Dano ecológico

Pesca predatória não é crime de bagatela, diz TRF-4

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27 de maio de 2012, 14h33

As infrações penais ambientais não admitem a aplicação do princípio da insignificância, já que o bem jurídico agredido é o ecossistema, de relevância imensurável, constitucionalmente tutelado pelo artigo 225 da Constituição Federal. Com esse entendimento, a 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região denegou o trancamento de uma Ação Penal pedida em Habeas Corpus. O autor foi denunciado pelo Ministério Público Federal por pesca de arrasto em local interditado por órgão competente no litoral catarinense.

Para os julgadores, o uso de HC para trancar uma Ação Penal só é possível em caráter excepcional. Ainda assim, é preciso que se demonstre a ausência de justa causa — sem elementos que indiquem autoria e materialidade do delito —, a atipicidade da conduta e a causa excludente da punibilidade. No caso concreto, isso não ocorreu, pois a conduta tipificada nos autos do processo possui relevância penal. Logo, não se configura situação excepcional que atraia o princípio da bagatela. A decisão é do dia 9 de maio.

A denúncia do MPF                                                                                       
No dia 24 de novembro de 2009, por volta das 22h, na baía sul de Florianópolis, o autor foi flagrado por agentes do 1º Pelotão da Polícia de Proteção Ambiental fazendo pesca de arrasto com tração motorizada para captura de camarão. A operação apreendeu duas caixas de isopor de 130 litros e 60 metros de cabo de seda. A pesca no local contraria a Portaria 51, de 26 de outubro de 1983, da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (Sudepe).

Na denúncia oferecida à Vara Federal Ambiental de Florianópolis, o MPF enquadrou o autor na Lei dos Crimes Ambientais, a Lei 9.605/1998. A conduta tipificada consta no artigo 34, caput, combinado com o artigo 36. Como provas da materialidade e autoria do delito foram anexadas à inicial a notificação de infração ambiental, o auto-de-infração, o termo de apreensão e depósito, a cópia da Portaria 51 da Sudepe e o levantamento fotográfico do local.

A defesa do denunciado, por meio do defensor público da União Eduardo Tergolina Teixeira, entrou com Habeas Corpus, com pedido de liminar, para trancar a Ação Penal. Em síntese, sustentou a ausência de justa causa para a continuidade do processo penal por flagrante atipicidade, considerando a mínima ofensividade da conduta. Além disso, agregou, não houve qualquer dano ao meio ambiente.

A antecipação da tutela foi indeferida, já que não foi verificada a presença do ‘‘perigo de demora’’, o que justificaria a sua concessão. O MPF, em parecer escrito, se manifestou pela denegação da ordem. Sustentou que o crime é formal, prescindindo de dano concreto (pesca efetiva), e o perigo, presumido.

O juiz convocado Pedro Carvalho Aguirre Filho, que atua na 8ª Turma do TRF-4 e relatou o caso, afirmou no acórdão que não era possível o trancamento da Ação Penal, citando precedentes do Superior Tribunal de Justiça. Num deles, o excerto é claro: ‘‘O trancamento do Inquérito Policial pela via do Habeas Corpus representa excepcional medida, admissível tão-somente quando de pronto evidenciada a atipicidade dos fatos investigados ou a impossibilidade de a autoria ser imputada ao indiciado’’. O relator disse que a tipificação dos fatos que ensejaram a Ação Penal está bem-alicerçada na denúncia do parquet federal.

Por outro lado, o princípio da insignificância, ou de bagatela, como é mais conhecido, não se aplica ao caso, já que a corte decidiu que as infrações ambientais não admitem esta ‘‘teoria destipificante’’. Afinal, o bem jurídico agredido é o ecossistema, constitucionalmente tutelado pelo artigo 225 da Constituição Federal.

‘‘A conduta delituosa de pescar em período de defeso ou em local interditado por órgão competente, como uma intervenção humana indevida e inapropriada, caracteriza pesca predatória, acarretando sérios danos à reprodução da espécie e culminando por lesionar, em cadeia, todo o ecossistema. Se há regras emitidas proibindo a pesca em determinado período e local, ou mediante a utilização de petrechos específicos, ou em determinado número, é porque tais condutas são capazes de gerar sérios danos à fauna e flora aquáticas’’, registrou o magistrado.

Por fim, salientou que a retirada de espécies aquáticas da natureza não seria causa suficiente para afastar a ‘‘tipicidade objetiva’’, pois se está diante de crime de caráter formal, que prescinde de resultado naturalístico. Nesse sentido, registrou entendimento da Turma: ‘‘o crime de pesca proibida é de natureza formal, em virtude da definição legal da conduta compreender ‘todo ato tendente’ a retirar, extrair, coletar, apanhar, apreender ou capturar espécies dos grupos de peixes, crustáceos etc. Inteligência do artigo 36 da Lei Ambiental’’.

Votaram com relator, à unanimidade, os desembargadores Paulo Afonso Brum Vaz (presidente do colegiado) e Luiz Fernando Wowk Penteado.

Clique aqui para ler a Portaria 51 da Sudepe.
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