Desafio tecnológico

Teletrabalho e inclusão na sociedade da informação

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30 de junho de 2012, 14h24

1. Sociedade da informação e o teletrabalho

Nas palavras de Castells: “O nosso mundo está em processo de transformação estrutural desde há duas décadas. É um processo multidimensional, mas está associado à emergência de um novo paradigma tecnológico, baseado nas tecnologias de comunicação e informação, que começaram a tomar forma nos anos 60 e que se difundiram de forma desigual por todo o mundo. Nós sabemos que a tecnologia não determina a sociedade: é a sociedade. A sociedade é que dá forma à tecnologia de acordo com as necessidades, valores e interesses das pessoas que utilizam as tecnologias. Além disso, as tecnologias de comunicação e informação são particularmente sensíveis aos efeitos dos usos sociais da própria tecnologia. A história da Internet fornece-nos amplas evidências de que os utilizadores, particularmente os primeiros milhares, foram, em grande medida, os produtores dessa tecnologia”.[1]

Sociedade da informação é todo esse contexto, como dito, que muda e dita comportamentos e o funcionamento da sociedade. Seus efeitos alteraram as formas de comunicação, os relacionamentos interpessoais, as formas de trabalho, o consumo e a própria vida em família e sociedade.

As tecnologias de longo alcance desafia o trabalho da indústria tradicional de mesmo tempo e mesmo local e, consequentemente, surge a necessidade de mudanças relacionadas aos locais de trabalho e, para isso, requer flexibilização no modo de organizar o trabalho.

O teletrabalho é exclusivamente uma evolução desse contexto em que nos inserimos e que se denomina sociedade da informação, dessa condição de poder informar e ser informado, fazendo parte e participando da informação. Alguns limitam a sociedade da informação tão somente à internet, o que é muito limitado.

A sociedade da informação é caracterizada pela globalização constituída pela intensificação das relações mundiais que ligam localidades distantes, uma vez que se vive em constantes transformações tecnológicas, o que porporciona modificação na economia mundial, em razão da velocidade e quantidade de informações e conhecimento que atingem índices inimagináveis e quebra a noção de tempo e espaço.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) classifica o teletrabalho como “a forma de trabalho efetuada em lugar distante do escritório central e/ou do centro de produção, que permita a separação física e que implique o uso de uma nova tecnologia facilitadora da comunicação”.[2]

O teletrabalho era normalmente tratado como um gênero do trabalho desenvolvido em domicílio, disposto pelo artigo 6º da Consolidação das Leis do Trabalho:

Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego.

Contudo, como explica José Augusto Rodrigues Pinto[3]:

O teletrabalhador faz parte do gênero dos trabalhadores, daí podendo infletir para uma de suas espécies básicas – o autônomo ou o subordinado. Esta última irá interessar à disciplina tuitiva do Direito do Trabalho e nesse caso poderemos vê-la sob dois perfis: o do trabalho prestado em telecentro da empresa, assimilado à noção de estabelecimento, e o do trabalho prestado em sua própria residência ou escritório individual, que identificará o trabalhador, irrecusavelmente, com o empregado a domicílio. No primeiro caso, havendo subordinação direta ao empregador na empresa, o contrato será tratado dento do que poderemos definir como um contrato de emprego comum ou ordinário. No outro, a relação irá para o terreno do contrato especial de trabalho em domicílio, com todas as dificuldades de tratamento que provoca, a ponto de já o termos considerado ‘espécie de patinho feio da relação individual’, fonte de dificuldades na disciplina de sua execução e, principalmente, de sua própria caracterização.

A coautora deste escrito já se manifestou acerca do conceito de teletrabalho:[4]

“não se trata de uma função específica tampouco uma única atividade. Pode ser um analista, um engenheiro, um prestador de serviço exclusivo de uma organização, enfim, qualquer função. A diferença é que essa atividade faz uso de tecnologia e de comunicação para exercê-la em locais diferentes do empregador, que pode ser sua casa, um centro compartilhado (satélite) ou no próprio cliente do seu empregador”.

