A não decisão do STF

Administração pública federal se tornou refém das MPs

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9 de março de 2012, 12h42

A comunidade jurídica e, claro, toda a sociedade, viu ocorrer algo inusitado esta semana no Supremo Tribunal Federal — numa sessão, decidiu pela inconstitucionalidade formal da criação do Instituto Chico Mendes, por notório vício na tramitação da Medida Provisória que o instituiu; em outra sessão, no dia seguinte, voltou atrás, sob argumento de que se mantivesse aquela decisão, o país iria parar.

De fato, o que o Supremo havia entendido é que houve um “vício” na tramitação, pois a Medida Provisória foi aprovada em 2007 diretamente pelos plenários da Câmara e do Senado, sem passar por uma comissão mista, contrariando, destarte, a Constituição Federal. Imediata e, diria, acertada a inquietação da Advocacia-Geral da União, uma vez que o precedente tornaria inconstitucional cerca de 400 MPs já aprovadas e inviabilizaria outras 50 em plena tramitação no Congresso Nacional.

Daí o acatamento à questão de ordem para dizer que o dito — e depois não dito — só vale daqui para frente. Ocorre que o episódio contém um alerta gravíssimo, qual seja: a administração pública federal se tornou (ou nos tornamos todos) refém das MPs que, de excepcionais, se transformaram na fonte legislativa primária mais fundamental de que se dispõe. A ponto de, sem elas, conforme defendeu a AGU, restarem comprometidos os programas sociais do governo.

É a exacerbação do principio de que os fins justificam os meios. É de se perguntar: nesse atropelar do processo legislativo que é imposto pela própria Carta Magna, qual tem sido o papel do Congresso Nacional? Não estaria sendo ele um mero carimbador da vontade do Poder Executivo que, legislando livre e plenamente pela via excepcional, impõe todas as suas diretrizes, pouco importando a forma com que isso se dê?

Resulta claro que chegamos a um ponto tão descontrolado de edição de Medidas Provisórias, muitas sem qualquer relevância ou urgência, que a esta altura pouco importa a observância aos rigores das normas quanto ao processo legislativo. Compreende-se, desse modo, a frase de um dos ministros, ao justificar a revisão da decisão: “A situação é muito grave, talvez uma das mais graves com as quais já tenhamos nos deparado”.

Ainda esta semana, o Senado deu um sinal de reação à desmedida ingerência do Executivo ao rejeitar um nome indicado para uma das agências de regulação, como se batesse a mão na mesa para dizer que passará a exercer suas atribuições republicanas. Bem fariam os nossos parlamentares se aproveitassem a (in)constitucionalidade da MP que trata da criação do Instituto Chico Mendes e pusessem um freio definitivo na usurpação das suas atribuições legislativas.

No mínimo, pouparia o STF da situação de dizer que inconstitucionalidade há, mas para o bem de todos e felicidade geral da nação, ela não pode ser declarada.
 

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