Boas práticas

"Prêmio Innovare mostra o lado bom do Judiciário"

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30 de maio de 2012, 10h04

Spacca
Termina nesta quinta-feira (31/5) o prazo para se inscrever no Prêmio Innovare, que recompensa as melhores e mais inovadoras práticas relacionadas ao Judiciário brasileiro. A premiação acontece em dezembro e, até o momento, foram inscritas quase 200 práticas em todas as suas seis categorias: juiz, tribunal, advocacia, Ministério Público e Defensoria Pública. Todas as categorias concorrem ao Prêmio Especial. 

Em 2012, o prêmio chega à sua nona edição. Desde o primeiro evento, o Innovare já avaliou mais 2 mil práticas e premiou 40 delas. Esses trabalhos, este ano, foram alvo de estudo conduzido pela professora Maria Tereza Sadek, diretora do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais. Ela contabilizou, em oito anos de Innovare (entre 2003 e 2011), prêmios distribuídos em 15 estados, a maioria concentrada em São Paulo, Rio de Janeiro e Distrito Federal — também onde está a maior demanda pelo Judiciário, explica Tereza.

A pesquisadora considera que o prêmio, ao longo dos anos, se tornou em símbolo de distinção entre os vencedores. Segundo o estudo, os premiados encaram o prêmio como um reconhecimento de um trabalho desempenhado. Ele chegou a ser chamado de “o verdadeiro Oscar da Justiça brasileira” por um dos ganhadores.

Representantes do Instituto Innovare, que promove o prêmio, Carlos Araújo e Sérgio Renault, se orgulham do trabalho desenvolvido ao longo dos anos. Em entrevista à revista Consultor Jurídico, mostraram-se extremamente satisfeitos com o desenvolvimento do instituto e com as perspectivas para os próximos anos.

Araújo, advogado e gerente jurídico das Oranizações Globo, chegou ao Innovare em 2009 — quando também chegou o patrocínio da Globo ao prêmio. Ele conta que uma das maiores conquistas foi o banco de dados de práticas bem sucedidas já avaliadas pelo Instituto. Hoje, diz, esse banco já tem 1,2 mil práticas. “O objetivo é criar uma agenda positiva. Tem coisa muito boa acontecendo também. O Innovare hoje tem práticas que já viraram recomendação do CNJ”, resume.

Renault veio do lado público da premiação. Foi o primeiro secretário da Refoma do Judiciário do Mininstério da Justiça, na época em que o hoje advogado Márcio Thomaz Bastos era ministro.

Bastos e Renault criaram o Prêmio Innovare em 2003. Os dois também assinam a ideia de desvincular o prêmio do governo federal, que aconteceu quando Renault deixou o governo, em 2007, depois de ter sido subchefe para Assuntos Jurídicos da Casa Civil. Hoje, ele se orgulha em dizer que o Innovare não se resume ao prêmio, mas representa a celebração das boas ideias que brotam do Judiciário — notoriamente conhecido por seu ambiente conservador. “Desde que foi criado o Innovare, nós queremos fugir dessa ideia de que se resume a um prêmio. O prêmio é o momento, mas o mais importante é divulgar e viabilizar formas de difusão e de replicação dessas práticas.”

Também participaram da entrevista os jornalistas Márcio Chaer e Maurício Cardoso.

Leia abaixo a entrevista com Sérgio Renault e Carlos Araújo, diretores do Instituto Innovare:

ConJur – A grandeza do Innovare ela está menos na premiação da prática bem sucedida e mais na difusão, na multiplicação da aplicação dessa prática no país. Vocês acompanham exemplos de práticas que se multiplicaram?
Sérgio Renault – Desde que foi criado o Innovare, nós queremos fugir dessa ideia de que se resume a um prêmio. O prêmio é o momento, mas o mais importante é divulgar e viabilizar formas de difusão e de replicação dessas práticas. Então a ideia do Innovare não é se conhecer em um determinado momento. Ao contrário, é viabilizar essa difusão.
Carlos Araújo – Temos uma estrutura muito bem montada na atuação de uma comissão difusora do prêmio. As práticas não podem terminar na premiação. A premiação é um momento de consagração daquele trabalho especificamente. Mas um dos critérios de premiação do Innovare é a capacidade de exportabilidade daquela prática. Uma prática que foi premiada no Acre tem que servir também para o Rio de Janeiro — evidentemente guardadas as devidas proporções de recursos, aportes etc.

ConJur – Sabem de algum exemplo?
Sérgio Renault – Um exemplo maior que a gente tem disso é o caso da Lei da Ficha Limpa. A origem do projeto de lei da ficha limpa foi exatamente um trabalho iniciado pelo juiz Marlon, do Maranhão, isso em 2004. Ele mesmo identifica nisso um movimento de quando surgiu a ideia.