São desenvolvidos complexos sistemas para agilizar as relações de trabalho e as relações interpessoais, as informações são apresentadas em tempo real, os acontecimentos são vistos no momento em que ocorem.

Diante desse quadro, é necessário que os trabalhadores também acompanhem rapidamente as mudanças, uma vez que o mundo do trabalho estabelece novas relações e exige novas especialidades a todo o momento.

Cesar de Oliveira escreveu interessante reportagem sobre o tema, na qual ressalta pontos importantes[5]: “Com a evolução tecnológica e novas formas de organização da sociedade, o chamado teletrabalho está cada vez mais presente, criando situações não previstas pela legislação e, portanto, demandando um esforço do empregador, do empregado e da Justiça, quando houver a necessidade, para resguardar todos os direitos dos envolvidos. Atualmente, muitas decisões são calcadas basicamente no artigo 6º da CLT, que versa sobre o trabalho em domicílio. Ele diz que ‘não se distingue entre o trabalho feito no estabelecimento do empregador e o executado no domicílio do empregado, desde que esteja caracterizada a relação de emprego’. Diante das formas de relação trabalhista que se estabeleceram ao longo dos anos, esta redação pode ser considerada muito simples. No entanto, o Projeto de Lei 4.505/2008, do deputado Luiz Paulo Velozzo Lucas (PSDB-ES), tem o objetivo de atualizar a legislação e estabelecer os novos parâmetros deste tipo de trabalho”.

O projeto de lei e toda uma discussão legislativa que já vinha caminhando, culminou na Lei 12.551/2011, que acabou com a distinção entre trabalho na empresa, em casa ou a distância.

Foi acrescido um novo parágrafo ao artigo 6º da CLT, pelo qual: “os meios telemáticos e informatizados de comando, controle e supervisão se equiparam, para fins de subordinação jurídica, aos meios pessoais e diretos de comando, controle e supervisão do trabalho alheio”.

O novo dispositivo legal é de suma importância para os casos em que o empregado executa suas atividades laborativas fora do lugar habitual de trabalho, fazendo uso de tecnologias de informação e comunicação.

O regime de teletrabalho não impede a existência de subordinação e, consequentemente, o surgimento de uma relação de emprego, desde sejam preenchidos os demais requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT.

Essa foi uma conquista de profissionais, especialmente de TI, que trabalham remotamente, em cloud computing, e que não tinham tais direitos reconhecidos. Pelo novo dispositivo, o empregado que trabalha em regime de CLT fora da empresa passou a ter os mesmos direitos dos demais. Ponto que ainda merece reflexão é o controle de horário.

Outro desafio é responder às questões relativas à inclusão e exclusão, ao nos referirmos às pessoas com deficiência, tema central deste escrito.

Não apenas tal ponto é relevante como também a análise da aplicação da reserva de vagas à pessoa com deficiência no teletrabalho, isso porque, estando as vagas dentro do número total de empregados, deve-se respeitar os percentuais para as pessoas com deficiência.

A reportagem de Cesar de Oliveira, acima citada, também traz dados relativos ao assunto:[6]


Afora à legislação e os pontos positivos e negativos, o fato é que muitas empresas têm adotado o teletrabalho. De acordo com a 5ª Pesquisa sobre Uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil (TIC Empresas), produzida pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), com números referentes a 2009, 25% das empresas com computador e com 10 ou mais funcionários usam o trabalho remoto. Em 2006, 15% faziam uso desta modalidade e, em 2008, já haviam crescido para 21%. O levantamento colheu dados de 3,7 mil empresas em todo o país. Segundo a pesquisa, quanto maior o porte da empresa, mais a tendência se confirma: 62% daquelas com mais de 250 funcionários, e 43% das médias, que têm entre 100 e 249 funcionários, colocam à disposição o acesso remoto ao seu sistema de computadores. O levantamento mostra que, em 2008, 31% das empresas médias utilizavam a opção.

2. Inclusão pelo trabalho e reserva de vagas

Existem muitas atividades estatais, dentre elas, dando a devida importância ao princípio da isonomia, a proteção à pessoa com deficiência como um dos fundamentos da dignidade da pessoa humana, com o objetivo de reduzir as desigualdades sociais.

