Bebida e direção

Audiência pública no STF sobre Lei Seca foca em números

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7 de maio de 2012, 21h59

Dados revelam que morrem no Brasil, anualmente, de 50 mil a 60 mil pessoas vítimas de acidentes de trânsito. Em média, metade dos acidentes é causada por motoristas sob a influência de álcool. Outra 180 mil pessoas não morrem, mas ficam com sequelas irreversíveis por contaa da violência no trânsito. A audiência pública feita nesta segunda-feira (7/5) pelo Supremo Tribunal Federal para discutir a Lei 11.705/2008, a chamada Lei Seca, seguia assim, com números frios apresentados e alguns poucos argumentos jurídicos até o último palestrante.

A rotina foi quebrada pelo carioca Fernando Diniz, pai de Fabrício, da Associação de Parentes, Amigos e Vítimas de Trânsito. Em um depoimento emocionado, com a foto do filho morto em um acidente de trânsito, aos 21 anos, em 2003, Diniz foi o último a falar. E encerrou seu depoimento com um vídeo da banda Simple Plan, que na música Untitled retrata uma família destruída por um acidente de carro. O depoimento deixou o ministro Luiz Fux, que presidiu a audiência, com os olhos marejados.

Depois de uns momentos em que deixou o plenário emocionado, Fux voltou para falar que considerou a audiência produtiva e repetiu que, na sua concepção, a política tem de ser de tolerância zero no que diz respeito à combinação de bebidas alcoólicas e direção. O ministro ressaltou, contudo, que não é apenas isso que está em discussão. Como registrou o ministro, muitos entendem que a criminalização não é o meio dissuasório mais eficaz e é preciso analisar, também, a questão de o cidadão produzir prova contra si mesmo.

No começo da audiência, aberta pelo presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, Luiz Fux ressaltou que o objetivo não era discutir aspectos jurídicos da lei, mas possibilitar aos ministros um conhecimento interdisciplinar que lhes dê uma visão técnica do assunto. O ministro leu, antes de passar a palavra aos expositores, uma carta enviada pelo médico Drauzio Varella, que não pôde comparecer à audiência.

Segundo o médico, a Lei Seca “é um favor que se presta ao trânsito brasileiro”. Varella atacou o argumento segundo o qual a lei traz danos econômicos e retração na geração de empregos no setor de bebidas. Para o médico, em um raciocínio irônico, também há queda no emprego de paramédicos e motoristas de ambulâncias que socorrem os bêbados, mas nem por isso deve-se permitir a combinação de bebida alcoólica e direção.

Das 12 pessoas que expuseram dados e opiniões sobre a Lei Seca, nove se mostraram favoráveis à norma e três, contra. O advogado Rogério Taffarello, que representou o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim), trouxe argumentos jurídicos à discussão baseada em números e outros dados. Ele registrou que todos se preocupam com a segurança no trânsito, mas que a melhor forma de garanti-la não é atropelando a Constituição Federal.

“A julgar pela redação da lei, torna-se uma imposição do Estado ao cidadão que ele se submeta ao teste do bafômetro. Mas a Constituição garante o direito ao silêncio, que é corolário do direito de não produzir prova contra si”, afirmou. Taffarello lembrou aos presentes que, em regra, o cidadão costuma se identificar com a vítima, mas que é necessário se ver também como acusado. O advogado ainda registrou os abusos cometidos por policiais que impõem o uso do bafômetro e lembrou que essa imposição se traduz em um vício de consentimento que leva a uma “condenação criminal injusta com base em uma prova colhida ilicitamente”.

O advogado Percival Maricato, que representa a Associação Brasileira de Restaurantes e Empresas de Entretenimento (Abrasel), autora da ação contra a Lei Seca, afirmou que “o Estado sempre foi omisso no que diz respeito à segurança no trânsito e, quando resolve agir, se torna o mais draconiano dos legisladores”. De acordo com o advogado, até nos Estados Unidos, país em que, segundo ele, são admiradas as políticas de segurança viária, não existe uma norma que estabeleça tolerância zero como a brasileira. “Há falta de razoabilidade”, disse.

Lei pela vida
O autor do projeto que se transformou na Lei Seca, deputado federal Hugo Leal (PSC-RJ), fez um histórico da Lei 11.705/2008. Lembrou que o Decreto-Lei 3.651/1941 já previa a apreensão da habilitação. Anos depois, a Lei 5.108/1966 proibia a ingestão de bebida alcoólica antes de dirigir até que o Código Nacional de Trânsito atual, a Lei 9.503/1997, tornou crime beber e dirigir.

