Abertura de mercado

Escritórios estrangeiros devem obedecer a lei

Autor

  • Ricardo Sayeg

    é titular do Conselho Superior da Capes professor livre-docente em Direito Econômico da PUC-SP e diretor e professor titular do doutorado da UNINOVE.

21 de maio de 2012, 12h00

A advocacia é profissão de Estado e o advogado é o elemento estruturante e intercalar no relacionamento entre os Poderes Constituídos da República e a sociedade civil. É o advogado que estrutura, preserva e defende a sociedade civil.

Não é à toa que a advocacia é encarregada de defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, os direitos humanos, a Justiça Social e pugnar pela boa aplicação das leis, pela rápida administração da Justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das instituições jurídicas. A essencialidade do soldado no Estado Militar é equivalente à do Advogado no Estado Brasileiro Democrático de Direito, que é pacífico.

Em vista de tais razões, a nossa profissão de advogado é magnífica e a única expressamente citada na Constituição Federal do Brasil como essencial. O advogado é aquele que exerce as atividades privativas da advocacia, consubstanciadas na postulação a qualquer órgão do Poder Judiciário, assim como as consultorias, assessorias, e direções jurídicas.

Daí a questão é: para ser advogado, que no seu ministério privado presta serviço público e exerce função social, o pretendente, brasileiro ou estrangeiro, ao exercício desta prestigiosa profissão, deve, na forma do artigo 8º, incisos II e IV, da Lei 8.906/94, o Estatuto da OAB, ter diploma de bacharel em Direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada. Também deve ser aprovado no Exame de Ordem.

É nessas condições que todo brasileiro é guindado à ilustre qualidade de advogado, mediante inscrição obrigatória na OAB. E exatamente assim deve acontecer para o estrangeiro, uma vez que não tem sentido que qualquer pessoa, seja qual for sua nacionalidade, nativo ou alienígena, ostente o valioso grau de advogado, senão preencher tais requisitos.

Não se trata de reserva de mercado. O Exame de Ordem passou pelo crivo do Supremo Tribunal Federal e foi declarado constitucional, pois os relevantes misteres da advocacia não podem ficar sujeitos a aventureiros ou ao mercantilismo desbragado. Os interesses econômicos de estrangeiros, principalmente, grandes escritórios e expatriados, não são mais importantes que os mais lídimos interesses nacionais que dão sustentação à gloriosa Advocacia brasileira.

Não basta aos estrangeiros, ou até mesmo aos brasileiros, formarem-se no exterior e lá habilitarem-se como advogados, para pleitear o exercício de nossa profissão de Estado em território nacional. Não é aceitável, sem o Exame de Ordem e o reconhecimento do respectivo diploma de bacharel, que sedizentes advogados venham a exercer a nossa profissão no Brasil. Sejam eles norte-americanos, britânicos, franceses, argentinos, paraguaios, colombianos ou mesmo brasileiros.

O Brasil é um país formado pela imigração, mas não é uma terra sem lei, e os estrangeiros, tais como os meus avós, devem se sujeitar às leis nacionais. E a legislação da advocacia é clara, razoável e proporcional, ao estabelecer os pré-requisitos ao seu exercício, por meio da respectiva inscrição como advogado na OAB, mediante Exame de Ordem e diploma reconhecido.

Quem, fora da lei, exercitar a advocacia em território nacional, sem preencher estas qualificações profissionais e não estiver inscrito na OAB, seja brasileiro ou estrangeiro, exercita ilegalmente a profissão de advogado. Deve responder pelo respectivo tipo penal.

Se, de um lado, há um limite de tolerância ao advogado estrangeiro que se inscreve no Brasil, na OAB, como especialista em Direito Estrangeiro, e neste restrito âmbito pode advogar, noutro lado, aquele que for além disso deverá ser punido com o rigor da lei penal. E depois do cumprimento da sentença a OAB deve intervir junto à Presidência da República a fim de que seja, nos termos da lei, expulso do país.

Além dessas considerações institucionais, deve-se considerar que desejando entrar no nosso país, há grandes escritórios estrangeiros, com força econômica suficiente para dominar a nossa advocacia. Bem como advogados dos nossos vizinhos da América do Sul, baseando-se simplesmente no fato de serem habilitados como advogados em seus países de origem.

Pessoalmente, não tenho nada contra eles e respeito, igualmente, a todos os brasileiros e estrangeiros. Todavia, de um lado esses grandes escritórios estrangeiros, na medida em que já mantêm relacionamentos anteriores globais com os conglomerados econômicos transnacionais, acabam atraindo os serviços destes por gravidade. Bem como quanto ao empresariado nacional que fica orbitando em torno desses grandes conglomerados.

