Gasolina batizada

Venda de combustível adulterado gera dano moral coletivo

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16 de maio de 2012, 10h45

A venda de combustível adulterado abala o patrimônio moral da coletividade, caracterizando presunção absoluta de lesão e prejuízo aos consumidores. Com base neste entendimento, a 20ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul manteve sentença que condenou uma empresa e sete réus a indenizar materialmente os consumidores individualmente lesados. Todos terão de pagar, também, dano moral coletivo no valor de R$ 50 mil.

Os desembargadores entenderam ser desnecessário exigir a comprovação dos prejuízos para autorizar a reparação aos consumidores, uma vez que tais danos individuais não necessitam de prova do quantum, haja vista que o artigo 95 Código de Defesa do Consumidor (CDC) permite a condenação genérica. A apuração dos valores será feita em liquidação de sentença, como autoriza a artigo 95 do CDC.

‘‘Vale destacar que a indenização a título de dano moral coletivo no caso em exame se impõe, pois enganosa a publicidade praticada em relação ao combustível fabricado e comercializado, onde muitos consumidores sequer têm conhecimento de que foram ludibriados, sendo tal indenização in re ipsa (decorre do próprio fato, o que é presumido), a ser revertida ao Fundo Estadual de Reconstituição dos Bens Lesados, de acordo com o artigo 13 da Lei nº 7.347/85’’, observou a desembargadora Walda Maria Pierro, relatora do caso, que negou provimento à Apelação de um dos condenados na sentença. A decisão foi tomada na sessão de julgamento no dia 4 de abril e, dela, cabe recurso.

A denúncia do MP
O Ministério Público estadual denunciou a empresa Adesivos Noronha, sediada em Novo Hamburgo, na Região Metropolitana de Porto Alegre, e mais sete pessoas por prática comercial abusiva. Eles fabricavam, transportavam e comercializavam combustível de forma ilegal e fora dos padrões estabelecidos pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).

Na Ação Coletiva de Consumo ajuizada perante o 2º Juizado da 15ª Vara Cível do Foro Central, da Comarca de Porto Alegre, o MP pediu que os denunciados fossem proibidos de produzir e distribuir combustíveis fora dos padrões e indenizassem por danos morais e materiais os consumidores, bem como a coletividade, por lesarem também os direitos difusos.

Dois oito citados na denúncia, somente dois contestaram a demanda. Em síntese, negaram participação nos fatos descritos na inicial. Sustentaram a inaplicabilidade da inversão do ônus da prova por ferir os princípios constitucionais, especialmente os que garantem a ampla defesa. A Justiça decretou a revelia dos demais requeridos no processo.

A sentença
Com base no artigo 319 do Código de Processo Civil (CPC), o juiz de Direito Giovanni Conti reputou como verdadeiros os fatos elencados na inicial contra os seis réus que não apresentaram sua defesa, por serem revéis. ‘‘Além disso, consoante se observa da robusta prova produzida nos autos, verifica-se que o comércio ilegal de combustíveis era praticado abusivamente pelos requeridos, fato, aliás, apurado em sede de processo criminal, cuja sentença condenatória restou juntada às fls. 1101/1122’’, agregou o juiz, ao proferir a sentença.

Ele disse que as defesas apresentadas pelos outros dois réus não mereciam consideração, face à farta prova produzida nos autos. As testemunhas que ambos arrolaram, destacou, também em nada colaboraram para esclarecer os fatos.

De outra parte, o juiz registrou o testemunho de um engenheiro químico. Ele discorreu sobre a ação danosa do combustível adulterado sobre os veículos dos consumidores. Segundo ele, ‘‘a principal característica dele (combustível) é o solvente, que ataca todo o sistema de borrachas, bomba injetora e corrosão na saída das válvulas. Sem contar as microexplosões que ocorrem dentro do cilindro, que podem fundir até a cabeça do pistão.”