ConJur – Como era a prática?
Carlos Araújo – De conscientização do combate à corrupção, nas escolas. Ele conscientizava as pessoas para o voto, para não votarem em pessoas que tivessem um passado comprometido. Deu margem à assinatura do projeto popular que originou a Lei da Ficha Limpa. É claro que a gente não está chamando para nós a responsabilidade da lei, mas a gente está dizendo que participou disso de alguma forma.
Sérgio Renault – Teve outro caso interessante, que foi aquele do escalpelamento no Pará. Uma defensora pública identificou e abriu uma série de processos por conta das embarcações em que as mulheres tinham seus cabelos arrancados pelo o motor do barco, que não tinha proteção. Aquilo gerou um problema imenso, acho que quase 50 pessoas foram escalpeladas. O resultado dessa iniciativa dela é que hoje é lei lá: os barcos não podem mais usar esse tipo de motor sem a proteção. Virou uma coisa institucional, por conta de uma iniciativa como essa isolada.

ConJur – É intenção do Innovare institucionalizar certas práticas?
Sérgio Renault – Não, nós ficamos satisfeitos, mas não temos essa intenção. Nós não temos esse poder nem essa pretensão. Mas sem dúvida que a institucionalização é uma demonstração de que a coisa funciona.

ConJur – Mas o Innovare também é a única forma de premiar as iniciativas diferentes, as pessoas que saem do cotidiano, não?
Sérgio Renault – Vou contar aquela da desembargadora do Rio. Ela foi premiada no ano passado por um sistema de mediação na qual ela criou nas UPPs [Unidades de Polícia Pacificadora], nas favelas onde teve ocupação no Rio. No lançamento do Innovare no STJ, ela fez um discurso lá dizendo exatamente o seguinte: “Eu sou juíza de carreira. Toda a minha ascensão profissional foi por conta do tempo. Hoje eu sou desembargadora e com o Innovare é a primeira vez que eu tenho reconhecimento. Uma senhora como eu, no ocaso da minha carreira, estou tendo reconhecimento profissional". E eu vi que ela ficou emocionada ali.

ConJur – Tem uma visão sociológica aí que é importantíssima: a maneira como foram criados os tribunais impõe que mudanças não sejam feitas. Então a pessoa que propõe qualquer coisa diferente, qualquer mudança…
Sérgio Renault – Ela não é valorizada, ela é uma chata. Ela não convém ao sistema.

ConJur – O Innovare trabalha em sintonia com o CNJ?
Sérgio Renault – Temos um convênio com o CNJ, um instrumento pensado por todos nós para viabilizar projetos em comum. Inclui a utilização recíproca do banco de dados: o CNJ dá acesso e divulga o nosso banco de dados e algumas práticas implantadas pelo CNJ provêm exatamente de práticas do Innovare.

ConJur – Mas vocês não têm poder de impor.
Sérgio Renault – Uma coisa interessante em relação ao Innovare é que essa imposição de alguma política é um pouco o papel que o CNJ tenta ter. Mas é exatamente por conta dessa institucionalidade às vezes que a coisa não funciona. O Innovare tem essa vantagem. Como não é um órgão público, é uma entidade privada composta pelas entidades que representam as categorias do Judiciário, nós temos um tipo de inserção, um tipo de liberdade, um tipo de possibilidade de atuação que nos deixa mais livres.

ConJur – E o que fica para o Instituto Innovare depois desses nove anos de premiações?
Carlos Araújo – A gente tem um banco de dados de mais de 1.200 práticas, tem convênio com o CNJ [Conselho Nacional de Justiça] exatamente para por à disposição dessas práticas. O CNJ nos disse assim: "Olha, o que vocês têm a gente não consegue ter. A gente tem um banco de boas práticas no CNJ, mas a gente não conseguiu ter até hoje a capacidade que vocês têm de ir em cada uma delas para verificar." Esse banco de práticas nosso é um banco de práticas efetivamente testadas, por assim dizer.
Sérgio Renault – E verificamos que a maior parte das práticas premiadas continuam em vigor, em funcionamento, e a maior parte delas também foi recriada em alguma localidade. Seja por iniciativa da própria pessoa, seja por alguém que ouviu falar da prática por conta da divulgação que teve no prêmio Innovare e acessou o nosso banco de dados. Ou então alguém que procurou a pessoa que foi premiada para tentar fazer a implementação na sua localidade. Nós costumamos dizer que o Innovare é o lado bom do Judiciário, aquele Judiciário que dá certo.
Carlos Araújo – É criar uma agenda positiva. Tem coisa muito boa acontecendo também. O Innovare hoje tem práticas que já viraram recomendação do CNJ.