A OIT, de acordo com a iniciativa de “Participação plena e igualdade” da pessoa com deficiência no que se refere a emprego e inclusão na comunidade, editou Convenção, em no dia 20 de julho de 1983, denominada Convenção sobre Reabilitação e Emprego (pessoas com deficiência).

Para efeitos da Convenção, entende-se por pessoa com deficiência toda aquela cujas possibilidades de obter e conservar um emprego adequado e de nele progredir fiquem substancialmente reduzidas devido a uma deficiência de caráter físico ou mental devidamente comprovada. Todo país membro deverá considerar que a finalidade da reabilitação profissional é a de permitir que a pessoa com deficiência obtenha e conserve um emprego e nele progrida, e que se promova, assim, a inclusão dessa pessoa na sociedade. As proposições da Convenção são aplicáveis a todas as categorias de pessoas com deficiência.

A política sugerida pela OIT, na Convenção 159[7], tem por finalidade assegurar que existam medidas adequadas de reabilitação profissional ao alcance de todas as categorias de pessoas com deficiência e promover oportunidades de emprego para essas pessoas no mercado regular de trabalho; tendo como base o princípio de igualdade de oportunidades entre os trabalhadores com deficiência e os trabalhadores em geral, devendo-se respeitar a igualdade de oportunidades e de tratamento aos trabalhadores com deficiência.

Essa igualdade de tratamento pode envolver políticas públicas ou ações afirmativas específicas nesse sentido, devendo ser observada do ponto de vista material, ou seja, a igualdade não apenas em sua forma ou como letra dormente da legislação, mas com atitudes e comportamentos de geração de igualdade.

Frieda Zames e Doris Zames Fleischer [8]:

tratam do Social Security Act de 1935, nos Estados Unidos, ressaltando o fato de que as pessoas com deficiência podem competir no mercado de trabalho se lhes for dada oportunidade. Em especial quanto aos portadores de deficiência visual, as autoras citam o trabalho de Robert Irwin, entre os anos de 1929 a 1948 na Fundação Americana para os Cegos, que trabalhou pelo tema, demonstrando a necessidade de inclusão e educação especializada, acabando com o tradicional sistema que não funcionava corretamente.[9] A questão sempre gira em torno dos mesmos pontos – formação e geração efetiva de oportunidades (seja pela reserva de vagas ou garantia de acessibilidade).

Os países signatários da Convenção 159, assumiram o compromisso de se esforçar para assegurar a formação e a disponibilidade de assessores em matéria de reabilitação e outro tipo de pessoal qualificado que se ocupe da orientação profissional, da formação profissional, da colocação e do emprego de pessoas com deficiência.

Em 2000, no Brasil, segundo estudo do professor de economia da USP José Pastore, havia 9 milhões de deficientes em idade economicamente ativa. Desses, 7 milhões poderiam trabalhar com pequenas alterações no ambiente de trabalho. Mesmo assim, apenas 11 % deles estão empregados. Nos Estados Unidos, essa porcentagem é 34%. "Há uma legislação que obriga empresas de grande porte a reservar 5% das vagas para deficientes. No entanto, quase nenhuma cumpre essa meta", afirma Pastore. Segundo Ismaelita Alves de Lima, da Corde, já há uma tentativa de alterar no Congresso, essa lei porque, segundo ela, o Ministério Público está começando a fiscalizar com mais rigor. "Se os deficientes forem aceitos no mercado, eles passarão a produzir e a pagar impostos", afirma Ismaelita. [10]

A verdade é que a Convenção de 1983 foi um passo importante, mas ela consolidou uma política, de certa forma, desorientada, que trazia experiências diferentes de vários países. A inclusão se deu de forma diversa ao redor do globo.

A Constituição Federal, ao estabelecer em seu artigo 5º, caput, que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à igualdade e à propriedade”, positivou o princípio da isonomia.

Assim, o Estado brasileiro tem como finalidade o princípio de que a igualdade jurídica vigorará nas relações dos indivíduos entre si, bem como nas relações entre o Estado e indivíduos.

