Gestão avançada

Justiça Federal do Sul do país já vive era digital

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10 de março de 2012, 7h40

Numa repartição recém-pintada com cores fortes, todos os cerca de 15 computadores têm duas telas. Em um dos monitores, estão abertos programas de edição de texto, caixas de e-mail e programas para navegar na internet. No outro, lê-se documentos, petições e ofícios. A tecnologia de ponta só não chama mais atenção do que um outro detalhe: a falta de estantes e armários para guardar papéis e processos. Não há sequer um volume de autos sobre as mesas.

As instalações descritas são do 5º Juizado Especial Federal Previdenciário do Rio Grande do Sul, criado em janeiro de 2011. Este é o primeiro JEF totalmente digital da Justiça Federal do estado. Nele, nenhum processo "de papel" tramita. Com cerca de 5 mil processos, o Juizado, além de só receber processos digitais, digitaliza ações que chegam, por exemplo, da Justiça Estadual.

"A produtividade é bem maior, já que não se perde tempo levando papéis para lá e para cá, e o advogado tem acesso ao sistema para impetrar petições, sem a necessidade de vir ao balcão — que não existe — para protocolar", diz o juiz titular do Juizado, o vice-diretor do Foro da Justiça Federal do RS, Guilherme Pinho Machado. Ele brinca sobre o aumento do volume de trabalho. "As ações chegam mais rápido a mim e o trabalho já está em casa me esperando quando ligo o computador, nem preciso levar para lá", diz.

Diego Beck
A experiência do JEF exemplifica o que tem acontecido na Justiça Federal da região Sul do país. Vanguardista em muitos quesitos da gestão judiciária, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região continua dando passos mais largos que os demais. O processo eletrônico, mais avançado do país, passará a contar agora com a praticidade dos tablets. Todos os desembargadores receberão, na próxima semana, um equipamento cada, para reforçar o arsenal de meios tecnológicos que facilitam o trabalho a distância.

A corte oferece um leque de opções de trabalho remoto, como sustentações orais e julgamentos não presenciais. Advogados e procuradores, por exemplo, não precisam mais ir até a sede do tribunal, em Porto Alegre, para participar das sessões. Todas as salas de audiências possuem telas onde os desembargadores assistem a transmissões feitas das seções judiciárias nos municípios onde há Justiça Federal, às quais os representantes comparecem para subir à tribuna. Os desembargadores também usam a tecnologia quando não podem estar na sala de julgamentos.

O desembargador Néfi Cordeiro é um deles. Convocado para ministrar cursos pela Escola Nacional da Magistratura em São Paulo e no Distrito Federal, em vez de convocar um substituto de outra turma, preferiu usar, nas duas ocasiões, a videoconferência para participar, a distância, dos julgamentos.

"Com a conexão com o tribunal a partir dos locais onde estava, pudemos, nas duas oportunidades, completar todos os julgamentos, algo em torno de 60 processos em cada dia", conta. "Em vários desses processos, advogados fizeram sustentação oral, dirigindo-se aos julgadores presentes física ou virtualmente. Acompanhei os votos e participei dos debates. O julgador estava presente no colegiado, com igual qualidade", explica o desembargador.

Segundo ele, esse tipo de prática evita o adiamento de processos em que o desembargador ausente é relator ou revisor. "A noção de presença precisa ser atualizada. Deve ser admitida não somente pela percepção imediata dos sentidos, mas quando iguais informações são obtidas por meios informatizados de acesso a distância", resume. "É o eu presente a distância, o eu eletrônico, vendo, ouvindo e participando integralmente de atos."

A tecnologia, informa Cordeiro, tem auxiliado nos julgamentos de Turmas Recursais nos Juizados Especiais e até mesmo em reuniões administrativas. "Nada impede modernidade maior: de que os participantes do julgamento possam estar presentes eletronicamente", vislumbra.

Advocacia digital
O peticionamento e o protocolo de peças também funcionam de forma diferente do modelo ainda vigente nas demais cortes. Enquanto em tribunais dos mais modernos, como o Superior Tribunal de Justiça, os documentos são divididos em volumes, que mesmo digitais seguem a lógica do processo físico, no TRF-4 todo o processo é visualizado como uma só peça. Petições e decisões são registrados em eventos. Além disso, por meio de assinatura digital, é possível aos advogados e procuradores protocolar documentos digitalizados a distância, online.

Recentemente, os grandes escritórios de advocacia ganharam uma ferramenta própria. Desde o dia 5 de março, o e-Proc, como é chamado o sistema de processo eletrônico, criou o escritório virtual destinado a bancas com grande volume de processos na corte.

As facilidades têm mudado a rotina nos escritórios. Como o protocolo de documentos e a vista de processos não dependem mais do deslocamento até as varas, o número de estagiários tem caído. Já há escritórios médios que trabalham sem nenhum. É o caso da banca J. N. Miranda Coutinho & Advogados. Especializada em processos federais nas áreas criminal e ambiental, a sociedade conta com oito advogados para fazer todo o trabalho. "Deslocamentos são só para despachar com os julgadores", afirma Edward Carvalho, um dos sócios.

Até o recebimento de honorários está sendo afetado. Com a velocidade das decisões — há processos em que elas saem em menos de um mês —, o acerto comum de receber metade do valor no início da ação e outra metade no fim pode pesar no caixa mensal dos clientes.

Tipo exportação
A tecnologia do tribunal está sendo exportada para outras cortes. Além do e-Proc, para processos virtuais, o TRF-4 também é responsável pela criação do GedPro, sistema interno para acompanhamento de processos e votos de magistrados, o SMWeb, para mandados como de intimação, citação e prisão — a ideia é acabar com as cartas precatórias entre varas — e o SEI!, sistema voltado para o andamento de processos administrativos. Os quatro sistemas foram desenvolvidos por uma equipe do próprio TRF-4 e alguns são usados em tribunais de São Paulo, do Tocantins e até mesmo na Suprema Corte do Panamá.

O desenvolvimento por equipe própria — cerca de 20 pessoas — é um dos motivos para o tribunal estar tão avançado no uso das tecnologias, segundo o juiz federal Sérgio Renato Tejada Garcia, presidente da Comissão para Aperfeiçoamento e Viabilização do Processo Judicial Eletrônico. Para Tejada, isso faz com que os sistemas possam ser aperfeiçoados a cada dia. "Quando o sistema é encomendado de uma empresa, para cada alteração deve ser encomendado um novo produto, com nova licitação."

O outro motivo para estimular o uso, diz, é levar em conta todas as opiniões e sugestões sobre o sistema. "A equipe desenhou o projeto, mas o que está aí hoje foi criado por todos os usuários, juízes, servidores, advogados e Ministério Público."

Cofre comum
O dinheiro para criar tais projetos não vem de nenhum fundo específico do TRF-4. O tribunal recebe as mesmas verbas que as outras cortes federais do país. Os computadores novos com duas telas, os tablets e o plenário com sustentação oral a distância foram comprados com verbas destinadas ao investimento em tecnologia no Orçamento da Justiça Federal e R$ 20 milhões que vieram de um convênio entre Conselho Nacional de Justiça, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal, em 2009. "Todos os TRFs receberam a mesma quantia", ressalta Garcia.

O investimento, segundo ele, já "se pagou". Ele faz as contas: "Cada processo físico custa, em média, R$ 30 de papel, clips, plástico e outros insumos do Estado. Como tivemos, no primeiro ano, um milhão de processos digitais, economizamos R$ 30 milhões."

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