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Guilherme Feliciano: Eleições diretas levarão democracia para tribunais

31 de maio de 2012, 8h37

Por Guilherme Guimarães Feliciano

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O Brasil é um Estado Democrático de Direito. E diz o art. 1º, par. único, da Constituição, que todo poder emana do povo. No Brasil, porém, os juízes, diversamente dos parlamentares e mandatários executivos, não são eleitos: é a competência técnica, necessariamente, que vai alçá-los à condição de magistrados, quando ingressam na carreira pelo concurso público. Pode-se então afirmar que o Judiciário é um poder democrático? Sim. Contramajoritário, mas democrático. O cariz democrático, no âmbito do Judiciário, revela-se externamente (i.e., para o cidadão) não pelo voto, mas pelo acesso: os níveis de transparência — que deriva do dever constitucional de motivação das decisões — e de contraditório sob publicidade — que transforma o processo judiciário em um genuíno espaço público de diálogo e construção comunicativa, na melhor acepção habermasiana — é o que afinal tornam o Judiciário um poder democrático e permeável. Internamente, porém, como essa democracia se revela? O Judiciário é gerido de modo plenamente democrático?

Historicamente, não. Pelo artigo 102 da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (LC n. 35/79), os cargos de direção dos tribunais (presidentes, vice-presidentes, corregedores) só podem ser ocupados pelos desembargadores mais antigos, compondo-se o eleitorado com o universo total de desembargadores (ou seja, eleitores e eleitos são todos juízes de 2º grau, embora a gestão depois alcance a todos, juízes de 1º e de 2º graus), que votam secretamente. Diversamente do que já ocorre, p.ex., no Ministério Público, os juízes de 1º grau — aqueles que judicam nas varas e nos juízos de entrada, exatamente os que estão mais próximos dos anseios do povo — não têm qualquer poder de escolha ou eleição. Será sempre assim? Esperamos que não. E os últimos tempos têm flertado com a mudança.

No plano constitucional, tramita no Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional n. 08/2012, de autoria do Senador Eduardo Suplicy (PT/SP), que “[a]ltera as alíneas «a» e «b» do inciso I do art. 96 da Constituição Federal, para determinar a realização de eleições diretas para os cargos de Presidente e Vice-Presidente dos Tribunais dos Estados e dos Tribunais Regionais Federais e assegurar a participação dos juízes vitalícios”. Por ela, assegurar-se-ia a participação dos juízes vitalícios da respectiva jurisdição nas eleições do presidente e do vice-presidente dos Tribunais dos Estados e dos Tribunais Regionais Federais. Inexplicavelmente, porém, olvidou-se a Justiça do Trabalho.

No plano regimental, de outra parte, tramita pelo Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região (Espírito Santo), por iniciativa dos próprios desembargadores, proposta de alteração do seu regimento interno que propõe eleições diretas para os cargos de presidente e vide-presidente, “pelo voto direto, secreto e facultativo dos magistrados efetivos de primeiro e segundo graus”. Baseia-se na correta tese de que, à luz da autonomia administrativa dos tribunais — aos quais compete “eleger seus órgãos diretivos e elaborar os seus regimentos internos” (artigo 96, I, “a”, da Constituição) —, a mera alteração regimental já bastará para que um tribunal passe a adotar eleições diretas para a respectiva administração, a despeito da vetusta norma da LC n. 35/79, ditada que foi em tempos pouco alvissareiros para a democracia nacional. Afinal, a partir de uma clara autorização constitucional, o tribunal, por seu órgão deliberativo soberano (plenários ou órgãos especiais), estaria revendo seu regramento interno precisamente para se aproximar do ideal democrático que rege os três poderes da República. Por que se censuraria esse movimento, exatamente quando se enaltecem os princípios em detrimento das regras alvejadas pela decrepitude?

Eleições diretas para a administração dos tribunais, alcançando juízes de 1º e 2º graus, conferirão maior concretude aos princípios constitucionais da gestão democrática, da impessoalidade e da participação. Isso não significará “politizar” o Judiciário; ou, ao menos, não mais do que já estão. Apenas se abrirá o debate interno a uma classe de juízes hoje alijada do processo de escolha eleitoral, apta a fazer ver, aos futuros dirigentes (que seguirão sendo juízes de 2º grau), uma visão de mundo diversa, mais abrangente, quiçá mais próxima das necessidades reais dos cidadãos. De outro modo, haverá sempre um inexplicável lapso entre a estrutura de governo dos tribunais judiciais e a sua magna missão institucional: preservar, reproduzir e aprofundar o regime democrático-republicano.

Fortalecer a democracia, para fora como para dentro. Para os outros como para si próprio.