Profissão perigo

Juíza do Trabalho enfrenta lama e dribla ameaças

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5 de maio de 2012, 5h02

Leonardo Medeiros
Karina Rigato - 04/05/2012 [Leonardo Medeiros]Quando soube que seria transferida para Colniza, em Mato Grosso, a juíza do Trabalho Karina Rigato (foto) recebeu conselhos como levar “jagunços” para sua segurança e fazer aulas de tiro para se defender. O local é conhecido pela violência em seus conflitos agrários. Quando a diretora de vara chegou à cidade, um mês antes da juíza, homens a abordaram no hotel onde estava “em tom ameaçador” para questionar sua presença na cidade, sugerindo que o Judiciário teria ido ao local para fechar fazendas e madeireiras. A solução encontrada pela juíza de 30 anos foi buscar o diálogo. Sem jagunços ou armas, ela diz que hoje mantém bom relacionamento com patrões e empregados. É procurada, inclusive, para resolver todos os tipos de problemas, de questões trabalhistas a divórcios.

A vara do Trabalho em Colniza foi inaugurada em dezembro de 2011. Karina chegou lá como juíza titular em janeiro deste ano. Sua primeira meta foi conhecer a jurisdição e, em cinco meses, já foi a 13 cidades no interior de Mato Grosso. Para isso, passa dias viajando por estradas de terra, atolando e desatolando veículos, andando por matas fechadas e levando comida para o caso de ter de acampar. Ela mostra cicatrizes nas mãos que ganhou ao arrancar toras da floresta para colocar embaixo de um carro atolado.

Na primeira vez que viajou ao interior, Karina conta ter ido de salto alto e maquiagem, pronta para a audiência, sem saber que seria forçada a descer do carro na lama para desatolar sua caminhonete. Hoje, as botas são parte do seu uniforme de viagem.

Com cartilhas sobre a Justiça, ela visita serrarias — a principal atividade econômica da região é a madeireira —, convocando trabalhadores e patrões. Além da distribuição do material, ela faz palestras sobre direitos e deveres básicos de empregados e empregadores e atende ao público. “É impressionante a quantidade de empregadores que comparecem, a princípio apreensivos, com pedras nas mãos e carrancudos, mas que, depois, começam a tirar dúvidas sobre como devem agir”, conta.

A disposição a levou a distritos onde nenhum outro órgão da Justiça havia chegado. Segundo ela, a juíza estadual responsável pela região acumula, além da boa vontade, 12 mil processos, o que faz com que sua presença nas cidades seja “humanamente impossível”. Com esse quadro, a falta de estrutura do Judiciário resulta na falta de conhecimento da população sobre sua atuação. 

Karina Rigato
Estrada de terra - 04/05/2012 [Karina Rigato]

Por isso, questões como separação de bens em divórcios, pagamento pensão alimentícia e até disputa por terras chegam à mesa da juíza do Trabalho. “As pessoas pensam que, sendo juíza, é o meu dever resolver tudo”, diz. Sem jurisdição sobre todas as questões, ela afirma tentar resolver os conflitos, como conciliadora, sempre explicando que não poderá julgar o caso. “Falo como se fosse uma amiga.”

Um dos pontos memoráveis de suas “aventuras” foi a ida ao distrito de Guatá, que fica a 370 km da cidade em que a vara foi implantada. “A gente tinha viajado por dois dias e, faltando 14 km para chegar, uma ponte estava caída — ponte que consiste em duas toras, uma para cada fileira de rodas da caminhonete. Sugeriram que voltássemos, mas eu disse que, já que tínhamos chegado até ali, tínhamos que seguir.” Continuaram o caminho a pé e, do outro lado da ponte, pegaram uma caminhonete emprestada em uma madeireira e seguiram viagem. (Na foto acima, uma das estradas pelas quais a juíza passa para visitar as comarcas.)

O motivo de fazer o que faz, diz, é a reafirmação de sua vocação. “É uma satisfação imensa chegar a lugares tão distantes. Mal acredito que depois de dois meses consegui chegar a lugares em que a Justiça nunca havia chegado”, orgulha-se. 

Quanto aos empresários, que há seis meses eram tão resistentes à chegada da Justiça do Trabalho, a juíza conta serem hoje eles que a chamam para fazer palestras para seus funcionários, esclarecendo direitos e deveres, como a necessidade do uso do Equipamento de Proteção Individual, o EPI. Como ensina a juíza, apesar de a proteção ser motivo de reclamação de trabalhadores das madeireiras, evita acidentes. (Na foto abaixo, Karina ministra palestra aos trabalhadores.)

Karina Rigato

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