Corrupção ativa

Juíza condena Carlinhos Cachoeira e Waldomiro Diniz

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1 de março de 2012, 21h14

Para tentar evitar a iminente condenação por corrupção ativa, a defesa do bicheiro Carlos Augusto de Almeida Ramos, o Carlinhos Cachoeira, apelou para a desqualificação da prova que ele próprio apresentou: a fita de vídeo na qual registrou o pedido de propina do ex-presidente da Loteria Esportiva do Rio, Waldomiro Diniz da Silva, que depois foi subchefe da Casa Civil da Presidência da República no governo Lula.

Nas alegações finais do processo, na 29ª Vara Criminal do Rio de Janeiro, os advogados do bicheiro — o carioca Jair Leite Pereira e os goianos, Jeovah Viana Borges Junior e Marcelo Jacob Borges —, sustentaram que a fita que ele apresentou ao denunciar a corrupção “era clandestina”. Fato que tornaria “ilícitas, na origem e por derivação”, toda a prova usada pelo Ministério Público para sustentar a acusação de corrupção ativa (de Cachoeira) e passiva (de Diniz).

“A partir da produção dessa gravação, tudo que se coletou (especialmente o inquérito policial e a CPI da Loterj), segundo a defesa, está contaminado”, registra a juíza Maria Tereza Donatti na sentença que rechaçou a tese.

A fita de vídeo trazia a conversa, em fevereiro de 2002, na qual Diniz solicitava para si 1% — o equivalente a R$ 1,7 milhão — do valor total de um contrato que o Consórcio Combralog, representado pelo bicheiro, assinaria com a Loterj. Na conversa ficou explícito ainda o pedido de ajuda para a campanha de políticas como Rosinha Garotinho (então no PSB) e Benedita da Silva (do PT), que disputariam o governo do estado do Rio, naquele ano.

Uma cópia do que foi gravado por Cachoeira foi entregue ao fotógrafo Mino Pedrosa e chegou às mãos do jornalista Andrei Meirelles que denunciou o fato na revista Época, em fevereiro de 2004, quando Diniz atuava no Palácio do Planalto, já no governo Lula.

Na sentença publicada nesta quarta-feira (29/02), em que condenou Diniz e Cachoeira por corrupção e crime previsto na Lei de Licitação, a juíza Maria Tereza lembrou que “segundo a melhor doutrina, somente viola o sigilo das comunicações a interceptação feita por terceiro, sem autorização de qualquer dos interlocutores, nunca a gravação feita por um deles, mesmo com o desconhecimento do outro”.

Reforçando sua decisão, transcreveu decisão do Supremo Tribunal Federal que no julgamento de um Habeas Corpus considerou “lícita a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, ou com sua autorização, sem ciência do outro, quando há investida criminosa deste último. É inconsistente e fere o senso comum falar-se em violação ao direito à privacidade quando interlocutor grava diálogo com sequestradores, estelionatários ou qualquer tipo de chantagista”.

Diniz acabou condenado a de 12 anos de reclusão, três anos de detenção, 240 salários mínimos de multa pela corrupção passiva e outros R$ 170 mil, em benefício da Secretaria de Saúde do Estado do Rio, pela fraude em licitação. Carlos Cachoeira recebeu pena de oito anos de reclusão, dois anos e seis meses de detenção, 160 salários mínimos de multa pela corrupção ativa e mais R$ 85 mil de multa, também para a Secretaria de Saúde, por conta da fraude na licitação. Eles poderão recorrer em liberdade.

Com o desmembramento do processo, nos autos que receberam sentença estavam apenas oito dos 11 denunciados inicialmente pelo MP Estadual. Desses oito, nas alegações finais os promotores sustentaram a acusação para quatro, pedindo a absolvição de Ana Cristina Moraes Moreira Sena, Jorge Geraldo da Veiga Vieira, José Ângelo Beguini de Carvalho e José Luiz do Amaral Quintans, no que foram atendidos.

