Direito fundamental

Justiça federal determina criação de DPU em Uruguaiana

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1 de maio de 2012, 10h35

Os 328 mil gaúchos que há mais de cinco anos se encontram desassistidos pela Defensoria Pública da União, em municípios que fazem fronteira com a Argentina, finalmente podem comemorar. Desde o dia 19 de abril, por força de decisão judicial, há um defensor para atendê-los em suas demandas. Diego Cardoso de Almeida assume a DPU na Subseção Judiciária (comarca, no jargão federal) de Uruguaiana para defender também moradores de Garruchos, Maçambará, Alegrete, São Borja, Barra do Quarai e Itaqui.

Além de facilitar o acesso de pessoas menos favorecidas economicamente à Justiça, o que é garantido por lei, a reativação do núcleo da Defensoria da União em Uruguaiana vai desonerar o Poder Judiciário do pagamento de defensores dativos – nomeados para atuar em processos já em andamento ou para amparar quem não conta com advogado para representá-lo perante a Justiça. Com isso, não só haverá a economia de preciosos recursos oficiais como permitirá aos pobres demandar contra o Governo Federal em litígios de financiamento da casa própria (CEF), crédito educativo federal (Fies) e previdência social (INSS), basicamente.

A nomeação do defensor Diego de Almeida, na verdade, é o coroamento de uma Ação Civil Pública (ACP) ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF) contra a União em dezembro de 2007. A queda-de-braço só terminou no dia 23 de janeiro de 2012, quando os procuradores do MPF venceram os últimos recursos, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Em todas as instâncias, o Judiciário reconheceu não só o direito do cidadão de baixa renda à assistência judiciária gratuita como o dever do estado em atendê-lo – ambos previstos na Constituição Federal. Os magistrados também derrubaram o argumento de falta de recursos – ‘‘reserva do possível’’ – para eximir a União da obrigação, já que o argumento não foi comprovado. Além do mais, ficou patente que os gastos com a reativação do núcleo da Defensoria significaria redução de gastos, comparando com o custo da nomeação dos defensores dativos.

No começo, era uma só uma liminar
O Ministério Público Federal do Rio Grande do Sul (MPF-RS) ajuizou a Ação Civil Pública em dezembro de 2007, pedindo que a União cumprisse sua obrigação constitucional e voltasse a implantar uma unidade da Defensoria federal na cidade. Os argumentos era de que não pode haver retrocesso de direitos e a existência de demanda para este serviço público, face às características socioeconômicas e concentração populacional da região.

No dia 8 de janeiro de 2008, em decisão liminar, o juiz federal Guilherme Beltrami acolheu o requerimento do MPF. Explicou que só o fato de o amparo jurídico se constituir num direito fundamental reconhecido pela Constituição já impõe à Administração Pública o dever de criar e prover os cargos de defensor. ‘‘Assim, já pela vedação do retrocesso, à Administração se impõe que, em face da remoção dos anteriores defensores públicos, novos sejam lotados, para que não haja solução de continuidade nos trabalhos já iniciados, ou pelo menos se evite o agravamento desta situação’’, considerou o juiz.

A liminar deferida determinou à União que promovesse a lotação de pelo menos um defensor no núcleo de Uruguaiana no prazo de 30 dias, a contar da homologação do resultado do 3º Concurso Público para Ingresso na 2ª Categoria da Carreira de Defensor Público da União. Em caso de descumprimento da determinação, o juiz arbitrou multa diária de R$ 5 mil, a ser paga pela União. 

Enfim, a sentença
Da decisão, a União interpôs Agravo de Instrumento, que deferiu o efeito suspensivo da tutela. Em sua defesa, alegou falta de interesse processual, já que o MPF não poderia lançar mão de uma Ação Cível Pública; ou seja, a via eleita era, processualmente, inadequada. No mérito, afirmou que a gestão da Defensoria estava em consonância com as regras da Administração Pública e em obediência à ‘‘cláusula da reserva do possível’’. Ou seja, o governo só poderia concretizar um direito fundamental se tivesse recursos para efetivá-lo.

