Eleições diretas

Conselheiro diz que contas da OAB não passariam no TCU

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14 de maio de 2012, 22h14

O ato de lançamento da campanha das Diretas Já para a escolha da diretoria nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que aconteceu nesta segunda-feira (14/5) na seccional do Rio de Janeiro, reuniu representantes de pelo menos cinco estados e transformou-se em um movimento altamente crítico à atual diretoria da instituição.

Membro do Conselho Federal como representante do Rio, o advogado Carlos Roberto Siqueira Castro foi contundente ao colocar em dúvidas as finanças da entidade. “Se o Tribunal de Contas da União fizesse um exame das contas da diretoria do Conselho Federal, talvez essas contas não passassem sob o crivo mais elementar da contabilidade pública. Não há, efetivamente, transparência, não há aquela governabilidade que encanta os olho dos democratas”, disse.

OAB/RJ
Diretas Já:- 14/05/2012 [OAB/RJ]Convocado pelo presidente da OAB do Rio, Wadih Damous (foto), o encontro que lotou o antigo plenário do Conselho Federal teve a participação do presidente da Ordem de Minas, Luiz Claudio Chaves, e do presidente da seccional do Pará, Jarbas Vasconcelos. Este deixou claro que o fato de o presidente nacional da entidade, Ophir Cavalcante, ser paraense, não gerou benefício à categoria em seu estado. “Trouxe muito mais problemas, muito mais desvantagens à advocacia do Pará”, afirmou.

Em momento algum se falou abertamente em candidatos à possível eleição direta, mas alguns discursos deixaram subentendido que o nome de Damous agradaria. Jarbas Vasconcelos, ao criticar o atual presidente da OAB nacional, defendeu que, para seu estado, seria melhor se tivesse “um presidente que fosse do Rio de Janeiro, bravo, destemido, que nas lutas por Direitos Humanos, nas lutas por Reforma Agrária, nos conflitos de terra, nos conflitos ecológicos no Pará, estivesse ao lado da advocacia, do povo do Pará e do povo da Amazônia”.

O presidente da Caixa de Assistência dos Advogados do Rio de Janeiro (Caarj), Felipe Santa Cruz, por sua vez lembrou o pioneirismo de Damous. “Várias vezes vi o presidente Wadih ser vanguarda. Com o presidente Wadih, neste plenário, na homenagem a dona Lida [secretária da OAB, morta com a explosão de uma bomba em 1980], cobramos a Comissão da Verdade e ela foi instaurada há uma semana, muito pelo trabalho do presidente Wadih à frente da nossa seccional. Ela é realidade porque Wadih não aceitou os que diziam, ‘ora, os crimes da ditadura estão no passado. Esquece isso, vamos passar a borracha’. Ele, desde o momento em que assumiu a presidência, não aceitou isto. Ser vanguarda é duro. É tomar pancada. Ir contra ao que está estabelecido é sempre uma luta”, disse.

Disputa interna
Durante o evento, o que mais se ouviu foram críticas à atual diretoria nacional da Ordem. Siqueira Castro acusou-a de manter “uma espécie de controle efetivo, por uma mão invisível, das seccionais que têm mais necessidade de apoio do Conselho Federal. Isso é trabalhado politicamente. Eu denunciei isso no Conselho Federal, disse que não é possível o dadivismo, as benesses, o nepotismo dentro do Conselho Federal. Essas seccionais de menor porte não precisam estar de pires nas mãos diante da diretoria do Conselho Federal. Elas têm o direito constitucional, legal, estatutário, de merecer um tratamento digno por parte da diretoria do Conselho Federal, às claras, à luz do dia, com transparência, o que não é feito”.

Bastante aplaudido, ele ainda afirmou não ter qualquer dúvida de “que, com o atual sistema eleitoral, Raimundo Faoro [presidente da OAB entre 1977 e 1979] hoje não seria eleito presidente do Conselho Federal”. Ainda lembrou que, ao assumir o cargo, Faoro já tinha uma biografia. Dez anos antes havia escrito “Os Donos do Poder, obra que pode ser ombreada às maiores relíquias das letras sociológicas e políticas do Brasil”. Siqueira Castro afirmou isso para dar ênfase ao seu alerta: “considero que, para se apresentar à classe dos advogados, o colega deve estar em condições de levar uma biografia para o Conselho Federal da OAB. Ele não deve ir para o Conselho Federal para formar uma biografia, muito menos para notabilizar-se profissionalmente”.

No início do ato, Wadih Damous ironizou a ausência dos dirigentes nacionais. “Os senhores dirigentes nacionais da OAB foram convidados, mas por um motivo talvez de força maior, enfim, por algum impedimento qualquer, não puderam estar presentes. Esperemos que, da próxima vez, se façam presentes, porque a lição da democracia é permanente e somos aprendizes dela no dia a dia. Ninguém está formado definitivamente na democracia.”

Segundo ele, o movimento está apenas começando. “Queremos que este ato se desdobre por todo o país. O que queremos é tirar da marginalização política, no âmbito interno da OAB, 700 mil advogados que não têm o direito de votar para presidente nacional da OAB e demais dirigentes nacionais”.

