Paralisação dos metroviários

Greves: a população sob o fio da espada

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23 de maio de 2012, 14h28

A recente paralisação no transporte público empreendida pelos metroviários, aliada aos efeitos nefastos que tal prática gera à população brasileira, acuada e ressentida pela ausência da tutela de seus direitos básicos, nos faz relembrar de uma das grandes chagas ainda abertas em nosso país: o descaso com que as sucessivas legislaturas têm tratado o problema das greves no serviço público.

As greves sempre fizeram parte da história moderna. Já no século XIX, em sua monumental obra Germinal, Émile Zola retratava os fatores socioeconômicos que impulsionaram os processos de gestação e germinação dos movimentos grevistas em prol da defesa dos direitos dos trabalhadores nas minas de carvão francesas.

Do ponto de vista do Direito, a greve passou por períodos distintos e paradoxais: já foi expressamente proibida, passou a ser tolerada e, atualmente, foi elevada à categoria de direito fundamental, assegurada pelo artigo 9º, da Constituição Federal de 1988.

Pode ser definida, em sentido amplo, como a paralisação coletiva, total ou parcial, das atividades dos trabalhadores, com o objetivo de pressionar o empregador para a defesa ou conquista de reivindicações de natureza jurídica ou salarial, após o fracasso ou impasse nas negociações.

Na iniciativa privada, é regulamentada pela Lei 7.783/89, devendo ser exercida dentro de certos limites, de modo a não comprometer o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade, ou seja, aquelas que não sendo atendidas, colocarão em risco a sobrevivência, saúde ou a segurança da população (transporte coletivo, atividades hospitalares, água, esgoto, correios, energia elétrica). Também não pode ser exercida com violência ou de forma abusiva.

Em relação aos servidores públicos civis da administração pública direta e indireta, no que tange aos poderes da União, dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, a Constituição determina que o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica. Para os servidores militares, são vedados os direitos à sindicalização e à greve (art. 142, IV).

O problema é que, até hoje, passados quase 25 anos da promulgação da Constituição, ainda não foi votada nenhuma lei que regulamente o direito de greve dos servidores públicos civis. A realidade, entretanto, tem ignorado essa situação, já que as paralisações vêm ocorrendo, de forma reiterada, em todas as áreas, exista ou não norma que trate da questão. Os conflitos não ficam à mercê da benevolência do Direito.

Ante a lamentável omissão do Congresso Nacional, a situação já chegou à apreciação do Supremo Tribunal Federal, cujo entendimento foi de que, nos casos de paralisação do funcionalismo público (e enquanto não for instituída lei específica tratando da questão), deve ser aplicada a norma que trata da greve na iniciativa privada.

A decisão foi importante, pois criou uma referência. Todavia, apenas trouxe uma solução provisória, paliativa, de modo que a questão principal ainda está longe de ser resolvida. Assim, não se pode deixar de refletir, debater e repensar o tema, cabendo à opinião pública um importante papel: pressionar e exigir a criação de regras claras, acessíveis e urgentes.

Como relembra Edgar Morin, “não existe conhecimento que seja um reflexo fotográfico da realidade”, daí porque a democracia inspira nossa “capacidade de questionar as verdades que parecem dogmas evidentes no sistema de ideias em que se encontram”.

A situação beira o colapso. Enquanto não houver uma regulamentação objetiva e técnica da greve no serviço público, será a população – e somente ela – quem continuará experimentando a apreensão, insegurança e desolação que somente a inércia das legislaturas desinteressadas podem proporcionar.

Da mesma forma que a Espada de Dâmocles, pendurada apenas por um fio, pendia ameaçadora sobre a cabeça de Dionísio, tirano de Siracusa, o Congresso Nacional tem, mais uma vez, condenado a sociedade à danação iminente, reafirmando, assim, o abismo que se posta entre eleitores e eleitos. Até quando se poderá resistir, até que o fio seja cortado?

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