Direito & Mídia

O repórter Beto Júnior e as opiniões formadas

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7 de março de 2012, 14h39

Spacca
Quase todo repórter já sentiu certo mal-estar por parte de seus entrevistados no início de uma conversa. Há uma espécie de pé atrás por parte de acadêmicos, juristas, cientistas, por imaginar previamente o nível de perguntas a que irá se submeter. E essa história não é de hoje, como pode pensar o diretor de teatro José Possi, que em recente participação no programa Provocações, da TV Cultura (28 de fevereiro) afirmou que “A grande maioria dos jornalistas hoje é de uma ignorância enorme”. Como Possi mesmo sabe, a maioria já é grande, mas deixemos de lado isso.

O fato é que o entrevistado poucas vezes fica satisfeito com o resultado de sua fala traduzida pelo jornalista. Eu mesmo, nas poucas vezes em que fui entrevistado, ao ler a reportagem impressa me arrependi de haver aceito o convite. Um dos casos ocorreu com ninguém menos do que Raimundo Pereira para o jornal Movimento, numa reportagem sobre a efervescência das revistas eróticas nos meados dos anos 1980, quando eu era redator chefe de Playboy. Raimundo, como se sabe e o Blog do Zé (Dirceu) confirma, é um “dos maiores jornalistas do Brasil. Editou a revista Veja nos anos 70. Trabalhou na Realidade, nos jornais alternativos Movimento e Opinião, fundou o jornal Retrato do Brasil e editou a revista Reportagem. Hoje, edita a revista Retratos do Brasil”. Pois não reconheci minha fala no texto final assinado pelo Raimundo.

Como não reconheci minhas ideias em um artigo sobre desenho gráfico para o qual fui entrevistado para a revista (criada por mim) Negócios da Comunicação. Tanto que mandei queixa ao atual diretor da publicação, outro grande jornalista, Audálio Dantas.

Teria sido melhor haver aceitado a proposta de responder por via eletrônica, algo que sempre evito, pois a entrevista perde o melhor, que é a riqueza da conversa ao vivo com um personagem. Consegui há pouco convencer o desembargador corregedor do Tribunal de Justiça de São Paulo, José Renato Nalini, que finalmente aceitou agendar um encontro para a entrevista. Teria sido mais fácil e prática a conversa por meio eletrônico (Nalini escreve com maestria, é membro da Academia Paulista de Letras), mas a entrevista não teria o mesmo sabor.

O jornalista, e nisso concordo com José Possi Neto, costuma se preparar pouco para uma entrevista. E os profissionais mais jovens têm pouco repertório para uma conversa com personagens de longa trajetória. Para ficar apenas num exemplo, no programa da TV Cultura, Possi se refere a um livro de Umberto Eco — quantos dos jovens jornalistas leram o semiólogo, filósofo, professor, ensaísta e escritor italiano?

Mas não é aí que mora o grande problema.

Ele reside num sistema de produção implantado nas últimas três décadas na imprensa e na falsa urgência que tomou conta das redações. Não há tempo para se preparar minimamente para realizar uma reportagem, para ler e contextualizar sobre uma questão que não pode ser resolvida em pouco mais de 2 mil caracteres. Essa premência pelo “furo”, por ser o primeiro a colocar a notícia no ar, leva a muitas “barrigadas”, que nem sempre são seguidas de pedidos de desculpas ao leitor, internauta ou espectador. Caso exemplar é o de William Bonner, no Jornal Nacional, que muitas vezes dá a correção (a “errata”), ainda no ar. Como ocorreu há duas semanas, quando afirmou: “Ao contrário do que se disse há pouco, Chicago é uma grande cidade do Estado de Illinois, mas não é sua capital, que fica em Springfield.”

Mas o problema maior são as pautas criadas: quando o repórter vai à rua para provar uma tese previamente definida. As frases são colhidas apenas para comprová-la. Ou são conduzidas para este fim. Não há jornalismo que resista a esse artifício, muito comum hoje nas publicações. O repórter sai à rua para provar o que se quer demonstrar, e não para exercitar o olhar atento do que está acontecendo. (Isso quando o repórter sai…)

Dito isso passemos ao Beto Júnior, personagem-repórter da novela Fina Estampa, da TV Globo, interpretado pelo ator Danilo Sacramento. Essa novela, escrita pelo jornalista Agnaldo Silva, coloca em cena muitos temas afins ao Direito, sobretudo o de Família e Criminal. São histórias de disputa entre tia e avós pela guarda de criança órfã, regime de visita pela mãe que abandonou o filho, investigação de assassinato de um personagem (jornalista, por acaso) e de desaparecimento de uma testemunha, além de temas de ética médica no campo da inseminação artificial (com o uso da doação de óvulo e esperma).

Na trama, a figura do advogado é razoavelmente bem tratada — tanto a advogada Dra. Mônica, interpretada pela atriz Isabel Fillardis, como o Dr. Gouveia (vivido pelo ator Dudu Sandroni). Em suas falas, altamente didáticas, têm um discurso coerente quanto aos temas de que tratam.

Mas é do Beto Júnior que nos propusemos falar. Personagem periférico, nem aparece na relação dos personagens do folhetim no site da TV Globo. Trabalha para um fictício jornal online, Diário de Notícias. Tem cometido seguidas infrações ao código de ética dos jornalistas brasileiros (como publicar notícia sem ouvir todas as fontes envolvidas). Impõe pânico a seus entrevistados. E nisso segue as pegadas de outra repórter do mesmo Diário de Notícias, Marcela (Suzana Pires), assassinada por suas chantagens.

No capítulo que foi ao ar no dia 25 de fevereiro, após longa entrevista com a personagem Esther (Julia Lemmertz), mãe de filha gerada com óvulo e esperma doados, que explicou pacientemente seus motivos, o repórter, reticente e mordaz, volta à acusação. Diante dos protestos da entrevistada, ele diz: “A senhora pode repetir mil vezes, eu não mudo de opinião. […] A minha conclusão é a mesma, eu não mudo de ideia”.

Certeza prévia e opiniões formadas sobre algo que se apura são as piores companheiras de qualquer jornalista.

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