Desta forma, pode-se dizer que a Constituição brasileira de 1988 trouxe fundamentos nos quais se baseia a proteção da pessoa com deficiência. Eis as bases da proteção e inclusão da pessoa com deficiência, ainda que haja toda uma legislação infraconstitucional.

Inicia-se por um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil que é construir uma sociedade livre, justa e solidária (artigo 3º, inciso I, Constituição Federal) e promover o bem-estar de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (artigo 3º, inciso IV).

O artigo. 5º traz em si expressamente o princípio da isonomia ou igualdade, aplicável a todos.

O artigo 7º, inciso XXXI, proíbe a discriminação em relação aos salários e critérios de admissão do trabalhador com deficiência.

A própria Constituição atribui à União, Estados, Municípios e Distrito Federal a responsabilidade de cuidar da saúde e da assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência (artigo 23, inciso II), sendo todos esses entes competentes para legislar sobre a proteção da pessoa com deficiência (artigo 24, inciso XIV).

Determinou-se, ainda, que para a adequada inserção das pessoas portadoras de deficiência no mercado de trabalho que a lei reservaria um percentual de cargos e empregos públicos para as pessoas portadoras de deficiência (artigo 37, incico VIII).

Há outros dispositivos constitucionais aplicáveis, como é o caso do artigo 203, que estabelece o Benefício de Prestação Continuada às pessoas com deficiência que não tenham como prover seu sustento, disposições acerca de inclusão educacional (artigo 208) e inclusão em geral (artigo 227).

Em 1989, a Lei 7.853, trouxe em seu corpo a determinação de adoção de legislação que discipline reserva de mercado de trabalho aos portadores de deficiência física, em seu artigo 2º.

Essa Lei Federal 7.853, de 24 de outubro de 1989, trouxe algumas garantias e regulamentou o trabalho da pessoa com deficiência, estabelencendo também o apoio governamental à formação e orientação profissional, e a garantia de acesso aos serviços concernentes, inclusive aos cursos regulares voltados à formação e inclusão profissional. Assim, cabe ao Estado, primordialmente, a formação profissional da pessoa com deficiência para sua inclusão no mercado de trabalho.


Nos anos seguintes à edição da Lei 853/89 veio a regulação das vagas para a pessoa com deficiência.

Pelo artigo 5º, parágrafo 2º, da Lei 8.112/90 ficou assegurada a reserva de vagas no Poder Público. A pessoa com deficiência poderia se inscrever em concurso público para provimento de cargos cujas atribuições lhe fossem compatíveis e foi estabelecida a reserva de até 20% das vagas oferecidas no concurso.

No mesmo sentido, a lei que dispõe a Política Nacional para integração da Pessoa Portadora de Deficiência, Lei 7.853/89, o Decreto 3.298/99, em seu artigo 37, parágrafo 1º, assegurou à pessoa com deficiência a reserva do mínimo de 5% em face da classificação obtida. Desta forma, a Administração Pública federal está limitada ao percentual mínimo de 5% e máximo de 20% na escolha do coeficiente de reserva de vagas nos concursos que promover. E mais, resultando a aplicação do percentual em número fracionado, arredonda-se este para o primeiro número inteiro subsequente.

Em 1991, as leis que regularam a Previdência, também trouxeram dispositivos acerca do da proteção e inclusão da pessoa com deficiência.

O artigo 22, parágrafo  4º, da Lei 8.212/91, determinava que o Poder Executivo Federal estabeleceria, na forma da lei e ouvido o Conselho Nacional de Seguridade Social, mecanismos de estímulo às empresas que utilizem empregados com deficiência física, sensorial ou mental, com desvio do padrão médio.

A Lei 8.213/91, em seu artigo 93, foi mais específica e estabeleceu cotas compulsórias de vagas de empregos que deveriam ser respeitadas pelas empresas privadas com mais de cem empregados. Eis as cotas: (a) de 100 a 200 empregados, 2%; (b) de 201 a 500, 3%; (c) de 501 a 1000, 4%; (c) 1001 ou mais, 5%.

