Livre manifestação

Prefeito tenta, em vão, proibir a Marcha da Maconha

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25 de maio de 2012, 8h04

Ao que parece, nem todo mundo entendeu a decisão do Supremo Tribunal Federal que permitiu a realização das marchas da maconha. O prefeito de Diadema (SP), Mário Reali, foi um deles. Só depois de uma liminar da Vara de Fazenda Pública de Diadema, os manifestantes pró-legalização do uso da droga obtiveram permissão para marchar na cidade.

Às vésperas da passeata, a Prefeitura cassou a permissão que ela mesma havia dado para a manifestação e proibiu o evento. Alegou que a marcha da maconha vai contra o que o município defende, por conta de políticas contra o consumo e venda de drogas.

Em liminar desta quinta-feira (24/5), o juiz André Mattos Soares determinou que a Prefeitura libere a realização da Marcha da Maconha, marcada para este sábado (26/5) às 13h. Além disso, determinou que o município “auxilie, no que for necessário, na realização do evento” (Clique aqui e aqui para ler).

Justificou que o Supremo já decidiu pela constitucionalidade das marchas da maconha, por entender que não se tratam de apologia ao crime e se enquadram nos quesitos da liberdade de expressão – isso se realizadas pacificamente, e mediante comunicação ao poder público local, como qualquer outra manifestação pública.

“Cuida-se de preservar o exercício dos direitos constitucionais de reunião e liberdade de expressão. Assim, simpatize-se ou não com ela, essa espécie de manifestação já tem autorização jurisprudencial – e da mais alta Corte do país – para ser realizada”, decidiu o juiz.

Permitiu…
Em janeiro deste ano, o coletivo Marcha da Maconha ABC, responsável pela Marcha da Maconha em Diadema, enviou ofício à Prefeitura comunicando a realização do evento no dia 26 de maio às 13h, na Praça da Moça. A Prefeitura prontamente respondeu positivamente.

A resposta veio de Marialice Mugaiar, diretora do Departamento de Paisagem Urbana de Diadema. Disse “que não há objeção, por parte deste departamento, ao uso da referida praça no dia e horário supracitado [26/5 às 13h]”. Elencou apenas algumas condições, como a apresentação da autorização à Secretaria de Transportes, comunicar a Guarda Municipal, Polícia Militar e outros órgãos de segurança, além de se responsabilizar pelo controle dos horários e pela montagem e desmontagem dos aparelhos audiovisuais do evento.

Como orientado, o coletivo Marcha da Maconha ABC, responsável pela passeata, procurou a Polícia Militar para combinar a realização da marcha. No dia 5 de março, fizeram uma reunião, cuja ata foi publicada pela própria PM paulista. O documento diz que o major da PM Djalma, que presidiu a reunião, “tem conhecimento sobre o direito de manifestação garantida pela Constituição Federal”. Definiram o cronograma da marcha.

…e proibiu
No dia 22 de março, porém, a Prefeitura voltou atrás da autorização ao evento. Em ofício assinado pelo chefe de gabinete do prefeito, Osvaldo Misso, o município de Diadema se pronunciou contra a manifestação deste sábado. Afirmou que “tal marcha vai contra todo o esforço da Prefeitura e parceiros pelo desenvolvimento da política municipal e das ações em andamento no enfrentamento ao crack e outras drogas”.

Disse que Diadema tem “uma política pública e notória” de combate ao consumo e uso de álcool, crack e outras drogas. Misso sugeriu que, “em respeito a todo esse trabalho do município”, “busquem espaços mais adequados para discutir as mudanças pretendidas na Lei Federal 11.343/2006 [Lei de Drogas]”.

Debate público
No dia 3 de abril, o coletivo Marcha de Maconha ABC divulgou uma carta pública ao prefeito de Diadema, Mário Reali. Disse que a decisão de proibir a marcha viola o direito constitucional de manifestação. No documento, os manifestantes afirmam que, como a Prefeitura desrespeita um direito constitucional, eles também não pretendem obedecer a determinação do prefeito.

“Somos um movimento tão legítimo quanto autônomo, e satisfação alguma devemos às polícias de qualquer governo que seja. Não cabe ao Poder Executivo nem à Polícia Militar posicionarem-se em relação a aspectos que, não só já foram debatidos e deliberados em nosso favor pela máxima corte de Justiça do país, como constam também na Carta Magna, que hierarquiza todas as leis brasileiras. Sendo assim, somente podemos responder que seu pedido será educadamente negado, senhor prefeito” diz a carta.

A Prefeitura respondeu com outra carta pública. Reiterou os argumentos do ofício que proibiu a Marcha da Maconha pela primeira vez. Trouxe dados: disse que, desde que lei municipal determinou que os bares fechassem às 23h, o consumo de bebidas alcoólicas reduziu drasticamente, “especialmente na faixa etária de 10 a 25 anos”. “Em 2001, foram 112 homicídios de adolescentes e jovens nessa faixa, e em 2011, [esse número] caiu para 8, uma queda de 92,8%.”

Justificou-se com mais números decrescentes de taxas de homicídios, fazendo relações diretas entre o consumo de álcool e a violência em Diadema. “Neste sentido e considerando o contexto exposto, e o interesse público maior, não autoriza o uso do espaço público para realização da Marcha da Maconha no território de Diadema.”

Estratégia processual
O coletivo procurou entã a Defensoria Pública de São Paulo em busca de apoio. O caso foi para as mãos do defensor Leandro Castro Gomes, que, de pronto, ajuizou um Mandado de Segurança com pedido de liminar, que foi negado. O juiz André Mattos Soares alegou ser  “induvidoso o direito material deduzido pela impetrante”, principalmente depois da decisão do Supremo. No entanto, ressalvou que, justamente por conta do posicionamento do STF, a Justiça Estadual não poderia decidir sobre o caso. A via correta, disse, seria uma Reclamação junto ao próprio Supremo.

Leandro Gomes apelou da decisão. Sustentou que o Supremo Tribunal Federal decidiu que as marchas da maconha não são apologia ao crime e sua realização, desde que pacífica, estão protegidas pela liberdade de expressão, e o que estava em discussão era outro preceito constitucional.

Neste caso, continuou o defensor, a discussão era sobre a liberdade de reunião. O direito está previsto no artigo 5º, inciso XVI: “Todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente”.

O juiz Soares, então, voltou atrás de sua decisão. Disse que, como o município já tinha permitido a realização do evento, não poderia ter voltado atrás. Principalmente em se tratando de assunto já discutido e resolvido pelo Supremo Tribunal Federal – de modo favorável aos manifestantes.

“O fato é que a Constituição e o próprio STF já traçaram previamente os requisitos para a manifestação, não encontrando amparo a resistência da Prefeitura que, em vez de tentar impedir, deve ao contrário cercar-se de todos os cuidados necessários, inclusive com o auxílio de policiamento ostensivo.”

Clique aqui para ler o pedido para realização da Marcha da Maconha em Diadema.
Clique aqui para ler a permissão da Prefeitura de Diadema à realização da Marcha da Maconha.
Clique aqui para ler a ata da reunião com a PM.
Clique aqui para ler a negativa da Prefeitura de Diadema.
Clique aqui para ler a carta pública do coletivo Marcha da Maconha.
Clique aqui para ler a carta pública da Prefeitura de Diadema.
Clique aqui para ler a solicitação de apoio à Defensoria Pública de São Paulo.
Clique aqui para ler a sentença contra a Marcha da Maconha.
Clique aqui para ler a apelação da Defensoria de São Paulo.
Clique aqui e aqui para ler a liminar a favor da Marcha da Maconha.

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