Veio para ficar

Impacto Regulatório dá segurança para administrado

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6 de março de 2012, 19h37

Imagine um país em que autoridades tomassem decisões sem consultar ninguém. Em que a economia sofresse o impacto das decisões sem que interessados tivessem voz. Em que políticas públicas fossem adotadas sem base empírica. Claro que o país não conseguiria efetivar os propósitos de suas políticas: estabelecer premissas consistentes e obter adesões é parte do processo de chegar a resultados.

Este país não é o Brasil do futuro. Está em curso um profícuo debate a respeito de instrumento técnico que permite, em grande medida, a resolução de tais déficits de legitimidade e planejamento: a Análise de Impacto Regulatório. Debatido entre economistas, cientistas sociais e especialistas em planejamento, o tema ganha espaço entre operadores do Direito. O texto apresenta as linhas gerais do tema.

Pois bem: a primeira questão é definir o que a Análise de Impacto Regulatório é, ou, pelo menos, o que ela virá a ser no Brasil, já que a denominação é, a julgar pela experiência internacional, um saco de muitos gatos. Os textos que tratam do assunto citam, como referência, os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico, pioneiros na adoção da AIR. Na definição da OECD, Análise de Impacto Regulatório é "ferramenta para examinar e medir custos, benefícios e efeitos prováveis de regulação nova ou existente." De modo simples: trata-se de estudo técnico, geralmente preliminar à adoção de política regulatória, que indica efeitos esperados, riscos possíveis e benefícios prováveis.

O momento é propício ao assunto. A regulação da economia passou por dois momentos: uma fase conceitual, subseqüente às primeiras leis das agências reguladoras, em que se discutia o que de fato significaria a regulação pública de atividades privadas e serviços públicos no Brasil; e, a seguir, uma fase constitucional, em que se discutia encaixe constitucional, limites e abrangência dos poderes então atribuídos às agências. Águas passadas. Hoje, vive-se numa fase eficacial: sabemos o que é e para que serve a regulação; já se estabeleceu o consenso possível a respeito dos limites e possibilidades constitucionais da atuação das agências. Na fase eficacial, o que se busca é a qualidade da regulação. A expressão do dia é a busca pela governança regulatória: trata-se de estabelecer métodos analíticos para a identificação do grau de eficácia regulatória (aqui entendida como aptidão à realização concreta das finalidades a que se disponha a fazer), e, antes, buscar meios de saber quais as melhores finalidades a serem perseguidas.

A AIR é o instrumento por excelência da fase eficacial. Seu procedimento se abre em três passos: coletar dados (e, antes, qualificar o que será considerado "dado"); estabelecer procedimentos de análise e critérios de valoração (o mais comum é a Análise de Custo-Benefício); avaliar ações públicas. Cada etapa se abre em discussões – se os critérios de avaliação são adequados; se as conseqüências estão projetadas abrangentemente (não apenas as conseqüências sociais ou o desenvolvimento econômico; não só o risco ambiental ou a preservação da concorrência etc.).

Há vantagens óbvias na adoção da AIR. A primeira: se bem feita, serve para incrementar a adesão do mercado à política regulatória, o que significa redução de contestações administrativas e judiciais. Além disso, há o incremento da credibilidade do regulador. Há também os benefícios de se adotar algum grau de planejamento na ação pública, coisa excelente num país que sempre caminhou entre improvisos. Por outro lado, há riscos: o primeiro deles é que seja malfeita, e aí se vai estar dando poderes ao erro. Há ainda o risco de se contribuir para a burocratização – há propostas legislativa de AIR que falam na criação de agências ou de órgãos públicos responsáveis pela qualidade da regulação, o que pode ser bom ou ruim. E, o mais óbvio deles, o de que as AIRs seja contaminadas e não sirvam para muita coisa além da viagem redonda da auto-justificação.

Duas características da AIR merecem destaque. A primeira é que a projeção de conseqüências positivas e negativas deve ser a mais ampla possível: assim, ao pretender alterar, por exemplo, o marco regulatório do petróleo, importa listar, de modo honesto, todos os riscos e benefícios esperados. Qualquer manipulação impactará o resultado. Segundo ponto: impõe-se a participação dos administrados na coleta de informações e na fiscalização do resultado da Análise de Custo-Benefício. Aí está parte do diálogo necessário entre reguladores e regulados, que incrementa a adesão à política regulatória e é prática de qualidade da regulação. O diálogo, que aumenta a expectativa de controle, é sempre boa prática. Estudos psicológicos mostram que o nível de dor sentido por pacientes em tratamento dentário ao qual se deu a alternativa de apertar botão em caso de dor é menor do que àqueles ao quais não se ofereceu a opção, mesmo quando ambos não hajam apertado nada.[1] Mais controle é menos sofrimento – em tudo.

Em termos de dogmática jurídica, estamos prontos para a AIR. Ela pode ser tida como decorrência de uma eficácia positiva do princípio da eficiência administrativa (artigo 37, caput, da Constituição) compatível com o dever de proporcionalidade. Outra possível base é como exigência do que alguns já chamam de direito fundamental à boa administração pública.[2]

Por tudo isso, a AIR vem se mostrando o novo capítulo dos estudos a respeito de regulação em nosso país. Capaz de simultaneamente gerar segurança e justificação ao administrado, e efetividade à Administração, a AIR veio para ficar.


[1] KATZ, Leo. Bad Acts and Guilty Minds. Conundrums of the Criminal Law. Chicago: The University of Chicago Press, 1987.

[2] FREITAS, Juarez. Direito fundamental à boa administração pública e o reexame dos institutos da autorização de serviço público, da convalidação e do “poder de polícia administrativa.” In: ARAGÃO, Alexandre Santos de; MARQUES NETO, Floriano de Azevedo. Direito Administrativo e seus novos paradigmas. Belo Horizonte: Fórum, 2009. pp. 310-334

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