Liturgia do cargo

Desembargador cobra respeito a ex-presidentes

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8 de maio de 2012, 22h01

Em julgamento ocorrido nesta terça-feira (8/5), a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 2ª Região confirmou liminar suspendendo a convocação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para prestar depoimento como testemunha em processo “filho” da Ação Penal que corre no Supremo Tribunal Federal, sobre o esquema do mensalão. Na votação, porém, o que chamou a atenção não foi o bem fundamentado voto do relator, desembargador Messod Azulay Neto, mas seu desabafo a respeito da convocação do ex-presidente para depor. Clique aqui para ler.

O desembargador se disse entristecido como cidadão por notar que os brasileiros não valorizam o patrimônio nacional e suas instituições, como os ex-presidentes. Ele se queixou de comentários na imprensa que o acusaram de beneficiar o ex-presidente ao, monocraticamente, ter suspendido a convocação de Lula.

“Não se está privilegiando ninguém. Estaria se privilegiando alguém que está respondendo a processo criminal ao se trazer o ex-presidente da República para prestar um depoimento sobre uma história com a qual ele não tem nada a ver. Aí sim se estará jogando para a mídia, ou atendendo aos apelos de uma ação protelatória”, esclareceu.

Como a ConJur noticiou, o ex-presidente foi arrolado como testemunha de defesa pelo ex-procurador da Fazenda Nacional, Glênio Sabbad Guedes, que responde em ação penal por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e sonegação fiscal.

Guedes é acusado de receber do publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza e de seus sócios Rogério Lanza Tolentino e José Roberto Moreira de Melo propinas em troca da emissão de pareceres que resultariam no cancelamento de multas a instituições financeiras, notadamente o Banco Rural, no Conselho de Recurso do Sistema Financeiro Nacional (CRSFN), conhecido como "Conselhinho".

No Mandado de Segurança, os advogados do ex-presidente — representado pelo escritório Teixeira, Martins & Advogados — disseram que ele “não tem qualquer relação pessoal com o réu, bem como desconhece quaisquer dos fatos discutidos na referida ação penal”. Alegaram ainda que “sua intimação para testemunhar se deu com base em uma declaração subjetiva divulgada na imprensa, na qual afirmava que ‘o mensalão nunca existiu’”, como relatou Azulay Neto.

O desembargador concedeu a liminar, decisão que gerou um Agravo Interno do Ministério Público Federal, assinado pela procuradora regional da República Mônica de Ré. Impetrado na segunda-feira (7/5), o Agravo foi levado a julgamento nesta terça (8/5) pelo relator que, respaldado pelo Regimento Interno do TRF-2, não o conheceu. No entanto, ele fez questão de, de ofício, submeter à apreciação da turma a liminar concedida. Por unanimidade, a liminar foi confirmada.

Em seu voto, Azulay Neto explicou ter suspendido a convocação de Lula como testemunha por entender, tal como já havia feito o juiz Roberto Schuman, da 3ª Vara Federal Criminal do Rio, ser “flagrante a ausência de razoabilidade do precedente que se abriria com o arrolamento do ex-mandatário-mor da República como testemunha, em razão da declaração opinativa, genérica, prestada em veículo de mídia”.

O desembargador lembrou, inclusive, da conhecida máxima “segundo a qual as testemunhas devem se manifestar sobre fatos positivos, específicos, relativos à ação penal, e não sobre questões de ordem subjetiva, ou permitir opiniões, ou fazer meras conjecturas acerca dos fatos que se pretende esclarecer”.

Ele afirmou que democraticamente respeitava a opinião do Ministério Público, que defendeu “não haver qualquer impedimento para a oitiva do impetrante, nem mesmo para a sua exclusão no rol de testemunhas e que a exclusão da mesma viola o principio da ampla defesa e do contraditório”. No entanto, criticou a iniciativa. Lembrou, por exemplo, que no processo principal do “mensalão”, o “Supremo Tribunal Federal não convidou o presidente da República para falar. O Ministério Público não convidou o presidente da República para falar. Por que o Ministério Público está achando que aqui ele deve falar?”, questionou. “Isto, na minha visão, revela imaturidade política do país. Infelizmente, o Ministério Público entrou com este Agravo Interno.”

“Infelizmente, observo que não estamos em um nível de maturidade, ainda, das nossas instituições, a ponto de valorizarmos o que é nosso, o nosso patrimônio. Gostemos ou não de Fernando Henrique, ele é ex-presidente. Gostemos ou não do Collor, ele é ex-presidente. Gostemos ou não do Lula, ele é ex-presidente. Além de tudo, é uma figura que, todos nós sabemos, tem carisma. Ora, que maravilha colocar um ex-presidente carismático para falar em videoconferência como testemunha de um fato! Realmente, este é um desabafo de alguém ao observar que a postura não prezou pelas nossas instituições mais importantes, que devemos prezar”.

