Sem fronteiras

Entrada de estrangeiros pode ampliar mercado de trabalho

Autor

  • Alberto Zacharias Toron

    é advogado defensor de Aldemir Bendine doutor em direito pela USP professor de processo penal da Faap e autor do livro "Habeas Corpus e o Controle do Devido Processo Legal" (Revista dos Tribunais)

16 de maio de 2012, 15h14

Depois da entrevista que concedi ao prestigioso site da revista Consultor Jurídico, tenho ouvido comentários de que minha campanha está sendo financiada pelos escritórios estrangeiros. Já requeri a instauração de inquérito policial para apurar quem está com o dinheiro, pois eu não vi a cor dele.

A entrevista foi nesses termos:

ConJur — O mercado de trabalho do advogado em São Paulo está protegido? Está faltando o que para o profissional trabalhar como precisa?

Alberto Toron — A grande questão hoje, ou pelo menos uma delas, é vinda dos escritórios estrangeiros para o Brasil. Há uma grita dos escritórios que compõem o Centro de Estudos das Sociedades de Advogados (Cesa) em torno de proteger o mercado contra aquilo que se chama de invasão dos escritórios estrangeiros. Essa é uma discussão importantíssima e a gente tem que ter o cuidado de ver se, eventualmente, sob determinadas condições, a entrada de escritórios estrangeiros no Brasil não vai ampliar o nosso mercado de trabalho. Nessa questão não adianta ter xenofobismos nem tomar posições nacionalistas. É preciso ver com muito cuidado se sob determinadas condições isso não ampliaria o mercado de trabalho dos advogados no Brasil.

Reitero tudo o que disse. Ou seja, que i. “a discussão é importante”; ii. “sob determinadas condições pode ampliar nosso mercado de trabalho” e iii. a última coisa de que precisamos no limiar do século XXI é de nacionalismo e xenofobismo.

Que a discussão é importante basta ver que o próprio Conselho Federal da OAB, recentemente, no último dia 7, promoveu importante discussão sobre o tema e se propõe a rever o Provimento 91, de 2000, que regula a matéria. A audiência pública foi concorridíssima. Também o jornal O Estado de S. Paulo, em editorial, chamou atenção para os interesses em confronto (cf. ed. do dia 24 de fevereiro de 2012, p. A3).

Depois, só mesmo quem não tem interesse em debater abertamente e de forma pública, como foi a referida audiência, é que pode pensar em barrar a discussão, que é sadia e pode aprimorar nosso mercado de trabalho, seja para protegê-lo, seja para torná-lo mais amplo e competitivo, seja para colocá-lo na vanguarda da prática da advocacia em nível mundial.

Como quer que seja, não é preciso muito atilamento intelectual para perceber que mais bancas de advocacia podem, em princípio, significar mais postos para quem quer se engajar no mercado de trabalho. Mais concorrência entre escritórios envolve, obrigatoriamente, mais disputa no mercado pelos bons advogados e isso pode elevar os ganhos dos profissionais assalariados. Do ponto de vista da sociedade ou, mais precisamente, daquele que se vale dos préstimos da advocacia, mais oferta, além de significar mais opções, implica em mais competição entre os escritórios e isso significa a incessante busca de mais qualidade de serviço para atender mais e melhor os clientes.

Afora essas razões, do ponto de vista da economia globalizada, na qual as empresas têm atuação mundial, é razoável que os escritórios de advocacia destas possam prestar-lhes serviços em outras latitudes, mas sob certas condições. A primeira delas é a da reciprocidade. Sem esta, nada feito. Se não pudermos trabalhar lá fora como os estrangeiros aqui, torna-se impossível pensar-se na presença deles aqui. O jogo tem que ser uma espécie de ganha-ganha. Depois, não pode passar sem registro que só advoga no Brasil quem tiver Diploma reconhecido pela nossa República e aprovação no nosso Exame de Ordem. Direito não é como Medicina. O corpo humano, seus sintomas e as doenças são iguais (ou quase) em todas as partes. As leis e seus sistemas, não. Ainda agora, apesar de começarem a se influenciar mutuamente, são muito diferentes.

Talvez, uma saída para se compor dificuldades, mas sem nunca abrirmos mão da reciprocidade, é a associação entre os escritórios nacionais e estrangeiros, que hoje, no entanto e com boas razões, se veda. Sem reciprocidade não é sequer possível pensar-se na celebração de associação entre escritórios nacionais e estrangeiros.

A interpenetração das economias e o processo de globalização tem claros reflexos no Direito. Não apenas pelo aspecto dos múltiplos tratados internacionais, pactos etc., mas pela própria apropriação e incorporação de institutos que antes só se viam na common law. Pode ser que num futuro não muito distante torne-se possível advogar tão bem em São Paulo quanto em Londres. Enquanto não acontecer, o melhor é termos regras claras para garantir condições adequadas de exercício e controle do exercício da profissão.

No mais, para os temerosos de novos tempos, é bom lembrar as palavras o vice-presidente do Conselho Geral da Advocacia Espanhola, Joaquim Garcia-Romanillos, que na já referida Audiência Pública promovida pelo Conselho Federal da OAB, salientou que “na regulamentação espanhola não existe obstáculo à colaboração entre as sociedades de advogados. Isso não resultou, contudo,  no desaparecimento dos escritórios de pequeno, médio e grande porte”, (…) apesar da abertura do mercado à iniciativa estrangeira, as quatro maiores bancas do país ainda são espanholas”[1]. Não será diferente aqui, pois sempre a Banca nacional, que tem experiência no trato das coisas e conhece a mentalidade reinante, despontará.

Pretender impor a ferro e fogo uma camisa de força à sociedade, restringindo os prestadores dos serviços jurídicos, por mero cartorialismo ou corporativismo nacionalista chega a causar náusea. Bastam-nos as ignominiosas acusações sobre o significado do Exame de Ordem.

Queremos por ora uma discussão clara, aberta e despida de nacionalismo/xenofobismo que, no mais das vezes, mal esconde a vontade de se manter o privilégio de uns poucos. Sim, queremos trabalho para todos os brasileiros e em condições dignas.


[1] Conjur em 8/5/12: “OAB discute associação com bancas estrangeiras”, por Rafael Baliardo.

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