Titularidade em jogo

Crescem preocupações legais para criadores de games

Autores

  • Paulo Sá Elias

    é advogado professor universitário mestre em Direito pela Unesp e mantém o blog www.direitodainformatica.com.br

  • Renato Opice Blum

    é advogado economista mestre pela Florida Christian University chairman no Opice Blum Bruno e Vainzof Advogados Associados patrono regente do curso de pós-graduação em Direito Digital e Proteção de Dados da Escola Brasileira de Direito (Ebradi) professor coordenador da Faap e Insper.

8 de março de 2012, 16h45

Os jogos eletrônicos tiveram seu início no ambiente acadêmico e militar no final dos anos 1940, mas somente no início da década de 1970 é que o mercado em geral passou a conhecer os jogos eletrônicos (games) como um segmento de entretenimento e educação cada vez mais promissor e impressionante. O mercado dos jogos eletrônicos já ultrapassou US$ 65 bilhões no ano passado. A grande maioria dos adolescentes utilizam jogos eletrônicos para diversão e, agora, cada vez mais – também para a educação. É inegável que os jogos, devidamente inseridos em projetos pedagógicos sérios e responsáveis, conseguem desempenhar interessante papel no aprendizado e em simulações diversas, honrando as suas origens.

Na década de 1970 e 1980, os jogos eletrônicos já eram populares entre os adolescentes, mas não com tanta intensidade e capacidade de geração de receita como atualmente, tanto para a indústria do entretenimento como para o mercado da educação. No Brasil, o setor dos games já movimenta quase R$ 100 milhões. Os jogos estão por todas as partes, em dispositivos móveis como celulares, apps, dispositivos portáteis exclusivos, tablets, nos dispositivos tradicionais de mesa, inseridos em redes sociais, no formato conhecido como MMO (Massive Multiplayer On-Line), e, evidentemente, em grande desenvolvimento na projeção 3D (estereoscópica) com interatividade e conexão à Internet.

Veja o exemplo emblemático do jogo Call of Duty: Modern Warfare 3 que em apenas 16 dias após o lançamento, arrecadou a impressionante quantia de US$ 1 bilhão, superando o segmento de entretenimento do cinema. Rendeu mais que o filme Avatar, de James Cameron, no mesmo período.

Há alguns anos, o desenvolvimento dos jogos era restrito às grandes empresas especializadas. Mas essa realidade está mudando com a entrada em cena do próprio usuário e das pequenas e médias empresas que surgem a cada dia com novas ideias e projetos nesta área. É cada vez mais comum encontrarmos jovens brasileiros criando jogos, adotando como profissão a função de desenvolvedores e artistas gráficos especializados na área e iniciando empresas promissoras no Brasil e até mesmo no exterior. No entanto, a falta de conhecimento técnico e orientações jurídicas adequadas pode se tornar um grande problema. São crescentes os desafios relacionados às questões tributárias, de propriedade intelectual e até mesmo em relação ao conteúdo dos jogos.

Da mesma forma que acontece com os livros, jogos convencionais e os filmes que os precedem, os jogos eletrônicos também comunicam ideias e, eventualmente, mensagens sociais. Temos personagens, músicas, ícones, desenhos, enredos, diálogos e a interação dos jogadores com o mundo virtual. No Brasil, o Ministério da Justiça, por meio da portaria nº 1.100/2006, regulamentou a classificação indicativa dos jogos eletrônicos e de interpretação (RPG). Cabe ao Dejus (Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça), receber requerimento para classificação prévia e atribuir a correspondente classificação indicativa. É realizada uma análise detalhada do conteúdo do jogo, se há cenas e linguagens de violência, conteúdo relacionado a sexo, drogas, etc. – para que seja atribuída a faixa etária adequada. Nos Estados Unidos, classificação semelhante é realizada pelo ESRB (Entertainment Software Rating Board).

No final de 2010, o Tribunal de Justiça de São Paulo decidiu uma causa relacionada ao assunto. O jogo eletrônico (do caso em questão) era protagonizado pela imagem de importante profeta islâmico e o enredo havia sido produzido com aptidão para provocar sentimento de aversão e repulsa aos seguidores da religião muçulmana. Segundo a decisão, o jogo contrariava os preceitos religiosos, caracterizando-se como meio de ofensa aos valores preservados no art. 5º, inc. VI, da Constituição Federal. (TJSP – Ap 990.10.085770-3 – 4ª Câmara de Direito Privado – j. 25/11/2010)

Há também o Projeto de Lei 170/06, de autoria do senador Valdir Raupp – que é alvo de muitas críticas, pois pretende tipificar como crimes os atos de “fabricar, importar, distribuir, manter em depósito ou comercializar jogos de videogames ofensivos aos costumes, às tradições, cultos, credos, religiões e símbolos”. De fato, o projeto pode esbarrar em questões jurídicas relevantes de Direito Penal e Constitucional (liberdade de expressão).

É preciso muito cuidado para não caminhar rumo à censura e banalização da criminalização. Acreditamos que a classificação indicativa do Ministério da Justiça já exerce importante papel nessa proteção em relação ao conteúdo e faixa etária dos jogos. Nos Estados Unidos já se decidiu que os princípios básicos de liberdade de expressão não variam pelo fato de ideias e mensagens sociais serem comunicadas por “jogos eletrônicos” – (um meio novo e diferente). Os jogos entrariam na categoria dos livros, filmes, peças teatrais, jogos tradicionais (não eletrônicos) e, assim por diante. (Joseph Burstyn, Inc. v. Wilson, 343 U. S. 495, 503) – “(…) Video games qualify for First Amendment protection. Like protected books, plays, and movies, they communicate ideas through familiar literary devices and features distinctive to the medium. And “the basic principles of freedom of speech do not vary” with a new and different communication medium.” – Idem: (Governor of California v. Entertainment Merchants Association, 08-1448 – June 27, 2011 – US Supreme Court)

No final do ano passado, foi publicada aqui no Brasil a Portaria 116/2011 do Ministério da Cultura, que incluiu os jogos eletrônicos para os benefícios da Lei Rouanet.

Outras duas leis fundamentais em relação aos jogos eletrônicos são: Lei 9.610/98 e Lei 9.609/98 – que tratam, respectivamente, dos Direitos Autorais e do Programa de Computador (software). O regime de proteção à propriedade intelectual de programa de computador (ou seja – dos jogos eletrônicos) é o conferido às obras literárias pela legislação de direitos autorais e conexos vigentes no País.

É preciso, portanto, que as empresas façam contratos corretamente com os seus empregados, para que a titularidade da propriedade intelectual sobre os jogos eletrônicos que forem criados em razão do trabalho de uma equipe de desenvolvedores, dubladores, artistas gráficos, etc., fique bem clara e corretamente estabelecida.

Como está na lei, pertencerão, com exclusividade, ao empregado, contratado de serviço ou servidor os direitos concernentes a programa de computador gerado sem relação com o contrato de trabalho, prestação de serviços ou vínculo estatutário, e sem a utilização de recursos, informações tecnológicas, segredos industriais e de negócios, materiais, instalações ou equipamentos do empregador, da empresa ou entidade com a qual o empregador mantenha contrato de prestação de serviços ou assemelhados, do contratante de serviços ou órgão público.

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