. Com algumas vitórias, os franqueados têm conseguido tumultuar o processo, já que quando apenas uma liminar é obtida, ela vale, no entendimento dos juízes, para o país inteiro. Advogados dos Correios têm despendido esforços para controlar a situação e conseguir realizar o certame a tempo, antes que o prazo dado pela lei 12.400 expire. 

A tática de guerrilha judicial já havia sido constatada, mas foi comprovada apenas recentemente. Os advogados da estatal perceberam pedidos idênticos em algumas ações, como mostram petições obtidas pela ConJur (leia mais abaixo). Advogados que defendem a empresa afirmam, no entanto, que têm conseguido debelar a investida, já que a maioria das decisões tem favorecido a continuidade da licitação. 

Conteúdo das reclamações
Levantamento feito pelos Correios e obtido pela ConJur mostra que o foco também mudou. Agora, a maioria das ações reclama de falta de estudos de viabilidade técnica econômico-financeira para as contratações. Franqueados alegam que, além de esses estudos não terem sido publicados junto aos editais da licitação, há indícios de que eles sequer existam. Nas ações, também reclamam da ausência de exigências de qualificação técnica, conforme manda a Lei de Licitações.

De acordo com as petições iniciais, em vez de exigir que as empresas apresentem “melhor técnica”, como manda o texto legal, o edital apresenta exigências referentes aos imóveis. A mais atacada é a obrigatoriedade de documento atualizado comprovando a matrícula do imóvel. “Ora, há uma clara desnaturação da natureza jurídica do tipo de licitação indicada”, afirmam nos pedidos.

Ação coordenada
Segundo a ECT, franqueados e associações têm impetrado diversas ações idênticas para que, na distribuição cartorária, elas caiam em varas diferentes. O intuito é aumentar as chances de vitória, como em uma loteria.

A maioria dos pedidos de liminar é negada com base no artigo 295, inciso III, do Código de Processo Civil. Diz a norma que “petição inicial será negada quando o autor carecer de interesse processual”. Os pedidos também vêm sendo rejeitados com base no artigo 10º da Lei 12.019/2009, que obriga o juiz a indeferir a petição quando “não for o caso de Mandado de Segurança ou lhe faltar algum dos requisitos legais”.

"Em alguns casos isso foi detectado, e as liminares, negadas por reconhecimento de litispendência das ações", explica um advogado da ECT que atua nos processos. Isso aconteceu na Paraíba, por exemplo, como mostra planilha da estatal em relação ao processo 0001024-08.2012.4.05.8200 (leia aqui a sentença). Segundo o advogado, já há cartórios, como em Brasília, que perceberam o movimento e estão enviando as causas ao juiz que primeiro apreciou o caso. De outro lado, na Bahia, por exemplo, os cartórios têm tido dificuldades para detectar a litispendência.

Texto-padrão
Cópias de petições em Mandados de Segurança mostram a semelhança dos textos. Em uma delas, a Abrapost ajuizou, no dia 2 de fevereiro, Mandado de Segurança com o mesmo texto da ação ajuizada no dia 30 de janeiro pela Antares Serviços Postais Ltda, ambas em Brasília. O mesmo conteúdo é encontrado também em outro Mandado de Segurança da Antares, de 27 de fevereiro.

A mesma redação é encontrada pelo menos mais quatro vezes, nos mesmos dois dias. No dia 30 de janeiro, a JLM Franquias Postais e a MC Empreendimentos ajuizaram Mandados de Segurança com o mesmo texto (clique aqui para ler o MS da JLM e aqui para ler o MS da MC Empreendimentos). No dia 28 de fevereiro, houve novos pedidos das empresas, com a mesma redação (clique aqui e aqui para ler).

Quem representa as franqueadas é o escritório gaúcho Jobim Advogados Associados, do advogado Wálter Jobim. A banca é quase secular, foi fundada em 1915, no interior do Rio Grande do Sul, e é bastante respeitada nas áreas em que atua. O responsável pelo embate com os Correios é o advogado Carlos Stoever, quem assina todas as petições.

Contatado por e-mail, Stoever explicou que, como os editais são idênticos, “a forma de impugná-los judicialmente também é idêntica”. Inquirido sobre as liminares iguais pedidas em datas diferentes em nome das mesmas empresas, foi taxativo: “desconheço tal acusação, a qual é absolutamente improcedente”. Sobre a sentença que define a litispendência, não comentou.

Questões cirúrgicas
O advogado Marco Aurélio de Carvalho, representante da Abrapost, afirma que é "normal" o fato de existirem tantas ações iguais. "Se os problemas das empresas são os mesmos, é normal que as petições sejam iguais", diz. "O que discutimos hoje são questões bastante cirúrgicas."

Ele corrobora o argumento de que o principal problema da licitação é a exigência de certidão atualizada de matrícula dos imóveis, além de requisitos relacionados a instalações, como vagas de estacionamento, vagas para carga e descarga de encomendas etc. Carvalho afirma que essas condições não são razoáveis em cidades do interior. "Há municípios inteiros em que a situação dos imóveis ainda está irregular. Nem mesmo a prefeitura, ou os prédios oficiais, têm essa matrícula. O ideal seria que todo mundo tivesse, mas hoje isso não é possível."

Ele nega, no entanto, que as associações venham sendo orientadas pela Abrapost, e admite apenas que a Abrapost oferece "subsídios técnicos" para que cada empresa possa defender os próprios direitos e depois busquem advogados e a Justiça por si só. Questionado sobre o fato de que quase todas as franquias são representadas pelo mesmo escritório de advocacia, Carvalho afirmou desconhecer a situação, bem como as sentenças em que é detectada litispendência.

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