Citando a pesquisa Ibope encomendada pela OAB-RJ e feita em todo o país com os advogados, que resultou na aprovação de 84% da categoria em relação à eleição direta, ele rebateu afirmações de quem é contra a campanha. “Colegas de bancada do Conselho Federal, colegas do colégio de presidentes das seccionais, entendem que as eleições diretas seriam uma falsa democracia, porque os estados menores seriam esmagados pelos estados maiores, e que que os estados menores não teriam chance de eleger, de participar em igualdade de condições com Rio, São Paulo, Minas, naqueles em que trabalham grande parte da advocacia brasileira. Mas isso é uma falácia.”

Segundo a pesquisa, os estados onde mais se colheu depoimentos a favor das eleições diretas foram os das regiões Norte e Nordeste. O presidente da OAB-RJ concluiu que “os colegas dirigentes destes estados estão em descompasso com seus colegas e com seus representados, que querem democracia”.

Jarbas Vasconcelos reforçou a tese. “O Pará é um daqueles estados dos quais se diz ser contra a eleição direta porque a região vai perder investimento, vai perder orçamento, vai perder importância política, como se, nestes 80 anos de OAB, as OABs da Amazônia tivessem se tornado o paradigma das OABs nacionais.”

Ele lembrou que os advogados paraenses apoiam o voto direto da categoria “porque este sistema não nos garantiu, nem nos garante, maior participação, influência ou investimento. As OABs da Amazônia estão relegadas ao abandono, ao descaso. As OABs que têm as maiores estruturas são do Sul e Sudeste, onde está a maior parte da advocacia brasileira. Queremos um processo eleitoral transparente. Neste processo de eleições indiretas, onde se elege o presidente nacional da OAB atrás de conchavos, bastidores, nas coxias, qual estado ganha? Qual estado perde? Nós todos, do Pará, como do Rio ou do Rio Grande do Sul, perdemos. Todos nós advogados perdemos por ser um processo que se faz sem transparência alguma”.

Ao defender campanha feita junto à categoria, Vasconcelos mostrou a necessidade de os candidatos assumirem compromissos com a classe, o que hoje não ocorre. “Hoje, só quem sabe destes compromissos, no máximo, é o presidente, é o conselheiro federal. O resto da advocacia não sabe nada do que está acontecendo”.

O presidente da Ordem de Minas Gerais, Luiz Claudio Chaves, bateu na mesma tecla. “Qual é a promessa e o compromisso de campanha deles [atuais candidatos à presidência]? Nós, muitas vezes, não sabemos quais são esses compromissos, qual será o objetivo de gestão. A defesa da prerrogativa? A ênfase em uma campanha nacional pela ética profissional? Os advogados, que se constituem célula mater da entidade, são os últimos a saber efetivamente quais os objetivos de uma gestão federal. Enquanto que, na gestão estadual, somos colocados à prova de cada um desses advogados apresentando evidentemente os nossos compromissos de campanha e submetendo-nos ao voto de cada um dos advogados”.

O conselheiro federal baiano Luiz Viana citou versos do intelectual português Agostinho da Silva. “A favor do vento, todos o fazem. É preciso navegar contra o vento”, declamou. Em seguida, fez críticas à atual diretoria da OAB e seus conselheiros federais. “Nós temos navegado contra o vento da intolerância no Conselho Federal, contra o vento do medo do amanhã, contra o vento antidemocrático do Conselho Federal. Pode ser que Vossas Excelências não saibam, mas a elite política da OAB é muito conservadora. Conservadora demais. Eu acho que é possível ser conservador, mas alinhado a certos princípios. Não consigo entender como é que a nossa Casa, a Casa da Liberdade, a Casa que esteve à frente das Diretas Já no Brasil, pode ser majoritariamente contrária às Diretas Já na OAB. Não consigo entender como pode, a Ordem dos Advogados do Brasil, através de sua elite política, negar-se a fazer um plebiscito para consultar os advogados”.

Também estiveram no ato políticos como o senador petista Lindberg Farias, o deputado federal tucano Otávio Leite e o deputado federal Hugo Leal (PSC), autor do projeto de Lei em tramitação na Câmara que institui a eleição direta na Ordem. Ele, numa comparação, lembrou que manter o atual sistema é como se hoje se propusesse à população brasileira a eleição do presidente da República de forma indireta pelo Senado.

“No Senado, nós elegemos três senadores por estado, assim como o Conselho Federal três conselheiros para cada estado. É o mesmo que dizer que o Senado da República agora é que irá eleger o presidente da República, que o Senado tem muito mais condições de eleger o presidente da República do que a população porque o Senado conhece melhor o país e os estados estão representados ali. É uma excrescência do ponto de vista político, mas a linha lógica é essa”.

Falando em seguida, Lindberg não perdeu a oportunidade de ironizar o comentário de que os senadores estariam melhor preparados para escolher o presidente da República. “Não vou deixar de brincar e lembrar que os últimos presidentes do Senado foram ACM [Antônio Carlos Magalhães], Jader [Barbalho], Renan [Calheiros] e [José] Sarney”, disse.

Para o candidato à presidência da OAB-SP, Roberto Podval, que mesmo à distância comentou sobre o evento, “as eleições diretas para a OAB federal são um exemplo democrático. Cabe à sociedade civil o papel não só de cobrar atos decisivos e democráticos dos entes públicos, mas, mais do que isso, de praticá-los. E em nossa própria casa, a OAB”, disse.

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