Trabalho globalizado

Trabalhador transnacional se sumete a legislação local

Autor

15 de maio de 2012, 7h17

 Um cidadão chileno ganhou ação trabalhista contra empresa multinacional de fertilizantes, proposta na 4ª Vara do Trabalho de Florianópolis. No caso, que se distingue pelo fato do autor ter sido contratado no Chile, demitido naquele país, e, em seguida, designado para trabalhar no Brasil, onde também foi demitido, o autor pediu a nulidade de sua demissão com a reversão da justa causa e indenização por danos morais.

A questão mais complexa enfrentada pela juíza Ângela Konrath, que julgou o processo, não foi o mérito dos direitos trabalhistas nem da justa causa, mas a relação de trabalho transnacional com um grupo econômico que possui ramificações em vários continentes.

No entendimento da 4ª Vara do Trabalho de Florianópolis, o grupo empresarial que atua em diversos países deve garantir ao trabalhador a melhor proteção aos créditos que vão sendo adquiridos ao longo do tempo, nos diversos locais em que presta serviços e tem por marco de exigibilidade o local final da contratação.

O autor foi contratado em Santiago do Chile em março de 2008, pela Fertilizantes Compo Agro Chile Ltda., multinacional alemã que opera na área de vendas para a América Latina. Cerca de um ano depois foi designado para trabalhar no Brasil, em outra empresa do grupo, a Compo do Brasil S/A, na função de diretor-presidente. Na ocasião teve que rescindir o contrato de trabalho no Chile e formalizar outro com a empresa brasileira.

Em setembro 2010, foi despedido por justa causa, acusado de ter cometido várias irregularidades. Ajuizou ação trabalhista em Florianópolis, pedindo anulação da demissão e reversão da justa causa. Além disso, indenização por danos morais, alegando que as acusações são improcedentes.

Solicitou também o reconhecimento do contrato único com o grupo econômico e obrigação solidária das empresas e, em razão disso, os 24 dias de férias restantes do período trabalhado no Chile, o pagamento de bônus por sucesso e de bônus anual e a comprovação de recolhimento para o sistema previdenciário chileno.

Em sua defesa, a Compo alegou que a Justiça do Trabalho brasileira só poderia decidir sobre o contrato firmado e executado no Brasil. A juíza entendeu que, apesar da “lei do local da execução” do contrato de trabalho orientar a aplicação da lei trabalhista no espaço, “as particularidades de uma contratação mergulhada em práticas empresariais da economia de capital mundializado, impõem a incidência do princípio protetor em suas vertentes da norma mais favorável e da condição mais benéfica ao trabalhador.”

A sentença observa que a complexidade envolvida no trânsito de trabalhadores num mundo globalizado inspirou, inclusive, o recente cancelamento da Súmula 207 do Tribunal Superior do Trabalho, em 16 de abril último, que determinava a aplicação da legislação vigente no local da prestação do serviço aos trabalhadores que vão atuar no exterior.

No caso, não se trata de um trabalhador contratado num país para trabalhar em outro, mas sim da transferência concreta do empregado de um país para outro. Os atos formais de rescisão e contratação sucessivas entre o autor e o empreendimento econômico, segundo a magistrada, “destoam do que de fato ocorreu e acabam por suprimir direitos adquiridos na continuidade do vínculo laboral.” Além disso, contribuiu para seu convencimento o fato de que as próprias alegações da empresa, quanto aos motivos da ruptura contratual, centram-se em eventos ocorridos no Chile, antes mesmo da formalização do contrato no Brasil.

Para a juíza, o caso é exemplo de afirmação dos direitos sociais como mecanismo efetivador de um núcleo básico de direitos que assegurem meios objetivos de subsistência para o exercício da liberdade e da igualdade.

Nesse contexto, julgou Ângela Konrath “cede espaço o princípio da territorialidade reconhecido pela Convenção de Direito Internacional Privado de Havana (Código de Bustamante, de 1928), ratificada pelo Brasil (Súmula 207 TST). Adoto como parâmetro decisório o princípio protetor em suas vertentes da norma mais favorável e da regra de condição mais benéfica ao trabalhador, por aplicação analógica do artigo 3º, incido II, da Lei 7.064/1982, em desapego a lex loci executionis.”

Grupo econômico transnacional

Além da questão da lei aplicável à rescisão, ainda existia o problema da responsabilidade solidária que, na afirmação da juíza, parte da superação do aspecto meramente jurídico e formal de constituição das empresas para estabelecer responsabilidade entre empresas agrupadas, sendo irrelevante o fato de todas elas terem ou não se beneficiado diretamente do trabalho prestado ou mesmo figurado na lide.

O depoimento do preposto provou que as contratantes, tanto no Chile como no Brasil, integram grupo econômico gerido pela empresa-mãe alemã. Considerando que é a partir da realidade econômica que se estabelece responsabilidade, por incidência direta do princípio da primazia da realidade, a juíza declarou a responsabilidade solidária entre as duas. Assim, foi declarada a existência de contrato único entre o autor e o grupo econômico, desde sua contratação pela subsidiária chilena até a demissão pela brasileira. Isso porque a rescisão contratual formalizada no Chile “teve caráter meramente formal, desarticulado da realidade, que era a transferência do autor para empresa do mesmo conglomerado econômico no Brasil, conforme Ata de Assembleia datada de 04 de maio de 2009, que indicou o autor para o cargo de Diretor-Geral.”

Além das demais parcelas rescisórias, o grupo empresarial foi condenado a pagar indenização por danos morais, no valor de R$ 292 mil, honorários periciais, recolhimentos previdenciários do vínculo empregatício no Brasil, bem como a comprovar o pagamento das obrigações referentes à previdência chilena, sob pena de execução direta e repasse pela Justiça do Trabalho brasileira. A empresa propôs embargos declaratórios. Com informações da Assessoria de Comunicação Social do TRT-SC

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!