Outra testemunha, responsável pelas escutas telefônicas, confirmou que um dos acusados tinha autorização para adquirir solvente para o fabrico de adesivos, mas o utilizava para produzir combustível. ‘‘Tinha solvente e vendiam na Grande Porto Alegre e em Porto Alegre, em vários postos ali, um na (avenida) Oscar Pereira, tinha uma empresa de Marau que comprava dele e assim vai pelo Estado. (…) Era uma coisa constante, uma organização, era venda, transporte, fabricação”, revelou em depoimento.

Segundo o julgador, os fatos elencados pelo MP denotam a infração de normas de proteção e defesa do consumidor. Citou lição de Cláudia Lima Marques, em sua obra ‘‘Contratos no CDC’’, 4ª edição, página 979: ‘‘No sistema do CDC, leis imperativas irão proteger a confiança que o consumidor depositou no vínculo contratual, mais especificamente na prestação contratual, na sua adequação ao fim que razoavelmente dela se espera; irão proteger a confiança que o consumidor deposita na segurança do produto ou do serviço colocado no mercado’’.

Assim, julgou procedente a Ação Coletiva de Consumo, determinando: cancelamento das atividades da empresa fabricante de adesivos, com interdição e lacramento do estabelecimento; proibição de fabricar, transportar e comercializar combustíveis em desacordo com a legislação e determinações da ANP; pagamento de indenização por danos materiais causados aos consumidores, a serem apurados em liquidação de sentença; pagamento de indenização no valor de R$ 50 mil, para indenizar os interesses difusos lesados; e a publicação em dois jornais de grande circulação, as suas custas, da decisão judicial, com o seguinte destaque: ‘‘Todos aqueles que tiverem sido lesados pela conduta dos demandados poderão comprovar seu dano e obter, a partir dessa decisão, o ressarcimento individual”.

Em caso de descumprimento das determinações judiciais, foi arbitrada multa de R$ 10 mil, sendo os valores revertidos ao Fundo Estadual de Bens Lesados, como prevê o artigo 13, da Lei nº 7.347/85.

Condenação mantida
Um dos oito condenados se insurgiu contra a sentença e interpôs recurso de Apelação no Tribunal de Justiça. Em síntese, alegou que a investigação não comprovou que tenha praticado algum crime e que a ação penal, na qual é réu, ainda não transitou em julgado. O procurador do MP com assento na 20ª. Câmara Cível opinou pelo seu desprovimento.

‘‘Não merece reparos a bem-lançada sentença da lavra do dr. Giovanni Conti, que apreciou com propriedade o contexto probatório carreado aos autos’’, afirmou a relatora do processo no TJ-RS, desembargadora Walda Maria Melo Pierro. Segundo ela, a defesa apresentada pelo apelante não encontra respaldo no conjunto probatório juntado ao processo. As escutas telefônicas feitas durante o Inquérito Civil, frisou, revelaram sua participação no negócio ilegal de comercialização de combustível adulterado. ‘‘Ainda que restasse absolvido na esfera criminal, tal não acarretaria qualquer consequência na ação cível’’, completou.

Além do mais, registrou no acórdão, a alegação de que está pleiteando a nulidade das provas feitas no processo criminal não merece ser considerada, pois tais nulidades foram afastadas pelo tribunal por ocasião do julgamento de uma Apelação-Crime interposta no Incidente de Inutilização de Interceptação Telefônica. ‘‘O Recurso Especial interposto teve seguimento negado, não cabendo mais discussão a respeito da alegada nulidade de provas obtidas durante a investigação penal’’, esclareceu a relatora.

Na percepção da relatora, ficou claro o dever de indenizar os danos materiais causados aos consumidores individualmente considerados, já que também se trata de tutela de interesses individuais homogêneos, conforme o artigo 81, parágrafo único, inciso III, do CDC. Estes deverão ser apurados em liquidação de sentença.

Foi negado seguimento à Apelação. Por unanimidade, os desembargadores Rubem Duarte (presidente do colegiado) e Carlos Cini Marchionatti acompanharam o voto da relatora.

Clique aqui ler a sentença,  aqui para ler a Apelação-Crime e aqui para ler o acórdão.

 

 

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