Oito anos depois, o Decreto 3.298/99, que contem princípios acerca da inclusão e objetivos do sistema de proteção, reiterou os percentuais de cotas em seu artigo 36:

Artigo 36.  A empresa com cem ou mais empregados está obrigada a preencher de dois a cinco por cento de seus cargos com beneficiários da Previdência Social reabilitados ou com pessoa portadora de deficiência habilitada, na seguinte proporção:

I – até duzentos empregados, dois por cento;

II – de duzentos e um a quinhentos empregados, três por cento;

III – de quinhentos e um a mil empregados, quatro por cento; ou

IV – mais de mil empregados, cinco por cento”

Assim como a Lei n. 8.213/91, em seu artigo 93, o Decreto 3.298/99, em seu art. 36, manteve o percentual de cotas para as pessoas com deficiência ou beneficiários reabilitados da Previdência Social.

No artigo 6º do próprio Decreto 3.298/99, foram fixadas as diretrizes da Política Nacional para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência:

I – estabelecer mecanismos que acelerem e favoreçam a inclusão social da pessoa portadora de deficiência;

II – adotar estratégias de articulação com órgãos e entidades públicos e privados, bem assim com organismos internacionais e estrangeiros para a implantação desta Política;

III – incluir a pessoa portadora de deficiência, respeitadas as suas peculiaridades, em todas as iniciativas governamentais relacionadas à educação, à saúde, ao trabalho, à edificação pública, à previdência social, à assistência social, ao transporte, à habitação, à cultura, ao esporte e ao lazer;

IV – viabilizar a participação da pessoa portadora de deficiência em todas as fases de implementação dessa Política, por intermédio de suas entidades representativas;

V – ampliar as alternativas de inserção econômica da pessoa portadora de deficiência, proporcionando a ela qualificação profissional e incorporação no mercado de trabalho; e

VI – garantir o efetivo atendimento das necessidades da pessoa portadora de deficiência, sem o cunho assistencialista.

E o artigo 7º, inciso II, que traz os objetivos da Lei:

II – integração das ações dos órgãos e das entidades públicos e privados nas áreas de saúde, educação, trabalho, transporte, assistência social, edificação pública, previdência social, habitação, cultura, desporto e lazer, visando à prevenção das deficiências, à eliminação de suas múltiplas causas e à inclusão social;

Pois bem, não há dúvida quanto à intenção de o legislador em direcionar as políticas públicas sempre no sentido da inclusão da pessoa com deficiência, constando aí a inclusão pelo trabalho.

Contudo, faz parte de matéria publicada na Folha de São Paulo de 15.1.2012 e reproduzida no sítio da Associação dos Advogados de São Paulo que: “Segundo o Ministério do Trabalho, somente 25% das empresas conseguem preencher as cotas” e a “legislação também define os tipos de deficiência, excluindo as consideradas mais leves diferenciação que as empresas consideram inconstitucional”. Ao mesmo tempo em que se discute a flexibilização, se tem conta da queda de contratação de pessoas com deficiência pelas empresas, como informa a mesma reportagem: “entre 2007 e 2010, o número de deficientes contratados passou de 348,8 mil para 306 mil, uma queda de 12%, segundo o Ministério do Trabalho. No mesmo período, os registros em carteira tiveram alta de 17%”, o que sugere que o problema não seria necessariamente de falta de mão de obra.[11]

A questão seria efetivamente a falta de pessoas ou a dificuldade de acesso? Ao que parece, pela lógica, a dificuldade é de acesso seja ele o acesso às vagas, seja o acesso em sentido lato ao próprio local de trabalho. Falta formação, falta acesso em razão de barreiras arquitetônicas e falta acesso em razão de barreiras atitudinais.

O teletrabalho, em alguns, casos permite o acesso que a pessoa poderia não ter, pela falta de meios de transporte e pela distância com os centros nos quais estão as vagas.

Essa, obviamente não é uma justificativa ou forma de adiar ainda mais a adequação de vias ou a cobrança do preenchimento das vagas reservadas, mas alternativa, especialmente para aquelas pessoas distantes de grandes centros.

O escrito também tem a finalidade de analisar a necessidade de reserva de vagas em teletrabalho e a garantia de meios (acesso) para que o sujeito, com alguma deficiência, possa trabalhar.