Os promotores também desistiram de pedir a condenação pelo crime de formação de quadrilha, mas sustentaram para Diniz e Cachoeira a denúncia pelos crimes de corrupção passiva e ativa (art. 317 e 333 do Código Penal), fraude em processo licitatório (art. 90 da Lei 8.666/93) e falsidade ideológica (art. 299 do Código Penal). Pela falsidade ideológica, pediram ainda a condenação de André Pessoa Laranjeira Caldas e José Carlos da Silva Ruivo.

A juíza, porém, não encontrou provas que lhe permitisse atender ao pedido do MP para condenar Laranjeira e Ruivo. Também absolveu Diniz e Cachoeira da acusação de falsidade ideológica, mas não teve dúvidas das provas no processo quanto aos crimes de corrupção e a fraude em licitação.

Ela afirma na sentença: “Ao contrário do que sustentam as defesas de Waldomiro e Carlos Ramos, não há precariedade de prova. Ao contrário. Documentos e depoimentos comprovam, à saciedade, a prática dos crimes de corrupção ativa e passiva, tal como relatado na denúncia. Sendo crimes de natureza formal, se consumaram no exato momento em que um solicitou e o outro prometeu a vantagem ilícita. Em decorrência do acordo espúrio, Waldomiro encaminhou ao Tribunal de Contas a segunda versão do Edital 1/2002, escrito por Carlos Ramos e o falecido Armando Dile, ou seja, assim eles praticaram ato de ofício infringindo dever funcional, o que qualifica os crimes de ambos, nos termos do parágrafo 1º. do artigo 317 e parágrafo único do artigo 333, todos do CP. Não há que se falar em crime impossível, como sustenta a defesa de Waldomiro, pois não há, no diálogo travado entre os dois acusados, e reproduzido no laudo pericial, a figura da vítima ou terceiro provocando o sujeito para a prática de um crime. Ao contrário, os diálogos registrados revelam, repito, um verdadeiro acordo espúrio entre os dois réus, visando a vantagem ilícita. Também não é possível acolher a tese da defesa de Carlos Ramos, que sustenta a falta de dolo, pois ele estaria ‘representando’ ter aceito o pedido de propina.”

A corrupção foi negociada no encontro dos dois visando beneficiar o bicheiro em um contrato com a Loterj e nisto configurou-se o segundo crime, de acordo com a denúncia. Nele, Cachoeira solicitou a Diniz na vigência do contrato 3/2002 (entre Combralog e Loterj), a substituição da empresa Boldt S/A, operadora do referido Consórcio, pela Empresa Coreana Picosoft do Brasil Ltda.. Para esta troca, era preciso que alguém da Loterj atestasse a capacidade da empresa coreana, mas quem fez isto foi Armando Dile, já falecido, ex-assessor de Diniz que, à época da viagem à Coreia trabalhava para Cachoeira, em um emprego conseguido por solicitação de Diniz.

Após classificar de esdrúxula a viagem de Dile, a juíza conclui: “Está perfeitamente comprovado que a troca da operadora (que é a figura mais importante do consórcio) Boldt pela Picosoft, promovida por Carlos Ramos e Waldomiro, foi realizada mediante a irregular atestação da empresa coreana feita por Armando Dile, e assim, ficou maculado o processo licitatório. Essa conduta de Waldomiro, sem dúvida alguma, importou em modificação em favor do adjudicatário, durante a execução do contrato, sem autorização legal ou no ato convocatório da licitação, enquanto que Carlos Ramos evidentemente figurou como o contratado que auxiliou no processo licitatório fraudulento e obteve, com isso, vantagem indevida”.

Em seguida, Maria Tereza conclui: “Ficou suficientemente comprovado que a ‘negociata’ entre os réus Waldomiro e Carlos Ramos visava interesses pessoais e também de políticos que seriam beneficiados com as tais ‘doações’, muito embora a renda da Loterj devesse ser ‘destinada aos projetos de interesse social relacionados à segurança pública, à educação, ao desporto, à moradia e à seguridade social’, nos termos do artigo 20 do Decreto 25.723/99. Condutas como essa é que comprometem a credibilidade de determinados agentes públicos e políticos do nosso país, a exigir dura resposta do Poder Judiciário”.

Processo 0340375-84.2008.8.19.0001
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