Vida própria

Joalheria não precisa abrir mão de sobrenome em marca

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25 de maio de 2012, 16h21

Não se pode excluir o sobrenome de ex-sócios da denominação comercial da empresa só porque um parente — que não tem nada a ver com o negócio — teme que o mercado venha a ligar seu nome à atividade diversa da que desenvolve e isso lhe causar possíveis prejuízos. Afinal, o nome fantasia construído pelos sócios, se devidamente registrado no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), integra o ‘‘fundo de comércio’’ e recebe a proteção da Constituição Federal, com indica o artigo 5º., em seu inciso XXIX.

Com este fundamento, a 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, por maioria, negou ao publisher gaúcho Marcos Ramon Dvoskin, ex-diretor do grupo RBS e atual dono dos direitos autorais das revistas da antiga Bloch Editores, pedido para retirar o sobrenome ‘Dvoskin’ de uma rede de joalherias de Porto Alegre, que tinha como sócias sua ex-mulher e uma das filhas.

O TJ gaúcho concordou com a tese de que o nome fantasia pode ser criado a partir de palavras ou expressões originárias da razão social do contrato. No caso concreto, a expressão ‘‘DvoskinKulkes Joalherias’’ fez com que os dois sobrenomes que lhe deram vida sejam vistos pelo consumidor como uma unidade semântica autônoma, com vida própria. É um fenômeno conhecido como “secondary meaning”, que acaba se tornando o elemento identificador de um produto ou serviço.

A maioria do colegiado também decidiu que o empresário não faz jus à indenização de R$ 54,5 mil, arbitrada pelo juízo de primeiro grau, para “compensar a sensação de sofrimento e humilhação”. O relator do caso no TJ-RS, desembargador Ney Wiedemann Neto, registrou no acórdão que o empresário não alegou estes sentimentos na petição inicial. Ele também se convenceu de que a manutenção do nome fantasia não viola o direito de personalidade do autor.

‘‘Assim, a empresa tem objeto lícito, e a sua atividade comercial, de modo algum, poderia prejudicar ou denegrir o sobrenome ‘Dvoskin’ na sociedade, já que não faz nada de errado ao vender jóias’’, decretou o desembargador Wiedemann. A decisão foi tomada na sessão de julgamento ocorrida na tarde de quinta-feira (24/5). Cabe recurso.

O caso
O empresário Marcos Ramon Dvoskin ajuizou Ação Cominatória (com obrigações de fazer ou não fazer) no 1º Juizado da 3ª Vara Cível, do Foro Central de Porto Alegre, em face de Dvoskin Kulkes Joalherias Ltda, sediada na Capital.

Na inicial, alegou que foi casado com Sonia Sirotsky Dvoskin por 26 anos e que, em 1999, foi homologado o divórcio consensual do casal. Na oportunidade, sua ex-mulher optou por permanecer com o nome de casada, sob o fundamento de que exercia atividades comerciais, em especial no ramo de venda de jóias.

Em 2 de julho de 2003, sua ex-cônjuge ingressou no quadro societário da empresa ré. E, em 10 de novembro de 2004, ela passou a usar o seu nome de solteira, Sonia Pacheco Sirotsky. Finalmente, afirmou que, em 26 de novembro de 2007, Sonia cedeu a totalidade de suas cotas aos outros sócios da empresa ré.

Em face destas mudanças, pediu, extrajudicialmente, que a empresa de jóias retirasse o sobrenome ‘Dvoskin’ do seu quadro societário, pois entende indevido. Afirmou que jamais obteve resposta formal do pedido, o que motivou a busca na Justiça. Alegou que sofre prejuízos porque é empresário conceituado em todo o Brasil na esfera editorial e jornalística. A manutenção da denominação ‘Dvoskin’ na rede de joalheria, garantiu, é suficiente para induzir o público a confusão, erro ou dúvida com o seu sobrenome.

Em juízo, o empresário requereu a antecipação da tutela para que a ré fosse compelida a retirar o seu sobrenome da denominação social, em 10 dias, sob pena de multa. Ao final do processo, se procedente a Ação, quer que a empresa retire o sobrenome ‘Dvoskin’ de sua denominação, mediante alteração do contrato social. Como consequência, também teria de retirar o sobrenome de todas as publicidades, sinais, propagandas e fachadas de suas lojas. Por fim, pediu indenização por danos morais em valor a ser arbitrado pelo juízo.

A rede de joalherias apresentou a defesa. Em primeiro lugar, afirmou que o autor, em 1999, já reconhecera a importância da manutenção do sobrenome para a ex-mulher — em função das atividades que vinha desenvolvendo, juntamente com a filha Débora Dvoskin e a sócia Marylin Pretto Kulkes.

A defesa afirmou que comprou as cotas quando Sonia se retirou da sociedade e que estas incluíam o valor intangível da empresa, seu ‘‘fundo de comércio’’, o nome e a marca. Sustentou que firma social não se confunde com denominação social. Salientou, todavia, que desde março de 2009 já não usa mais o sobrenome do autor em sua denominação social, ficando prejudicado o pedido de tutela antecipada.

Por fim, a defesa revelou que o propósito oculto do pedido é deixar o nome livre para a filha do casal, Débora Sirotsky Dvoskin, designer de jóias, apoderar-se dos direitos que lhe cabem, fruto de elevado investimento de seus sócios. Débora deixou a sociedade antes da mãe.

Princípio da dignidade humana
O juízo considerou prejudicado o pedido de liminar e determinou o julgamento antecipado da lide. Após a análise de preliminares, o juiz Mauro Caum Gonçalves julgou procedentes os pedidos do autor.