Azulay Neto insistiu. “Não é o Lula, não é Luiz Inácio Lula da Silva. É o ex-presidente da República. Nos Estados Unidos, o Bill Clinton continua reverenciado porque não se trata de um qualquer, se trata de um ex-mandatário-mor da Nação. Esta é que é a questão. Infelizmente, aqui, este aspecto não está sendo observado”.

No seu entendimento, se houvesse uma justificativa plausível, o ex-presidente deveria ser intimado a prestar depoimento. Mas, no caso, Lula nada acrescentaria ao processo.

“Qual a justificativa, qual o fundamento para ele ser chamado a depor? Nenhum. O único motivo é para que o réu não alegue cerceamento de defesa”, explicou, revelando ter sido essa a justificativa apresentada pelo juiz Gustavo Pontes Mazzocchi, que reviu a decisão de Schuman e mandou intimar o ex-presidente, abrindo a possibilidade de ele depor por videoconferência.

“Fico imaginando se todos, agora, em qualquer desvio de conduta que houvesse no âmbito da administração pública, resolvessem convocar ou convidar um ex-presidente da República, um ex-ministro do Supremo Tribunal, para prestar esclarecimentos. Fraudes contra o INSS ocorrem todos os dias. Julgamos aqui. Então, vamos agora convidar os ex-presidentes da República para explicar o porquê das fraudes, como se eles pudessem esclarecer algum tema, algum fato atinente a este tipo de conduta? Evidentemente que não é possível”.

Na preliminar do julgamento, Azulay Neto propôs — o que 2ª Turma acatou por unanimidade — o levantamento do sigilo que existia no processo. Segundo explicou, o Mandado de Segurança só corria em segredo de Justiça por estar em segredo o processo de origem. Na 3ª Vara Federal, entretanto, só estão em segredo os documentos com sigilo, como extratos bancários e grampos telefônicos feitos na investigação com autorização judicial. As decisões são públicas e aparecem no andamento do processo na página da Justiça Federal na internet. Já na página do TRF-2, até a noite desta terça-feira, o andamento processual da ação continuava em segredo.

A confirmação da liminar também foi por unanimidade. Mas, ao contrário da juíza federal convocada Marcia Cunha, que acompanhou totalmente o voto do relator, a presidente da Turma, desembargadora Liliane Roriz, deixou claro que acompanhava o relator dada a premência de manter suspensa a intimação, mas que no julgamento do mérito irá decidir “se há ou não algum ato contrário às normas processuais penais com esta decisão proferida pelo eminente juiz de primeiro grau”.

Leia o desabafo feito pelo desembargador Messod Azulay Neto ao final da leitura do seu voto.

“Também gostaria de finalizar com algumas considerações que me parecem relevantes, já que o Agravo Interno partiu do Ministério Público Federal. Confesso que estou entristecido de saber que, no nosso país, ainda não se respeita plenamente as instituições, seja de natureza cultural, de natureza artística, patrimonial, institucional, de qualquer natureza. Isto demonstra que nós precisamos de algum tempo para que nossas instituições amadureçam no âmbito democrático.

Nós, aqui, estamos aplicando o Direito. Eu considero que estou aplicando duplamente o Direito. Está havendo uma confusão com a aplicação do Direito e a proteção de um cidadão. O ex-presidente da República, em qualquer lugar do mundo, não é uma pessoa comum. Ex-presidentes da República nos Estados Unidos, ou nas grandes democracias ocidentais, pelo menos, assim como a nossa, são tratados como um patrimônio. Eles fizeram a história do nosso país. Ainda mais este. Eu não quero entrar no mérito se gosto dele, ou não gosto dele. Isto é outro problema. Agora, ele é o ex-presidente da República, não é o José Manuel, que pode ser chamado por qualquer um a sentar na cadeira da Justiça e responder por qualquer coisa. Não se trata de alguma coisa necessária. Se fosse necessária, ele sentaria. Agora, qualquer um chamar, por qualquer razão, o ex-mandatário-mor da Nação para prestar um depoimento é desconsiderar a importância de uma instituição que é um ex-presidente da República.

