Democracia judicial

Judiciário nem sempre garante direitos e liberdades

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11 de maio de 2012, 16h41

O modelo de Justiça política levado a cabo pelo sistema jurídico soviético durante a maior parte do século XX cedeu espaço para o atual, e quase mundialmente inquestionável, modelo de Justiça constitucional, ainda que desta “Justiça” não estejam apartados por completo os atores políticos, inclusive no sentido da política partidária. No Brasil, o próprio mecanismo de indicação política para a composição dos membros de nossa Corte Suprema, ao mesmo tempo em que confere um grau maior de legitimidade democrática às suas decisões, implica uma relação necessária de “confiabilidade política” entre o ministro indicado e o Presidente da República, fato que poderia ser minimizado a partir da adoção de critérios menos abstratos para a investidura no cargo.

Sob outro enfoque, a atuação político-parlamentar, hoje, no Brasil, deliberadamente, se nega a decidir questões fundamentais da cidadania por motivos de conveniência eleitoral, deixando para o Poder Judiciário o fardo de tomar decisões difíceis e altamente controvertidas, mais afeitas ao debate público e não judicial. O Supremo Tribunal Federal, atualmente no Brasil, não age como um trunfo contra as maiorias em defesa dos direitos fundamentais, característica essencial da Jurisdição constitucional, mas como uma “válvula de escape política” para as maiorias parlamentares. Cidadania vive de política, e esta, no Brasil, está corrompida, não apenas por políticos corruptos, mas também pelo Direito!

Este fenômeno de coarctação do espaço “autônomo” da política, lembrando aqui o tão controverso quanto genial constitucionalista alemão, Carl Schmitt, recrudesce-se no Brasil pela própria estrutura orgânico-normativa da Constituição Federal de 1988, cujo grau analítico instituiu, nas palavras de Miguel Reale, um verdadeiro “totalitarismo normativo”. Neste ambiente de extrema juridicidade normativa e, ao mesmo tempo, insólita apatia política, qualquer Tribunal Constitucional corre o sério risco de se arvorar, sob a insígnia da guarda da Constituição, em verdadeiro Ditador da Constituição.

O Poder Legislativo não pode ser compreendido como órgão de mera execução de norma constitucional, mas sim enquanto locus representativo dos mais plurais anseios e reivindicações populares, ainda que insertos no quadro normativo da Constituição. Neste sentido, uma postura deveras deferente do Poder Legislativo ao Poder Judiciário, em especial ao Tribunal Constitucional, retira da cidadania um importante espaço de deliberação política, asfixiando a democracia representativa e instaurando uma espécie de democracia judicial.

É de se referir, ainda, que a intervenção do Poder Judiciário nem sempre é garantia de efetividade de direitos e liberdades, bastando a referência à atuação da Suprema Corte norte-americana no início do século XX, modelo de exportação do judicial review. A atuação da Supreme Court teve um conteúdo flagrantemente anti-democrático e conservador; prova desta asserção, à evidência, é o multicidado caso Plessy v. Fergusson, ratificador da segregação racial nos Estados Unidos durante metade do século passado, através da teoria separate but equal.

Ainda que possamos pugnar pela atuação ativa do Poder Judiciário em certos âmbitos da vida política e social, em especial no cumprimento judicial de políticas públicas já pré-estabelecidas no âmbito da Administração Pública e nas instâncias do Poder Legislativo, o que, em regra, se verifica no contexto da chamada “judicialização” dos direitos sociais no Brasil, e até mesmo da aplicação direta e imediata de preceitos constitucionais, especialmente no âmbito dos direitos e garantias fundamentais, uma postura extremamente deferente do Poder Legislativo ao Tribunal Constitucional, principalmente por motivos de conveniência político-eleitoral, não se coaduna com a real função constitucional que este deve desempenhar e nem tampouco com a construção de uma sociedade livre, plural e democrática.

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