3. teletrabalho e reserva de vagas – inclusão ou exclusão

Toda essa teoria é realidade. Daí a exigência de ver os aspectos constitucionais do direto. No Brasil, apesar de problemas que existem na inclusão da pessoa com deficiência, tem-se tido consideráveis avanços nesse aspecto.

Com a intensificação do teletrabalho, o que se pergunta é se há a aplicação da reserva de vagas para apessoa com deficiência, especialmente, do prisma constitucional e dos direitos fundamentais.

José Afonso da Silva[12] explica que os direitos fundamentais “são aquelas prerrogativas e instituições que o Direito Positivo concretiza em garantias de uma convivência digna, livre e igual de todas as pessoas.”

Para Ingo Wolfgang Sarlet,[13] os direitos fundamentais podem ser conceituados como aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, pelo seu objeto e significado, possam lhes ser equiparados, tendo, ou não, assento na Constituição formal.

A idéia do bem de todos é obviamente objeto de disputa ideológica, mas em uma determinada perspectiva está tranqüilamente assentada na consciência jurídica contemporânea: a dos direitos humanos fundamentais. Conceituados inicialmente como um mínimo de dignidade em face da tradição, podem então ser entendidos como liberdade negativa, a exigência de uma conduta omissiva do poder, que estava obrigado a respeitar o mínimo da dignidade humana e o direito à vida. Costuma-se designá-los agora como direitos humanos de primeira geração, direito ao trabalho, saúde, educação, permitem ao indivíduo a afirmação e o exercício pleno da condição humana, trata-se da liberdade positiva.[14]


A noção de dignidade humana é universal. Inseri-la em um texto constitucional significa representá-la empiricamente, agregando-se, nas normas infraconstitucionais e nas próprias normas constitucionais, dados da experiência social – daí a disponibilidade de conteúdos. Dignidade é um ente da razão, que basta em si mesma.[15]

O princípio da dignidade, com seus decorrentes desdobramentos, deve direcionar a criação e interpretação da norma, no sentido de garantir ao homem a vida digna, sem, é claro, criar situações desiguais ou ilegais, ponderando normas e valores. A não criação de desigualdade decorre da própria idéia de dignidade isso porque é digno ser tratado igualmente e é digno ser livre e ser respeitado.

A dignidade humana e os direitos fundamentais, como diretrizes do sistema e positivados pela Constituição de 1988, exercem seu papel, tanto direta como reflexamente. Diretamente poderão nortear a interpretação ou integração da norma quando da existência de outros institutos, mas reflexamente estão previstos em institutos infralegais.

Ao longo das últimas décadas, foram muitos os movimentos desenvolvidos para dar efetividade ou reconhecer a necessidade do funcionamento do direito de maneira célere; respostas adequadas e transparentes que venham em tempo aproveitável. Os mais recentes movimentos do pensamento apontam alguns caminhos. A chamada pós-modernidade comentada por alguns autores, [16] influenciou o direito com uma necessária reflexão da sociedade. Aliás, dentre os juristas brasileiros quem, com muita profundidade analisou o tema da nova hermenêutica constitucional foi o Professor Luis Roberto Barroso. O potencial de transformação está estabelecido no próprio sistema e, com tantas atitudes voltadas para a celeridade e a aplicação adequada do direito, acreditamos realmente entar em uma nova fase que pode ser denominada efetivista.

Todo esse movimento efetivista deve levar à celeridade, aplicação justa do direito e, especialmente, conscientizar as pessoas de direitos e deveres, dentro de um quadro que vai levar a elas dignidade.

Os direitos fundamentais, passo-a-passo, deixam de ser letra no papel, para fazerem parte do mundo real. Aquilo que se chamou de constitucionalismo moderno, desemboca em resultados que se aproximam do que se considera dignidade da pessoa humana – conceito que vem evoluindo para garantir o mínimo de bem estar e felicidade para as pessoas.

No caso do teletrabalho as disposições acerca da pessoa com deficiência se aplicam plenamente, tanto no tocante às cotas, como no aspecto da inclusão. O número de pessoas em teleempregos soma-se ao número total de empregados, aplicando-se o número de vagas ao total de empregos, na forma da legislação pertinente.

