Pressão no STF

"Julgamento do mensalão já poderia ter começado"

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29 de maio de 2012, 12h47

“Estamos vivendo no Supremo um momento delicado, nós estamos atrasados nesse julgamento do mensalão, podia já ter começado”. A declaração é do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, que concedeu entrevista ao jornal Zero Hora, na segunda-feira (28/5). Na conversa com a jornalista Adriana Irion, ele falou sobre o encontro que teve com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e confirmou a versão do assunto na revista Veja desta semana.

“Foi uma conversa repassando assuntos variados”, disse Gilmar. “Ele [Lula] manifestou preocupação com a história do mensalão e eu disse da dificuldade do tribunal de não julgar o mensalão […]. Mas ele [Lula] entrava várias vezes no assunto da CPI, falando do controle, como não me diz respeito, não estou preocupado com a CPI”, comentou.

Como noticiou a revista Consultor Jurídico, em um encontro no escritório do ex-ministro Nelson Jobim, o ex-presidente pediu ao ministro Gilmar Mendes para tentar adiar o julgamento do mensalão. Como gratificação, Lula ofereceu blindagem na CPI que investiga as relações do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, com políticos e empresários.

Leia abaixo a entrevista:

Quando o senhor foi ao encontro do ex-presidente Lula não imaginou que poderia sofrer pressão envolvendo o mensalão?
Gilmar Mendes — Não. Tratava-se de uma conversa normal e inicialmente foi, de repassar assuntos. E eu me sentia devedor porque há algum tempo tentara visitá-lo e não conseguia. Em relação a minha jurisprudência em matéria criminal, pode fazer levantamento. Ninguém precisa me pedir para ser cuidadoso. Eu sou um dos mais rigorosos com essa matéria no Supremo. Eu não admito populismo judicial.

Sua viagem a Berlim tem motivado uma série de boatos. O senhor encontrou o senador Demóstenes Torres lá?
Gilmar Mendes — Nos encontramos em Praga, eu tinha compromisso acadêmico em Granada, está no site do Tribunal. No fundo, isto é uma rede de intrigas, de fofoca e as pessoas ficam se alimentando disso. É esse modelo de estado policial. Dá-se para a polícia um poder enorme, ficam vazando coisas que escutam e não fazem o dever elementar de casa.

O senhor acredita que os vazamentos são por parte da polícia, de quem investigou?
Gilmar Mendes — Ou de quem tem domínio disso. E aí espíritos menos nobres ficam se aproveitando disso. Estamos vivendo no Supremo um momento delicado, nós estamos atrasados nesse julgamento do mensalão, podia já ter começado.

Esse atraso não passa para a população uma ideia de que as pressões sobre o Supremo estão funcionando?
Gilmar Mendes — Pois é, tudo isso é delicado. Está acontecendo porque o processo ainda não foi colocado em pauta. E acontecendo num momento delicado pelo qual o tribunal está passando. Três dos componentes do tribunal são pessoas recém nomeadas. O presidente está com mandato para terminar em novembro. Dois ministros deixam o tribunal até o novembro. É momento de fragilidade da instituição.

Quem pressiona o Supremo está se aproveitando dessa fragilidade?
Gilmar Mendes — Claro. E imaginou que pudesse misturar questões. Por outro lado não julgar isso agora significa passar para o ano que vem e trazer uma pressão enorme sobre os colegas que serão indicados. A questão é toda institucional. Como eu venho defendendo expressamente o julgamento o mais rápido possível é capaz que alguma mente tenha pensado: “vamos amedrontá-lo”. E é capaz que o próprio presidente esteja sob pressão dessas pessoas.

O senhor não pensou em relatar o teor da conversa antes?
Gilmar Mendes — Fui contando a quem me procurava para contar alguma história. Eu só percebi que o fato era mais grave, porque além do episódio (do teor da conversa no encontro), depois, colegas de vocês [jornalistas], pessoas importantes em Brasília, vieram me falar que as notícias associavam meu nome a isso e que o próprio Lula estava fazendo isso.

Jornalistas disseram ao senhor que o Lula estava associando seu nome ao esquema Cachoeira?
Gilmar Mendes — Isso. Alimentando isso.

E o que o senhor fez?
Gilmar Mendes — Quando me contaram isso eu contei a elas [jornalistas] a conversa que tinha tido com ele [Lula].

Como foi essa conversa?
Gilmar Mendes — Foi uma conversa repassando assuntos variados. Ele manifestou preocupação com a história do mensalão e eu disse da dificuldade do Tribunal de não julgar o mensalão este ano, porque vão sair dois, vão ter vários problemas dessa índole. Mas ele (Lula) entrava várias vezes no assunto da CPI, falando do controle, como não me diz respeito, não estou preocupado com a CPI.

Como ele demonstrou preocupação com o mensalão, o que falou?
Gilmar Mendes — Lula falou que não era adequado julgar este ano, que haveria politização. E eu disse a ele que não tinha como não julgar este ano.

Ele disse que o José Dirceu está desesperado?
Gilmar Mendes — Acho que fez comentário desse tipo.

Lula lhe ofereceu proteção na CPI?
Gilmar Mendes — Quando a gente estava para finalizar, ele voltou ao assunto da CPMI e disse “que qualquer coisa que acontecesse, qualquer coisa, você me avisa”, “qualquer coisa fala com a gente”. Eu percebi que havia um tipo de insinuação. Eu disse: “Vou lhe dizer uma coisa, se o senhor está pensando que tenho algo a temer, o senhor está enganado, eu não tenho nada, minha relação com o Demóstenes era meramente institucional, como era com você”. Aí ele levou um susto e disse: “e a viagem de Berlim.” Percebi que tinha outras intenções naquilo.

O ex-ministro Nelson Jobim presenciou toda a conversa?
Gilmar Mendes — Tanto é que quando se falou da história de Berlim e eu disse que ele [Lula] estava desinformado porque era uma rotina eu ir a Berlim, pois tenho filha lá, que não tinha nada de irregular, e citei até que o embaixador nos tinha recebido e tudo, o Jobim tentou ajudar, disse assim: “Não, o que ele está querendo dizer é que o Protógenes está querendo envolvê-lo na CPI.” Eu disse: “O Protógenes está precisando é de proteção, ele está aparecendo como quem estivesse extorquindo o Cachoeira.” Então, o Jobim sabe de tudo.

Jobim disse em entrevista a Zero Hora que Lula foi embora antes e o senhor ficou no escritório dele tratando de outros assuntos.
Gilmar Mendes — Não, saímos juntos.

O senhor vê alternativa para tentar agilizar o julgamento do mensalão?
Gilmar Mendes — O tribunal tem que fazer todo o esforço. No núcleo dessa politização está essa questão, esse retardo. É esse o quadro que se desenha. E esse é um tipo de método de partido clandestino.

Na conversa, Lula ele disse que falaria com outros ministros?
Gilmar Mendes — Citou outros contatos. O que me pareceu heterodoxo foi o tipo de ênfase que ele está dando na CPI e a pretensão de tentar me envolver nisso.

O senhor acredita que possa existir gravação em que o senador Demóstenes e o Cachoeira conversam sobre o senhor, alguma coisa que esteja alimentando essa rede que tenta pressioná-lo?
Gilmar Mendes — Bom, eu não posso saber do que existe. Só posso dizer o que sei e o que faço.

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