A Lei Seca surgiu da Medida Provisória 415, de janeiro de 2008, que restringia a venda de bebidas alcoólicas nas rodovias federais. Hugo Leal relatou o Projeto de Lei de Conversão da MP, que se transformou na atual norma. O deputado trouxe dados do impacto da lei. De acordo com números do Sistema de Informação de Mortalidade do Ministério da Saúde, em 2008 morreram 38.273 pessoas em acidentes de trânsito. Em 2009, com a regra em vigor, as mortes caíram para 37.549. Em 2010, aumentaram de novo, para 40 mil, mas o deputado atribuiu o aumento à proliferação de motocicletas.

O advogado-geral da União, Luís Inácio Adams, disse que não foi à toa que a Organização Mundial de Saúde e a Organização das Nações Unidas exortaram os países a promover políticas de segurança no trânsito. “Não é pequeno o número de mortos e feridos a cada ano, dos qual a maior parte decorre da embriaguez”, disse Adams. Segundo o AGU, “o uso do carro é uma atividade regulada”. Ou seja, não é qualquer pessoa que pode dirigir. E, quem pode, tem de se submeter às restrições que esse direito traz. “Quem dirige embriagado não coloca uma arma apenas para o próprio rosto, mas a aponta para todos aqueles que trafegam”.

O professor de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro José Mauro Braz Lima disse que o Brasil é o primeiro produtor mundial de bebida destilada e terceiro maior produtor de cerveja. “Bebemos muito. Não se trata de demonizar a bebida alcoólica, mas de ter estes dados em mente para tomar medidas de prevenção e evitar os problemas, educar, informar”, afirmou. De acordo com o médico, de 30% a 40% dos atendimentos em emergências de hospitais estão ligados a acidentes de trânsito. Mais de 50% envolvem o consumo de álcool. “A segunda causa de morte violenta no país são os acidentes de trânsito. É preciso conscientizar sem demonizar”.

O diretor de policiamento e fiscalização do Detran-DF, Nelson Leite Junior, disse que, segundo dados da OMS, 1,2 milhão de mortes são provocadas por acidentes de trânsito no mundo. De acordo com o agente, em 2005, em Brasília, 54% das vítimas fatais tinham álcool no sangue.

Constitucionalidade da lei
O ministro Luiz Fux disse esperar que a ação da Abrasel contra a Lei 11.705/2008 seja julgada ao final do segundo semestre. Na próxima segunda-feira (14/5), o ministro presidirá mais uma audiência (veja abaixo a lista de participantes). Pessoalmente, Fux já disse ser adepto da teoria da tolerância zero no que diz respeito ao tema. Para o ministro, o lema “se beber, não dirija” deve ser levado ao pé da letra.

Mas ele afirma que deve ser considerado o amplo aspecto que a questão envolve, da proteção à vida e à livre iniciativa empresarial no caso de bares e restaurantes que comercializam bebidas alcoólicas. O ministro afirma que se deve observar na decisão, além de seus aspectos jurídicos, a “vontade responsável” da sociedade sobre o tema. “A audiência deve suprir a falta de capacidade institucional do Judiciário para deliberar sobre a questão”, afirmou.

Desde sua sanção, em 2008, a Lei Seca já rendeu muitos debates. No mês passado, o Superior Tribunal de Justiça decidiu que apenas bafômetro ou exame de sangue podem atestar o estado de embriaguez de um motorista. Para a maioria dos ministros, como a lei define especificamente o grau de alcoolismo no sangue para que se verifique a embriaguez, não é possível aferir que o motorista dirige bêbado com outros meios de prova.

O Supremo discute o tema na Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.103, ajuizada pela Abrasel logo após a sanção da lei. Na ação, a associação sustenta que a norma prejudica os lucros dos estabelecimentos que vendem bebidas alcoólicas e os empregos gerados diretamente pelo setor.

A Abrasel alega, ainda, que a Lei Seca traz conteúdo abusivo e inconstitucional que atenta contra as garantias e as liberdades individuais, principalmente ao dizer que qualquer concentração de álcool no sangue sujeita o condutor a penalidades. A lei impede a venda de bebidas alcoólicas em rodovias federais.

Confira a relação dos participantes da segunda audiência pública:

Segunda-feira, 14 de maio

Federação Brasileira de Hospedagem e Alimentação
Federação Nacional dos Policiais Rodoviários Federais
Detran do Acre
Associação Brasileira de Medicina de Tráfego
Programa Vida Urgente, da Fundação Thiago Gonzaga
Ministério da Justiça
Associação Nacional dos Defensores Públicos
OAB do Pará
Ministério Público do estado do Paraná
Conselho Regional de Medicina do Paraná
Fundo Municipal de Trânsito
Coordenação Geral da Operação Lei Seca no Rio de Janeiro
Sindicato de Hotelaria e Gastronomia de Porto Alegre/Sindicato de Bares e Restaurantes do ES/ Sindicato de Bares e Restaurantes de SP
Departamento de Polícia Civil do DF
Associação Brasileira de Psiquiatria
Ministério da Saúde

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