Eu acho, senhora presidente, que o ex-presidente da República tem que ser tutelado pelo Estado, como é tutelado pelo Estado. Quando ele deixa a Presidência da República, o Estado continua pagando a ele, coloca à disposição dele seguranças. Não somos nós que colocamos, é a instituição. Não é o Lula, não é Luiz Inácio Lula da Silva, é o ex-presidente da República. Nos Estados Unidos, o Bill Clinton continua reverenciado, porque não se trata de um qualquer, se trata de um ex-mandatário-mor da Nação. Esta é que é a questão. Infelizmente, aqui, este aspecto não está sendo observado. Eu acho que se ele faz parte ou não da nossa história, não está sendo levado em conta aqui.

Qual a justificativa, qual o fundamento para ele ser chamado a depor? Nenhum. O único fundamento é para que o réu não alegue cerceamento de defesa, pelo segundo juiz, porque o primeiro juiz entendeu que não era o caso.

Fico imaginando se todos agora, em qualquer desvio de conduta que houver no âmbito da administração pública, resolvessem convocar ou convidar o ex-presidente da República, um ex-ministro do Supremo Tribunal, para prestar esclarecimentos. Fraudes contra o INSS ocorrem todos os dias, julgamos aqui. Então, vamos agora convidar os ex-presidentes da República para explicar o porquê das fraudes, como se eles pudessem esclarecer algum tema, algum fato atinente a este tipo de conduta? Evidentemente que não é possível.

Isto, na minha visão, revela imaturidade política do país. Infelizmente, o Ministério Público entrou com este Agravo Interno. Respeito totalmente a posição, acho que a posição em um país democrático tem que ser respeitada, tanto é que estou aqui trazendo para julgamento, não esperei para trazer na semana que vem, recebi ontem e trouxe hoje para que não dissessem que a minha liminar está sendo cumprida por uma decisão minha, particular. Quero que o colegiado aprecie. Submeto ao colegiado.

Me entristecem os comentários que vi na imprensa de que está sendo privilegiado o ex-presidente da República. Por duas razões, primeiro porque não há segredo de Justiça e nunca houve. Eu acho que a obrigação da imprensa é dar o fato verdadeiro. O fato verdadeiro é que nunca houve, não foi decretado o segredo de Justiça.

Segundo, não se está privilegiando ninguém. Estaria se privilegiando alguém que está respondendo a processo criminal ao trazer o ex-presidente da República para prestar um depoimento que ele não tem nada a ver com a história. Aí sim, estará se jogando para a mídia, ou atendendo aos apelos de uma ação protelatória. Isto sim.

Tenho 22 anos de advogado e estou há sete anos como magistrado. Todas as vezes que se buscava trazer o presidente de uma grande empresa para responder sobre um fato relativo ao consumidor para prestar depoimento, os tribunais jamais permitiam que isto acontecesse. Porque, evidentemente, o presidente de uma grande empresa não tem condições de saber o que ocorre no âmbito de um consumidor. Imagina o presidente da República no âmbito de supostos desvios — porque este processo ainda não foi julgado, não sei qual o desfecho dele — se ele tem condições e conhecimento de dizer o que aconteceu ali.

E qual o argumento que está sendo dito aqui? Porque não existe o “mensalão”. O Supremo Tribunal Federal não convidou o presidente da República para falar. O Ministério Público não convidou o presidente da República para falar. Por que o Ministério Público está achando que aqui ele deve falar?

Isto, realmente, me entristece como cidadão brasileiro. Infelizmente eu observo que não estamos em um nível de maturidade, ainda, das nossas instituições, a ponto de valorizarmos o que é nosso, o nosso patrimônio. Gostemos ou não de Fernando Henrique, ele é ex-presidente. Gostemos ou não do Collor, ele é ex-presidente. Gostemos ou não do Lula, ele é ex-presidente, além de tudo é uma figura que todos nós sabemos, tem carisma. Ora, que maravilha colocar um ex-presidente carismático para falar em videoconferência como testemunha de um fato. Realmente é um desabafo de alguém ao observar que a postura realmente não prezou pelas nossas instituições mais importantes que devemos prezar.

Então, senhora presidente, com estas orientações, pedindo a vênia talvez pelo excesso meu cometido, mas às vezes precisamos fazer, eu não conheço do Agravo. É um Agravo que, aliás, foi interposto sem previsão legal. Isto me entristeceu mais ainda. Não há previsão legal e o Ministério Público sabe que não há previsão legal para isto. Não há previsão legal para a interposição deste Agravo, mas ele foi interposto assim mesmo. Mas lá no Supremo, ele não está lá. No Supremo Tribunal Federal, o Lula não está arrolado e o Ministério Público podia arrolar por lá. Por que não o fez?

Então, por ausência de previsão legal, eu não conheço do Agravo. E, de ofício, trago para referendar a liminar nos exatos termos que deferi. É como estou votando, senhora presidente.”

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