BENEFÍCIO PENAL

Estuprador não se livra da pena se vítima arruma companheiro

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24 de maio de 2012, 6h22

Um pai, que se encontra preso por ter estuprado a própria filha, pode ter a sua pena extinta se a vítima passou a viver em união estável com outro homem? Para a maioria dos desembargadores do 4º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, isso não é possível, pois os institutos do casamento e da união estável são diferentes. Em tese, tal benefício poderia ser concedido se, considerando os demais requisitos, houvesse o casamento formal da ofendida, pois o legislador não aventou outras hipóteses.

Para o colegiado de desembargadores da área criminal, reconhecer a extinção da punibilidade seria trafegar na contramão da tendência político-legislativa do Direito Penal, pois o legislador reservou esta possibilidade aos casos de ‘‘maior solenidade’’ – ou seja, ao casamento formal.

A possibilidade de extinção da punibilidade foi derrubada também em função da violência física e moral imposta à vítima, que manteve a primeira relação vaginal com o pai aos oito anos de idade. Ficou patente para um dos julgadores de que se trata de um expediente defensivo, ‘‘resultante da pressão evidentemente sofrida pela ofendida durante todo o processo, situação que persiste ainda agora’’. A decisão foi tomada dia 23 de março.

O caso                                                                                                          

O pai foi sentenciado a uma pena de 10 anos e 15 dias em abril de 2006, num processo que corre sob segredo de justiça na Comarca de Lajeado, distante 120km de Porto Alegre. A condenação foi confirmada pela 8ª Câmara Criminal em fevereiro de 2007. Naquele julgamento, o Ministério Público conseguiu maioria para ampliar a pena para 14 anos e 22 dias. Ele foi incurso nas penas do artigo 214 combinado com o artigo 224, alínea ‘a’, e 226, inciso II, na forma do artigo 71, parágrafo único, todos do Código Penal.

Dentre os muitos lances processuais que se seguiram à condenação e no decorrer do cumprimento da pena – em cela especial, por ter curso superior –, ele teve negado um pedido de extinção de punibilidade com base na aplicação do artigo 107, inciso VIII, do Código Penal vigente ao tempo dos fatos. Nos crimes sexuais cometidos sem violência real ou grave ameaça, este previa, como causa de extinção da punição, o casamento da vítima com terceiro, além de impor outras condições. A benesse também alcançava casos de união estável.

O autor, então, entrou com Agravo em Execução no Tribunal de Justiça. Afirmou que a vítima vive em concubinato desde 2004, união estável que culminou com o nascimento de uma filha. Consultado, o representante do Ministério Público na 7ª Câmara Criminal opinou pelo desprovimento do recurso.

Os desembargadores Carlos Alberto Etcheverry e Naele Ochoa Piazzeta negaram provimento. Entenderam que não foi acostada aos autos prova idônea que demonstrasse cabalmente a alegada união estável da vítima com terceiro, o que facultaria a incidência da hipótese extintiva. A declaração anexada pelo autor não se mostrou suficiente para tanto. Os magistrados também levaram em conta que o crime foi praticado mediante grave ameaça e violência; logo, desatendeu os pressupostos para aplicação do benefício legal.

Etcheverry sublinhou que a lei prevê casamento da ofendida com terceiro, e não união estável, como apontam os autos. ‘‘Em que pese a equiparação entre ambos os institutos, não é pacífico que a causa de extinção de punibilidade em questão atinja situação jurídica não prevista de forma expressa em lei’’, justificou.

O desembargador destacou que a única prova indicativa da relação é o nascimento da filha da ofendida, ocorrido em 2006. A declaração, por outro lado, foi firmada em dezembro de 2010. Para ele, o que se pode provar é que, nessa data, o casal declarou que a união estável datava de 5 de fevereiro de 2004.

‘‘Se isso fosse verdade, entretanto, por que apenas em janeiro do corrente ano (2011) o recorrente formulou o pedido de extinção de punibilidade, quando há muito já deveria ter conhecimento da vida sentimental da vítima, já que esta está entre as poucas pessoas que o visitam, como informado à folha 14?’’, questionou. Para Etcheverry, tudo indica que se trata de mais um expediente defensivo, resultante da pressão sofrida pela ofendida durante todo o processo, ‘‘situação que persiste ainda agora’’.

O relator do recurso e presidente do colegiado, desembargador Sylvio Baptista Neto, ficou em posição minoritária. Deu procedência ao Agravo por se alinhar com posição firmada pela Câmara, em caso similar. Citou, também, ementa de julgado do Supremo Tribunal Federal: “O casamento da ofendida com terceiro, no curso da ação penal, é causa de extinção da punibilidade (CP, art. 107, VIII). Por analogia, poder-se-ia admitir, também, concubinato da ofendida com terceiro… (JSTF, 278/343)’’.

Recurso negado                

Derrotado, o autor entrou com Embargos Infringentes e de Nulidade, matéria da competência do 4º Grupo Criminal do Tribunal de Justiça, que reúne os julgadores da 7ª e 8ª Câmaras Criminais. Sustentou que a união estável é suficiente como prova de convivência entre a filha-vítima e seu companheiro. Por isso, pediu que o colegiado reconhecesse o voto divergente, do desembargador Sylvio Baptista Neto, decretando extinta a punibilidade da ação penal. O Ministério Público opinou por não acolher o recurso.

O relator do caso, desembargador José Conrado Kurtz de Souza, também não acolheu os Embargos, ‘‘pelas mesmas razões já expostas nos votos dos eminentes desembargadores Naele Ochoa Piazzeta (revisora) e Carlos Aberto Etcheverry (vogal) na Apelação Criminal 70044707404 (fls. 146/150) que compuseram a maioria’’.

Segundo o relator, reconhecer-se a extinção da punibilidade para os casos em que a ofendida veio a unir-se de fato a terceiro trafegaria na contramão da tendência político-legislativa do Direito Penal, pela evidência maior de que o legislador, por exigência social, revogou o benefício para a hipótese que no presente caso representa “maior solenidade”; qual seja, o casamento.

O voto do relator foi seguido pelos demais membros do 4º Grupo Criminal, à exceção do desembargador Sylvio Baptista Neto, que manteve sua posição original. Também participaram da sessão de julgamento os desembargadores Danúbio Edon Franco (presidente), Naele Ocha Piazzeta, Carlos Alberto Etcheverry, Isabel de Borba Lucas e Dálvio Leite Dias Teixeira.

Clique aqui para ler a íntegra do Agravo em Execução.
E aqui para ler o acórdão do 4º Grupo Criminal

 

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