Não obstante, os mesmos meios proporcionados para todos os demais empregados também devem ser proporcionados ao empregado que tenha alguma deficiência, acrescido, contudo, dos meios ou mecanismos necessários para leitura, acesso ou coompreensão da ferramenta.

Assim, se houver a necessidade de programa de computador (software) ou equipamentos específicos, tais necessidades devem ser levadas em conta pelo empregador.

Quanto ao tema de inclusão ou exclusão proporcionada pelo teleemprego, somente pode-se concluir que, como tantas outras, é uma forma de trabalho desenvolvida por todas as pessoas.

Nesse sentido, conquanto o emprego dentro de casa ou de local especial se pareça uma maneira de isolamento da pessoa, por outro lado pode ser uma solução para pessoas com deficiência que morem longe dos centros urbanos ou dos locais com grande número de vagas reservadas, podendo exercer algum tipo de atividade laborativa (também inclusiva).

Tal possibilidade, eventualmente reduziria o déficit de contratações de pessoas com deficiência em regiões com grande quantidade de empregos, permitindo a inclusão de pessoas fora desses centros. A própria formação à distância e a busca de novas pessoas para o mercado de trabalho, se mostra possível e capaz também de reduzir esse déficit.

O tema continua em debate, mas a legislação aplicável à reserva de vagas, sem dúvida se aplica às vagas de teletrabalho.


[1] CASTELLS, Mannuel. A Sociedade em Rede: do Conhecimento à Política. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/anexos/a_sociedade_em_rededo_conhecimento_a_acao_politica.pdf. Acesso em: 16.jan.2012.

[2] Ver em www.oit.org. Sobre o tema, v. ainda: DUARTE, Juliana Bracks. O trabalho no domicílio do empregado: controle da jornada e responsabilidade pelo custeio dos equipamentos envolvidos. In Revista Júris Plenum Trabalhista e Previdenciária, nº 13, Editora Plenum, Caxias do Sul – RS, 2007; FILHO, Ives Gandra da Silva Martins. Manual Esquemático de Direito e Processo do Trabalho. 13ª ed. Editora Saraiva, São Paulo –SP, 2005; GBEZO, Bernard E. Otro modo de trabajar: la revolución del teletrabajo. Trabajo, revista da OIT, n. 14, dez de 1995.

[3] PINTO, José Augusto Rodrigues. Curso de Direito Individual do Trabalho. 4.ed. São Paulo: LTr, 2000. p.117.

[4] Luciana de Camargo Maltinti, Dissertação de Mestrado, 2012, FMU.

[5] OLIVEIRA, César de. Implicações do teletrabalho na legislação atual. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-jul-03/teletrabalho-implicacoes-legais-empregado-empregador. Acesso em: 16.jan.2012.

[6] OLIVEIRA, César de. Implicações do teletrabalho na legislação atual. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2010-jul-03/teletrabalho-implicacoes-legais-empregado-empregador. Acesso em: 16.jan.2012.

[7] Decreto n. 129, de 22 de maio de 1991, promulgou a Convenção n. 159, da Organização Internacional do Trabalho – OIT, sobre Reabilitação Profissional e Emprego de Pessoas Deficientes.

[8] ZAMES, Doris; ZAMES, Frieda. The disability Rights Movement, From charity to confrontation, Temple University Press. p. 5.

[9] Idem, p. 14-15.

[10] "Estudo mostra que mercado também exclui", jornal Folha de São Paulo, publicado em 10 de setembro de 2000.

[11] Disponível em: http://www.aasp.org.br/aasp/imprensa/clipping/cli_noticia.asp?idnot=11340. Acesso em: 16.jan.2012.

[12] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional. p. 149.

[13] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 10.ed. Livraria do advogado, 2010. p. 311.

[14] FELIPPE, Marcio Sotelo, Razão jurídica e dignidade humana. São Paulo: Max Limonad, 1996, p. 64.

[15] Idem, p. 67.

[16] BARROSO, José Roberto. O direito constitucional e a efetividade de suas normas. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 37 e seguintes.

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