Não obstante a retórica alienante de mera colaboração e apoio, tais escritórios querem se instalar no Brasil como qualquer grande empresa mercantilista, para atuar em todos os segmentos, na advocacia de Direito Estrangeiro e também de Direito Brasileiro.

Significa, na prática, que vão mercantilizar a advocacia nacional e muitos clientes vão abandonar os advogados brasileiros, em favor dos escritórios estrangeiros globais. Não em razão da competência, mas sim por conta dos vínculos institucionais e de origem, especialmente porque, no exterior, em vários países, os advogados são mais agressivos e mercantilistas na captação de clientela.

Por outro lado, haverá também a incursão de advogados estrangeiros da America do Sul, como argentinos, paraguaios, colombianos, bolivianos etc, ou até mesmo por brasileiros. Todos habilitados a advogar fora do Brasil, desejando prestar serviços jurídicos em território nacional. Enfim, de ambos os lados, será uma catástrofe institucional e econômica. A oferta de serviços jurídicos em território nacional irá aumentar nociva e predatoriamente, enquanto a demanda da advocacia continuará estática e insuficiente, contribuindo ainda mais para o empobrecimento generalizado dos advogados.

As dificuldades financeiras já vividas pela grande maioria dos advogados e das advogadas só tendem a se agravar. Haverá, em todas as áreas do Direito, forte barreira de acesso às grandes causas e serviços de um lado e concorrência predatória, de outro.

As expectativas profissionais de prosperidade pessoal de cada um de nós ficarão ainda mais reduzidas do que já estão. Isso que é agravado para os milhares de jovens advogados e advogadas que estão a ingressar a cada ano na advocacia, por conta do elevado número de faculdades de Direito, enquanto, estes sim, deveriam ser protegidos com condições especiais de trabalho.

O entendimento contrário, data venia, significa total desconhecimento da lei econômica da oferta e da procura. Ou, pior, absoluta despreocupação e indiferença com a maioria dos advogados que tem a si e a sua família para sustentar, tendo em vista que não é conhecido outro país atrativo que nos dê reciprocidade real, embora existam discursos formais em sentido contrário para nossa alienação.

Até hoje os Estados Unidos exigem visto de entrada dos brasileiros, apesar de dispensá-lo aos europeus, demonstrando que esse fluxo internacional igualitário e recíproco de pessoas e profissionais é mera falácia. A lei da oferta e da procura é implacável e alusões minimalistas e pejorativas, como “ufanismos” e “xenofobia”, não podem servir para prejudicar o nosso mercado de trabalho, empobrecer e até mesmo levar à ruína advogados e advogadas arrimos de família.

A verdade é que, macroeconomicamente, a gloriosa advocacia está sendo dura e cruelmente espremida e massacrada entre as inaceitáveis: (i) – pressão de entrada ilegal dos Advogados estrangeiros, (ii) – ruína irresponsável da Assistência Judiciária, que tira a oferta de serviço a mais de 50 mil operosos colegas paulistas e (iii) – perda imoral de nossa aposentadoria junto ao IPESP.

Estamos, principalmente o jovem e o idoso advogado, rumando para um verdadeiro desastre institucional, profissional e financeiro. Não se concebe qualquer profissão, muito menos com independência e qualidade, aliás, essencial, sem a devida remuneração e condições mínimas de trabalho – com especial atenção em prol do jovem profissional. Muito menos com retrocesso em nossas condições de aposentadoria, tendo-se que trabalhar para subsistir mesmo quando as forças vitais da pessoa humana se esgotam.

Logo, haverá grave inviabilização da advocacia e real aumento das nossas dificuldades e sofrimento, em prejuízo da sociedade civil brasileira e, assim, do povo do Brasil. Principalmente com as recentes notícias de problemas na economia nacional e descrédito de nossas instituições.

Em conclusão, não se quer aqui negar o exercício no Brasil aos escritórios ou aos profissionais estrangeiros daquilo que a lei permite. O que se combate é o uso de estratagemas obscuros que insultam a inteligência mediana para atentar contra a estruturação, preservação e defesa da sociedade civil brasileira. Bem como contra o trabalho dos advogados brasileiros, o que é inadmissível e será intransigentemente investigado, denunciado e combatido em minha futura gestão como presidente da OAB de São Paulo, da qual sou pré-candidato e, com a graça de Jesus Cristo, serei abençoado.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!