Cultura sólida

Banca Dewey & LeBoeuf está na iminência de falir

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5 de maio de 2012, 7h14

Os problemas da banca Dewey & LeBoeuf, nos Estados Unidos, seguem se acirrando a cada dia conforme revela uma estridente cadeia de notícias, a maioria fornecida por fontes anônimas, ex-profissionais da banca. A cada hora, renovam-se as “notícias de última hora” na imprensa especializada em advocacia e negócios nos EUA sobre a perspectiva agonizante enfrentada pela Dewey & LeBoeuf.

As duas últimas informações, a primeira delas já confirmada, dão conta da saída do chefão da área de aquisições e fusões, Morton Pierce, e do encerramento das atividades da Dewey em, no máximo, 10 dias. Morton, que foi presidente da Dewey Ballantine, uma das bancas que formou a Dewey & LeBoeuf, está de mudança para a White & Case, de Nova York. Com ele, vão junto a sócia Denise Cerasini, que cuidava da prática corporativa, além de outros sete sócios, todos da sede em Nova York direto para a matriz da White & Case na cidade. Fontes, de dentro da Dewey, garantiram a jornalistas americanos nesta semana, que a banca fecha suas portas, em definitivo, no dia 15 de maio, senão antes.

O mercado jurídico norte-americano discute perplexo até que ponto o ocaso da Dewey & LeBoeuf é singular ou ilustrativo dos piores vícios da advocacia no país, regida pela alta competitividade voltada para resultados financeiros e um mercado paralelo de recrutamento de sócios que promove contratações laterais milionárias, sem maiores valores agregados além da alta expectativa pela realização de negócios.

“Um altíssimo senso de urgência tomou a Dewey & LeBoeuf na terça-feira ao passo em que advogados e funcionários remanescentes despertaram para confrontar a perspectiva sombria de que o fim está realmente próximo para uma empresa cujas raízes remontam a mais de um século”, dizia artigo publicado no The AmLaw Daily, boletim online da revista The American Lawyer, esta semana.

No Brasil, o caso é acompanhado com atenção, e a conclusão parece apontar para que a crise na banca está relacionada à adoção de um modelo excessivamente agressivo de geração de negócios. “O risco aumenta na medida em que todo o pacote de remuneração está atrelado à captação de clientes”, observou o advogado Alexandre Bertoldi, sócio-gerente da Pìnheiro Neto Advogados, à Consultor Jurídico.

De acordo com Bertoldi, hoje em dia, é evidente a tensão entre dois modelos de gestão de bancas, um deles cuja política de remuneração é voltada apenas para a expectativa de atrair-se cada vez mais clientes, e outro em que é estimulada a colaboração entre sócios a despeito de uma agressividade imoderada na captação de negócios.

“Em oposição ao modelo lockstep (baseado na colaboração entre profissionais), o modelo mais comum nos Estados Unidos, com exceção das firmas mais tradicionais e estabelecidas, é o que chamamos de “eat what you kill” (coma o que matar), onde a remuneração está diretamente relacionada ao que você pode trazer de negócios para a empresa”, disse Bertoldi.

“Esse sistema é melhor para firmas que precisam crescer, que não têm tanta reputação, porque força os sócios a sairem às ruas para buscar clientes e mais oportunidades. No primeiro modelo, você tem uma remuneração mais previsível, mais equilibrada. Idealmente, nesse caso, o sócio que ganha mais recebe de 3 a 4 vezes mais que os outros. No segundo sistema, a variação é enorme, podendo ser de 12, 15 vezes mais”, observou.

Para Bertoldi, o aconselhável seria criar um equilíbrio entre os dois sistemas, desenvolvendo uma cultura de colaboração entre os sócios e ao mesmo tempo garantir uma rentabilidade média para a firma. “É isso o que as firmas brasileiras têm procurado fazer”, disse. “Com as bancas que dependem muito do sócio, em que este é muito bem remunerado apenas em virtude dos negócios que gera, e que oferecem bônus garantidos nas contratações laterais, é fácil ficar vulnerável a problemas como no caso da Dewey Le Boeuf”, avaliou.

