20 de anos de STJ

Carta a um experiente juiz, humano e garantista

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23 de maio de 2012, 11h11

“A grande aspiração do jurista é a justiça.
O legislador busca traduzi-la em fórmulas; o jurista a estuda, esquadrinha, investiga, sonda; o juiz, mais que qualquer outra pessoa, é quem a realiza.
Na verdade, os homens dependem mais da justiça que da lei; muito mais do juiz que do legislador.
É utilíssimo para um povo ter boas leis; mas é melhor ainda ter bons juízes.
O bom juiz resiste às leis manifestamente iníquas, corrige as imperfeitas, dá polimento e vida às excelentes e põe em prática a norma que se aproxima do ideal.
E, sem arranhar as garantias do jurisdicionado, encontra meios de fazer justiça”
(Hélio Tornaghi)

No apogeu da sua força intelectual e criatividade de seu espírito inovador, o ministro Cesar Asfor Rocha chega aos 20 anos de exercício altivo da magistratura no Superior Tribunal de Justiça.

Não por acaso, quando publicou o livro “Cartas a um jovem juiz”, o subtítulo da obra demonstra sua visão de magistrado: cada processo hospeda uma vida.

A história do ministro Cesar na mais alta Corte de interpretação do direito federal em nosso país se confunde com a trajetória do próprio “Tribunal da Cidadania”.

Corria o ano de 1992 (maio foi o mês de sua posse), o Brasil e o mundo fervilhavam de acontecimentos, o Rio de Janeiro sediava a histórica conferência sobre meio-ambiente (ECO/92), o Brasil perdia uma referência na política – pois faleceu Ulysses Guimarães -, e o Superior Tribunal de Justiça iniciava a jornada de uniformizador da legislação infraconstitucional, lapidando a interpretação, por exemplo, do então ainda jovem Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).

Cesar Rocha foi o único, dentre os juízes da Corte, a ocupar todos os cargos e funções destinados aos membros do Superior Tribunal de Justiça: presidente e vice do tribunal e do Conselho da Justiça Federal, onde foi também coordenador-geral (hoje corregedor), diretor do Centro de Estudos Judiciários, da Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais e do Colégio de Corregedores Federais, diretor da Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados (ENFAM), diretor da Revista, presidente de todas as comissões permanentes, conselheiro do CNJ e corregedor nacional de Justiça; ministro do TSE e corregedor-geral eleitoral, além de dirigir a Escola Nacional Eleitoral, sendo, ainda, presidente da Comissão Conjunta dos Conselhos e Tribunais Europeus e Ibero-americanos, que reúne quarenta e um países.

Até os dias de hoje, foi o ministro que mais julgou na história do tribunal (mais de 140 mil processos, como relator, mais de 400 mil como vogal), além dos 4.001 julgamentos no TSE e 2.795 no CNJ, e o que mais teve colegas no Tribunal (87 dos 96 ministros e desembargadores convocados que integraram ou ainda integram a Corte).

Além de magistrado, Cesar Rocha é mestre em Direito, professor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará – onde lecionou Direito Civil por mais de duas décadas -, Doutor Honoris Causa da Universidade de Fortaleza, membro da Academia Cearense de Letras e da Academia Brasileira de Letras Jurídicas, autor de vários livros jurídicos e literários e, ademais, compositor de muitas letras de músicas, inclusive tendo Fagner como parceiro.

Na presidência do Superior Tribunal de Justiça, foi o visionário que implantou o processo eletrônico e conseguiu “virtualizar” todos os autos que estavam e chegavam ao tribunal. Hoje uma realidade, o Superior Tribunal de Justiça foi o primeiro tribunal do mundo a acabar com o papel, vencendo resistências, descrenças e indiferenças, internas e externas, e o ministro Cesar Rocha conquistou, pelo seu entusiasmo, a adesão dos demais ministros e servidores.

Acompanhamos de perto, muito próximos, seu incansável trabalho na Presidência (começava às oito e nunca terminava antes das vinte e duas horas), quando implantou inovações do mais alto significado estratégico, dinamizando com maior equilíbrio os recursos da instituição.

Com ele aprendemos muitas lições.

Ele sempre afirma que o tribunal não é marco de chegada, mas ponto de partida para uma nova vida que se inicia com a investidura no cargo, a exigir muito trabalho, dedicação e renúncia. Lembra constantemente que o bom juiz é, acima de tudo, leal para com os colegas.

É humano e garantista, pois acredita na Justiça como aquela estrela do poeta, linda e próxima, que sempre perseguimos, mas nunca conseguimos alcançar. A perfeição não é coisa deste mundo.

Suas palavras e sua maneira de agir confirmam outro trecho da obra-prima de Tornaghi:

“…A idolatria da lei pode obcecar o julgador. Há duas maneiras de conceber a função do juiz. A primeira é a descrita com tanta finura por Kantorowicz em sua magistral obra A luta pela ciência do direito (Der Kampf um die Rechtswissenschaft) e reproduzida, mais tarde, pelo eminete Calamandrei, em várias de suas obras. É a do juiz funcionário público, armado com aquela máquina de pensar que o prende aos grilhões da letra estreita da lei. Diante de cada caso ele aperta os botões do mecanismo e descobre a solução dada pelo legislador, sem precisar ter em conta as circunstâncias do caso concreto. A segunda é a do juiz que sente e pensa como qualquer pessoa normal, que não é peça de uma engrenagem; que vivifica a lei como o oxigênio da realidade”.

E o magistrado Cesar Rocha, do alto dos seus vinte anos na Corte, arremata em sua obra destinada aos jovens magistrados: “…o que pretendo fixar é tão só que as leis sempre precisam ser compreendidas no contexto humano a que se destinam, pois foram elaboradas para produzir felicidade, e não injustiça, para promover o bem comum, e não a frustração coletiva”.

Por isso, cada minuto dessa trajetória valeu à pena!

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