Em 26 de janeiro 26 de janeiro de 2009, a juíza federal substituta Aline Teresinha Ludwig proferiu sua sentença. Inicialmente, afirmou que o instrumento posto à disposição do Ministério Público pelo ordenamento jurídico, para a tutela dos interesses difusos, é a Ação Civil Pública, conforme o artigo 1º, inciso IV, da Lei nº 7.347/85. Deste modo, ‘‘tê-la por inadequada ao controle dos atos da Administração significaria retirar daquela instituição a possibilidade de defesa e zelo que a Constituição lhe impõe, entendimento que, à saciedade, não pode prevalecer’’. Com isso, rejeitou preliminar de ‘‘inadequação da via eleita’’.

Quanto ao mérito, a magistrada lembrou o inciso LXXIV, do artigo 5º, da Constituição Federal. Ele estabelece que ‘‘o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos’’. Trata-se, reiterou, de garantia que se insere no contexto do direito fundamental de acesso à Justiça.

A juíza disse não ignorar que a Defensoria Pública da União é carreira recente e bastante carente de recursos humanos. Também não desconhece que há capitais de estados brasileiros, notoriamente mais populosas que a Subseção Judiciária de Uruguaiana, que não possuem núcleo da Defensoria Pública da União, como São Luís (MA), Porto Velho (RO) e Macapá (AP). ‘‘Todavia, essa realidade apenas corrobora o entendimento no sentido de que o Poder Público, além de não garantir o mínimo existencial aos cidadãos, não está cumprindo minimamente sua obrigação — também incluída no conceito de ‘reserva do possível’– de otimizar e maximizar os recursos e minimizar o impacto da  escassez’’, completou.

Por outro lado, a julgadora afirmou que ‘‘causa perplexidade que tantos cargos de procurador da Fazenda Nacional/procurador federal e de advogado da União sejam anualmente providos (para o fim de defender os interesses da União e suas autarquias), em detrimento de um número inexpressivo de defensores públicos’’.

Em sua opinião, a desproporcionalidade é demasiadamente assombrosa para que possa ser ignorada. ‘‘Não há como se afirmar esteja sendo garantido o acesso à Justiça ao cidadão com tamanha disparidade de armas: de um lado, o cidadão hipossuficiente; de outro, o Poder Público, com todo o aparato estatal’’, comparou.

A magistrada não acolheu o argumento de que a inexistência de recursos financeiros impedia a prestação do serviço público. ‘‘Primeiro, porque a União não trouxe nenhum elemento concreto acerca da alegada absoluta indisponibilidade de recursos e da eficiência na otimização da sua aplicação. (…) Outrossim, certamente, o comprometimento pecuniário envolvido na reinstalação de um núcleo da Defensoria Pública da União nesta Subseção não superaria os valores gastos anualmente com a nomeação de defensores dativos’’, concluiu.

Assim, a magistrada julgou procedente o pedido do parquet federal, determinando que a União instalasse, ao menos, um defensor no prazo de 30 dias. Em caso de descumprimento da ordem, arbitrou multa diária de R$ 5 mil.

Próximas paradas: TRF-4 e STJ
O processo seguiu para o Tribunal Regional Federal da 4ª. Região (TRF-4) para Apelação/Reexame Necessário. Em acórdão assinado no dia 24 de novembro de 2010, o então juiz convocado, hoje desembargador nomeado, Jorge Maurique, negou provimento à Apelação da União e manteve integralmente os termos da sentença.

A decisão da juíza federal substituta Aline Teresinha Ludwig ainda passou pelo crivo do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em dois recursos interpostos pela União. No dia 23 de janeiro de 2012, sem mais interposições, a decisão transitou em julgado, dando a vitória final ao MPF.

Clique aqui para a íntegra da Liminar.
Aqui para ler a Sentença.
E aqui para ler o Acórdão do TRF-4.

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