“Para atrair o sócio de outra banca, é prometido um pacote de remuneração que tem bônus garantido, não dependendo do que o sócio faça ou deixe de fazer. Numa virada de economia ou caso o profissional não corresponda às expectativas, sobra a conta a pagar, só que sem a contrapartida, que é o ingresso dos honorários que o sócio potencialmente traria”, observou Bertoldi.

A informação de que a Dewey Le Boeuf vai fechar as portas nos próximos dez dias foi negada pelo porta-voz da empresa, mas assegurada por fontes anônimas, familiarizadas com o que ocorre dentro da firma. O número de sócios perdidos agora já se aproxima de 100. A agência Reuters noticiou, na quinta-feira (3/5), que os credores da Dewey concederam um prazo de duas semanas para a banca renegociar sua dívida.

Em entrevista ao The New York Times DealBook, Michael H. Trotter, advogado corporativo há cinco décadas, sócio da banca Taylor English Duma, de Atlanta, Georgia, e autor de dois livros sobre gestão de firmas de advocaica, disse que “caçar sócios de bancas concorrentes oferecendo contratos plurianuais e milionários foi uma estratégia muito arriscada” assumida pela Dewey & Le Boeuf.

Para o sócio-gestor da Pinheiro Neto Advogados, Alexandre Bertoldi, em tempos de crise, estratégias como esta caem por terra. “A base de lucratividade das firmas, principalmente as estrangeiras, está caindo, os custos aumentaram e há uma pressão muito maior por honorários” afirmou.

“Em bancas com uma cultura mais fraca, em que o único atrativo é o salário, é mais fácil o sócio trocá-la pela melhor oportunidade de receber mais. O antídoto é estabelecer um pacote de remuneração razoável, que equilbre elementos de fidelidade e performance e também contar com uma cultura forte para que o profissional não valorize apenas os ganhos, entendendo que há outros benefícios além de vantagens momentâneas ou remuneração um pouco mais alta no fim do ano", avaliou.

Fundada em 2007, a Dewey & LeBoeuf surgiu da fusão entre as bancas Dewey Ballantine e a LeBoeuf, Lamb, Greene & MacRae. A primeira foi fundada em 1909 por três advogados recém-formados em Harvard: Grenville Clark, Francis W. Bird e Elihu Root, Jr., este último filho do senador Elihu Root, que ocupou ainda os postos de Secretário de Guerra (1899-1904) e de Secretário de Estado (1904-1909) dos EUA. A banca iniciou a prática em Wall Street com o nome de Root, Clark & Bird antes de passar pelo processo de fusão com outra banca, Buckner & Howland, em 1913, e ainda antes do ingresso, nos anos 1920, do advogado Arthur A. Ballantine, que foi o primeiro procurador da Receita Federal nos EUA. A LeBoeuf, Lamb, Greene & MacRae foi fundada em 1929 e, até a fusão com a Dewey Ballantine, era renomada por representar órgãos governamentais.

“Como as culturas das duas bancas que formaram a Dewey não eram totalmente alinhadas, para garantir que os sócios-chave permanececessem, foram prometidos grandes pacotes de remuneração. Nisso, veio a recessão, que pegou a firma no contrapé justo quando tinham feito empréstimos para pagar os sócios”, observa Bertoldi.

Ainda de acordo com o sócio-gestor da Pinheiro Neto, embora, no Brasil, as bancas apostem no modelo de desenvolver uma cultura mais sólida, ainda há riscos razoáveis de serem observados. “Aqui no Brasil, os riscos são contratações laterais feitas a peso de ouro. Mal comparando, é como no futebol. Quando o time traz um jogador de fora, ganhando muito além da média do que recebem os outros jogadores, a tendência é a produtividade do time cair, além de acabar disseminando revolta entre os colegas”, comparou.

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