Para ele, a questão relevante é saber se a utilização da marca ‘Dvoskin, Kulkes Joalheria’ pela empresa ré seria legítima ou violaria os direitos de personalidade do autor da Ação Cominatória.

De um lado está o artigo 5º., inciso XXIX, da Constituição Federal, que assegura direitos e garante proteção aos criadores de inovações industriais e de marcas, além de outros distintivos. Este dispositivo constitucional garantiu a edição da Lei 9.279/1996, que regula os direitos e obrigações relativos à propriedade industrial, onde o capítulo IV trata dos Direitos sobre a Marca.

Por outro lado, destacou, o direito brasileiro assegura a proteção aos direitos da personalidade, que são definidos como direito irrenunciável e intransmissível. Diz que todo o indivíduo tem de controlar o uso de seu corpo, nome, imagem, ou quaisquer outros aspectos constitutivos de sua personalidade. Esses estão ligados a um princípio maior, que fundamenta todo o ordenamento jurídico brasileiro — qual seja, o princípio da dignidade da pessoa humana.

Entrando no caso concreto, o julgador afirmou que deve haver uma ponderação entre a garantia fundamental da propriedade da marca e os direitos da personalidade, inerentes à pessoa e a sua dignidade. Nesse sentido, no que se refere ao nome, o artigo 18, do Código Civil, que se encontra inserido no Capítulo II, que trata dos Direitos da Personalidade, estabelece que, “sem autorização, não se pode usar o nome alheio em propaganda comercial”.

Gonçalves lembrou também que o artigo 124, inciso XV, da Lei 9.279/96 estabelece: “Não são registráveis como marca: (…) o nome civil ou sua assinatura, nome de família ou patronímico e imagem de terceiros, salvo com consentimento do titular, herdeiros ou sucessores”. E, por último, o artigo 34 da Lei 8.934/94, que regula os Registros Públicos: “o nome empresarial obedecerá aos princípios da veracidade e da novidade”.

Nesta linha, caso ocorra o conflito entre uma situação jurídica subjetiva existencial e uma situação jurídica patrimonial, a primeira deverá prevalecer. ‘‘Assim, é evidente que, em casos como o que ora se apresenta, deve prevalecer o direito subjetivo existencial do autor, de proteger a sua dignidade humana, já que não foi devidamente autorizada a utilização do seu sobrenome’’, completou o magistrado.

Por isso, o juiz determinou: a retirada do sobrenome ‘Dvoskin’ da marca da joalheria, bem como de todas as publicidades, sinais, propagandas, fachadas e marcas, das quais se valha, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 5.000,00; não-utilização do sobrenome na sua marca, bem como em todas as publicidades, sinais, propagandas, fachadas e marcas, das quais se valha, sob pena de pagar uma multa de R$ 500.000,00; e a condenação da rede de joalherias a pagar R$ 54.500,00 de indenização por dano moral ao empresário.

Resgate do direito de propriedade
A empresa ré apelou da sentença ao Tribunal de Justiça. Alegou, inicialmente, que a decisão não analisou o prestígio que já possui a marca Dvoskin Kulkes Joalheria. Disse que a sentença foi extra petita; ou seja, o juiz concedeu coisa diversa da requerida na inicial. Defendeu não haver possibilidade de confusão entre a joalheria e o apelado. A antecipação de tutela concedida por ocasião da sentença foi cassada pelo TJ-RS.

O relator da Apelação na 6ª Câmara Cível, desembargador Ney Wiedemann Neto, constatou que a empresa adota o nome fantasia “DvoskinKulkes Joalherias” desde 2003, de origem lícita. Este passou a integrar o seu ‘‘fundo de comércio’’ — conjunto de bens materiais e imateriais que facilita o desenvolvimento da atividade mercantil e pelo qual se tornou conhecida no mercado.

Sublinhou que as alterações contratuais havidas quando da saída de Sonia e de Débora Dvoskin da sociedade não trouxeram nenhuma determinação no sentido que o nome fantasia da empresa fosse modificado, para a retirada da palavra ‘Dvoskin’.

‘‘A pretensão do autor (que se chama Marcos Ramon Dvoskin) de retirada da expressão ‘Dvoskin”’da publicidade e fachadas das lojas da empresa ré, inclusive com pretensão indenizatória por abalo moral, não tem razão de ser. Ele não é a única pessoa que possui esse sobrenome (…) Creio que não há qualquer associação do nome fantasia e da marca à pessoa do autor; ou seja, não há prova nos autos que as pessoas em geral ou os consumidores em específico acreditem que Marcos Ramon Dvoskin tenha algo a ver com essas joalherias’’, definiu o relator, ao acatar a Apelação.

O desembargador Luís Augusto Coelho Braga, presidente do colegiado e que atuou como revisor neste julgamento, se alinhou com tese do juiz Mauro Caum Gonçalves; logo, confirmou os termos da sentença e negou a Apelação.

O último a votar foi o desembargador Artur Arnildo Ludwig, que desempatou a favor do relator. Disse que a tese do autor não encontra amparo nas circunstâncias fáticas e jurídicas trazidas aos autos, citando três aspectos.

O primeiro destes é que a sócia que deixou a sociedade, ao ser indenizada, por força de contrato, repassou o ‘‘fundo de comércio’’. O segundo ponto, apontou, é que, tendo origem lícita, o nome da empresa, bem-conceituada, em tese, não traria prejuízo de ordem moral ao autor. ‘‘Por fim, a terceira observação a ser consignada é que o autor, pelo que se extrai dos autos, não providenciou qualquer pedido de exclusividade do uso de seu sobrenome, de forma a vedar a utilização comercial’’, encerrou.

Leia aqui o acórdão.

Aqui a sentença.

E aqui a decisão que cassou a tutela.

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