Presunção de inocência

TJ-RS absolve pai condenado a 10 anos por abuso sexual

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28 de maio de 2012, 16h16

A palavra da vítima tem grande peso para condenar réus acusados de abusos sexuais, principalmente se for menor de idade. Entretanto, restando dúvidas sobre a existência do fato criminoso e sua autoria, o julgador precisa confrontá-la com outros elementos constantes no processo — tanto os de caráter subjetivo como os objetivos. Com base nesta assertiva, a 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul absolveu um pai que havia sido condenado a 10 anos e meio de cadeia por suposto abuso à filha menor.

A dúvida se instalou na cabeça dos desembargadores porque o relato da vítima aos seis anos de idade foi articulado de uma maneira tão racional e com tanta riqueza de detalhes que lhes soou artificial. Também consideraram o histórico psicológico da mãe da menina, ex-mulher do réu, que foi abusada na infância e se submete a tratamento, por causa de transtorno bipolar.

Durante todo o processo, ficou evidente aos olhos do colegiado a dependência da mãe pela filha e o temor em perder sua guarda. Por fim, somou pontos a favor do réu o depoimento de outra ex-mulher, que viveu com ele durante 10 anos, confirmando o bom comportamento com o filho de ambos e com as sobrinhas. A decisão é do dia 12 de abril.

A denúncia

O processo é originário da Comarca de Montenegro, cidade distante 55km de Porto Alegre, e corre sob segredo de Justiça. Conforme o Ministério Público estadual (MP-RS), os fatos que deram ensejo à denúncia ocorreram dia 27 de fevereiro de 2007, às 14 horas. O denunciado constrangeu sua filha, então com quatro anos de idade, mediante violência presumida, à prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal. A mãe não se encontrava em casa na hora do ocorrido. O pai estava em visita, pois o casal se separara.

Conforme apurou o laudo de avaliação psiquiátrica, o pai teria colocado o dedo na vagina, acariciado a região glútea e beijado a menina. Consumada a sevícia, segundo o MP, ele ofereceu refrigerante com remédio à filha, fazendo com que esta adormecesse e somente acordasse com a chegada da mãe.

Após o fato, a menor apresentou sinais de "sexualização precoce", com sintomas comuns aos verificados em vítimas submetidas a ato sexual ou libidinoso, segundo o laudo psiquiátrico.

Na denúncia do MP, o pai foi incurso nas sanções do artigo 214, combinado com os artigos 224, alínea , 225, parágrafo 1º, inciso II, e 226, inciso II, todos do Código Penal.

No primeiro grau, o juiz de Direito André Luís de Aguiar Tesheiner considerou procedente a denúncia e condenou o réu como incurso nas sanções do artigo 214 do Código Penal constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ato libidinoso diverso da conjunção carnal. A pena: 10 anos e seis meses de reclusão, em regime inicial fechado.

Apelação e reforma da decisão no TJ 

No recurso de Apelação encaminhado ao Tribunal de Justiça, o réu alegou que a instrução criminal não conseguiu demonstrar a prática delituosa. Disse que a mãe criou uma situação fantasiosa em razão de seus problemas psiquiátricos, com objetivo de afastá-lo da filha. Sustentou, também, que o depoimento da vítima foi inadequado, incoerente e confuso, pois conteve inúmeras contradições e divergências.

O relator do recurso na 7ª Câmara Criminal, desembargador José Conrado Kurtz de Souza, iniciou seu voto, lembrando a importância da palavra da vítima nos crimes desta natureza, já que consumados, na maior parte das vezes, na clandestinidade, longe do olhar de testemunhas. Citou a jurisprudência da corte, dos tribunais superiores e destacou o entendimento dos juristas espanhois Mirentxu Corcoy Bidasolo e Santiago Mir Puig.

"Entretanto (…), há de se confrontar a palavra da vítima com outros elementos, dentre eles a ausência do que os autores (espanhóis) referem como ‘incredibilidade subjetiva’, derivada das relações acusador/acusado, e a constatação de corroborações periféricas de caráter objetivo", completou o desembargador.

Nesta linha, chamou a atenção para o significado de dois aspectos constantes nos autos: o extremo detalhamento dos fatos narrados pela vítima e a confissão da mãe de que fora abusada na infância. "Embora sempre firme em duas declarações, a vítima, então com 6 anos na data de seu depoimento em juízo, mostrou incomum capacidade de lembrar-se de fatos quando tinha somente 2 ou 3 anos de idade, mostrando-se excepcionalmente articulada em suas afirmações e colocações, o que, dado o excesso, acabou por gerar, por si só, dúvida da voluntariedade e credibilidade de suas declarações."

No caso da mãe, o fato de ter sido abusada quando criança, conforme laudo, talvez explique "que interpretasse todo toque como erotizado". Além disso, ela admitiu que toma medicamento para a epilepsia, se tratou com psicólogo por um ano por transtorno bipolar e aguardava encaminhamento para um psiquiatra.

O desembargador-relator observou, ainda, que desde o início do processo a mãe demonstrou medo em perder a guarda da filha. "Veja-se, no tópico, a profunda relação de dependência afetiva de L. em relação a filha A. (v. Laudo de fls. 103/106). Ainda elemento que desponta do conjunto da prova é o medo da vítima em relação ao comportamento do réu, que, segundo ela, diversas vezes ameaçara sua mãe", destacou.

Por fim, o relator afirmou que não é possível saber até que ponto o relato da vítima tem a ver com uma eventual tentativa de proteger a mãe, afastando o pai do grupo familiar. E também não há como saber até onde vai a influência consciente ou inconsciente da mãe sobre a filha. "E estou, de fato, em dúvida, se realmente os fatos (se é que sejam fatos) aconteceram como narrado por A., que, na época, tinha, volta a enfatizar, somente 2 ou 3 anos de idade. Por tais motivos, deve prevalecer o status libertatis do apelante", decretou o relator.

O entendimento foi seguido, à unanimidade, pelos desembargadores Sylvio Baptista Neto (presidente do colegiado) e Carlos Alberto Etcheverry.

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