Crimes cibernéticos

Projeto sobre crime na internet protege agente público

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17 de maio de 2012, 12h57

Terrível intromissão na intimidade de atriz muito conhecida cujo nome não interessa, embora produzindo cerca de oito milhões de acessos na internet, levou a apressamento da aprovação, na Câmara dos Deputados, do Projeto de Lei 2793/2011, correspondendo à punição dos chamados crimes cibernéticos. Independentemente de centenas de atividades ilícitas outras, alguns hackers furtaram as imagens da moça, nua, divulgando-as.

Não devem os advogados intrometer-se em embates entregues a outros procuradores. Vale a pena, entretanto, digressão perfunctória sobre o estado atual da proteção ao segredo das comunicações em geral e da internet em particular. Em suma, não há seriedade na ameaça legal a quem violar sigilo do relacionamento privado. Exemplos antigos de ofensa descarada foram concretizados pela própria instituição do Ministério Público, segmentada embora, não se podendo atribuir a violência à entidade como um todo, mas a trêfegos agressores da legislação reguladora. Ao lado daquilo, a polícia, com relevo para o Departamento de Polícia Federal, deita e rola sobre as restrições existentes, obedecendo em tese à necessidade de autorização das interceptações mas, ao largo, beliscando afanosamente o meio de campo. No frigir dos ovos, guarda para momento oportuno aquilo que não podia interceptar e expõe o remanescente, sabendo-se que a gravação obtida à sorrelfa é exatamente a substância dourada, ofertando-se à luz do dia apenas a borra.

Corre no Congresso projeto de lei punindo a captação, via qualquer meio de comunicação, da intimidade alheia, quer por pessoas físicas, quer mesmo jurídicas. Gerou-se, no meio disso tudo, verdadeira compulsão popular a uso de sites e programas denominados “Youtube”, “Facebook”, “Twitter” e “Skype”, entre outros, inscientes os usuários do risco existente no ultrapassamento de limites que corriqueiros seriam, se houvesse plenitude técnica da manutenção na intimidade. São ingênuos os cidadãos e cidadãs que se dão a tanto. Deveriam prestar atenção, inclusive, à sofisticação do instrumental eletrônico existente alhures.

Na medida em que muitos segmentos do Poder, com ou sem autorização judicial, enchem suas burras de segredos alheios, particulares ficam estimulados a fazer o mesmo. Exemplo disso produz consequências importantes em investigações criminais tramitando no subsolo e, às vezes, nos esgotos do Distrito Federal.

Deixe-se de lado, pois exigindo intricado exame, comentário maior sobre os meandros da Capital Federal. Prossiga-se no drama envolvendo a moça desnudada. A cidadania deveria tomar o fato como exemplo. Lembre-se filme, antigo é certo, talvez em preto e branco, em que uma atriz loiramente empetecada, deitada numa espumante banheira de hotel, conversava ao telefone com marido, companheiro, amante, ou fosse lá qual fosse o nome do homem, a milhares de quilômetros de distância, ronronando juras de amor. Ali, a imaginação funcionava muito, valendo supinamente a impressão deixada na mente dos interlocutores. A sensualidade da cena era inteligível. Isso foi às calendas. Agora a comunicação é visual, numa repetição de máquina de amor vista em “Barbarela”, com Jane Fonda. Uma antecipação do futuro, à maneira do “Minority Report”. Entretanto, as criaturas se põem na internet trocando seus meneios mais secretos, confiando no fechamento das cortinas etéreas, como se aquilo fosse o quarto de dormir ou a câmara aveludada de uma estalagem de luxo. Indizível imprudência!

No meio de tudo isso, a Suprema Corte da República, cujos ministros desconfiaram, ou quiçá ainda desconfiem, de terem suas comunicações verrumadas, recua ante a imprescindibilidade de se definir de vez o que se deve fazer com quantos, independentemente de serem ou não importantes na orografia da chamada “inteligência”, estão a introduzir mãos enlameadas no maior sacrário que um ser humano pode ter: a proteção da intimidade. O catador de papéis, quando se põe a dormir numa esquina da Avenida Paulista, em São Paulo, protege a carroça com papelões colhidos no lixo das lojas grã-finas e fica ali dentro, no escuro, apenas quatro metros quadrados, acautelando-se com um vira-latas que morde quem chegar perto. Isso vale para o mendicante, para qualquer do povo, para o ministro da Suprema Corte, para a Presidente da República e para qualquer investigado de alto ou baixo coturno, dizendo-se ele inocente até a decisão condenatória transitada em julgado.

Ministros do Supremo Tribunal Federal, com relevo para Lewandowski e Marco Aurélio, têm sérias preocupações a respeito da humilhação imposta, na rotina diária, à manutenção dos segredos constitucionalmente garantidos. O projeto de lei 2793/2011, em remessa ao Senado, tem redação feia e não abarca, por exemplo, infrações de igual jaez praticadas por agentes do Estado. Parece entender-se, ali, que beleguim não comete crimes dessa estirpe. Tem-se a sensação de que se procurou preservar a intangibilidade do voyeur oficial. Algum senador precisa peneirar o projeto, trazendo a lume aspectos que passaram em branco. Tocante ao Supremo Tribunal Federal, é a hora certa para enrijecimento das limitações ao uso, pela Polícia e pelo Ministério Público, dos expedientes cibernéticos cuidados no projeto. O espiolhamento dos segredos alheios é, em si, comportamento moralmente fétido. Autorizações de estilo não conseguem legitimar pressupostos antiéticos.

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