ConJur – Houve aumento no número de práticas inscritas ao longo dos anos?
Sérgio Renault – Nós temos tido uma média de práticas por volta de 300, 400 por ano mais ou menos.
Carlos Araújo – Quando as Organizações Globo entraram, três ou quatro anos atrás, houve um aumento exponencial. Acho que foi maior exposição de mídia. Chegamos a ter 500, 550 práticas. Mas aí depois, evidentemente, voltamos a um patamar que para nós é muito bom, de 300, 350 práticas.

ConJur – A fase de inscrições termina nesta quinta-feira (31/5). O que vem depois?
Carlos Araújo – Feitas as inscrições, que terminam 31 de maio, a próxima fase é a apuração das práticas inscritas. São consultores que nós convocamos e que vão a todos os lugares onde as práticas estão escritas. Tivemos práticas inscritas em todos os estados do Brasil. Os nossos consultores vão a todos os estados, visitam todas as práticas. Para nós é muito importante, dá uma exata dimensão do trabalho que é feito.

ConJur – E depois dessa primeira etapa?
Carlos Araújo – Os consultores vão lá, conhecem as práticas, fazem um relatório de próprio punho e entrevistam as pessoas: os advogados, os juízes, os promotores etc. Enviam esses relatórios para o Innovare. A gente condensa isso tudo em cadernos, aí reúne os jurados em uma reunião prévia na sede no Innovare, apresenta as práticas que foram inscritas, e faz a distribuição do grupo. Isso é o mais interessante. Botamos um ministro do Supremo Tribunal Federal do lado de um promotor, do lado de um adogado, e ali todo mundo é jurado do Innovare.

ConJur – Quantos são os julgadores?
Sérgio Renault – São 27, entre ministros do Supremo, do STJ, juízes, desembargadores, advogados etc. Isso nos deixa muito trnanquilos quanto à credibilidade do prêmio. [Clique aqui para ver a lista completa de jurados]

ConJur – Todo mundo avalia todas as práticas?
Carlos Araújo – Nenhuma prática é excluída da apreciação de nenhum deles. A gente reúne todo mundo e distribui as práticas. O que a gente faz, para facilitar, é distribuir as práticas entre os jurados: pega práticas de advogados, práticas de promotores, práticas de defensores e faz uma distribuição pelos grupos. A gente distribui os jurados em grupos de votação pequenos. Esses grupos escolhem, para facilitar no dia da votação final, quatro, cinco práticas que eles entendem as melhores. No dia da votação, a gente faz uma reunião, que geralmente é por volta de outubro, apresenta essas práticas. Cada grupo tem um relator, mas todos os jurados recebem todas as práticas.

ConJur – Dessa reunião já saem os premiados?
Carlos Araújo – É, depois de uma reunião de dia inteiro de julgamentos. Aí, tendo feito as escolhas, a gente escolhe um para cada categoria. São cinco categorias com premiação de R$ 50 mil para cada uma, fora o prêmio especial, porque a categoria “tribunal” não tem premiação.

ConJur – Quais são as categorias?
Sérgio Renault – As categorias são correspondentes às categorias que integram o Judiciário. Então são: juiz, promotor, defensor público, advogado e tribunal. Como disse o Carlos, a única que não tem premiação em dinheiro é o tribunal, as outras são premiação em dinheiro. Eventualmente esse ano nós vamos ter um prêmio especial que aí pode ser atribuído a qualquer uma das categorias. As pessoas podem se inscrever para esse prêmio especial. Este ano o prêmio especial é sobre sustentabilidade e meio ambiente. Por conta da Rio+20, a gente achou que era um tema que tinha relação com o momento que estamos vivendo. A cada ano a gente tem escolhido um prêmio especial, ano passado foi segurança pública, para crime organizado.
Carlos Araújo – A gente procura sempre escolher um tema que seja interessante no sentido de atuação para todas as categorias. Evidentemente que quando você fala de crime organizado, eventualmente você vai encontrar Ministério Público e Judiciário mais atuante que Defensoria. Mas aí quando a gente fala de meio ambiente, procura ser o mais ampliado possível.

ConJur – Há quanto tempo estão no Innovare?
Carlos Araújo – Desde 2009.
Sérgio Renault – Desde 2003. Na verdade, o Innovare foi criado lá no Ministério da Justiça, quando o Marcio Thomaz Bastos era ministro. Quando nós saímos do governo é que decidimos transformar o Innovare num instituto à parte. A gente queria dar continuidade a isso. A gente não podia ficar dependendo do governo.
Carlos Araújo – O grande pulo do gato foi a percepção que o ministro e o Sérgio tiveram de tirar isso de uma ação de governo e trazer isso com o apoio da iniciativa privada, sem ser partidário.

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