Mulheres no Legislativo

Cota para candidatura de mulheres combate o machismo

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29 de junho de 2012, 15h22

A Lei 12.034, de 29 de setembro de 2009, criou uma causa de registrabilidade geral e compulsória, trata-se da reserva mínima do percentual decandidaturas para cada sexo. Acreditamos que é uma medida louvável que tem como principal escopo combater o retrógrado machismo político eleitoral.

Segundo a organização internacional União Interparlamentar, com sede em Genebra, na Suíça, o Brasil ocupa a 146ª posição em um ranking sobre a participação das mulheres nos Parlamentos em 192 países do mundo.

Segundo os cálculos da organização supracitada, baseados nos dados de 1º de janeiro deste ano, a Câmara dos Deputados do Brasil conta com 9% de mulheres (46 dos 513 deputados).[1] Essa proporção é mais baixa do que todas as médias por regiões calculadas pela União Interparlamentar, incluindo a média nos países árabes, de 9,6%. Nas Américas, a média é de 20,7%, enquanto a proporção mundial ficou em 17,9%.

Veja a proporção de mulheres no parlamento em alguns países: [2]
1º — Ruanda: 48,8%
2º — Suécia: 47%
3º — Finlândia: 41,5%
4º — Argentina: 40%
5º — Holanda: 39,3%
6º — Dinamarca: 38%
7º — Costa Rica: 36,8%
8º — Espanha: 36,6%
9º — Noruega: 36,1%
10º — Cuba: 36,0%

E no Brasil? A proporção de mulheres em relação aos deputados é de apenas 9%, ou seja, ficamos com a vergonhosa 146º colocação.

Fundamentos legais
A antiga redação do artigo10, parágrafo 3º da Lei 9.504/97, preconizava que:
Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá “reservar” o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo.

Neste sentido, a jurisprudência começou a construir o entendimento que o partido ou a coligação só precisaria “reservar” e não“preencher”o percentual para cada sexo.

Para evitar que os partidos ou coligações burlassem novamente a vontade do legislador, a Lei 12.034, de 29 de setembro de 2009, estabeleceu nova redação ao artigo10, parágrafo 3º da Lei 9.504/97, in verbis:
Do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação “preencherá” o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

Considerando-se que não há palavras vazias na lei resta, claro, que deve ter havido um motivo plausível para o legislador mudar apenas uma palavra no texto legal.

Portanto, entendemos que ficou sem sentido o entendimento jurisprudencial que defendia a necessidade do partido ou coligação apenas “reservar” o percentual para cada sexo, assim, por imperativo legal, temos uma nova condição de registrabilidade, qual seja,o percentual mínimo para cada sexo que deve ser observado ex vi legis.

As consequências legais do não atendimento da condição de registrabilidade geral e compulsória
Entendemos que esta será a futura posição do TSE, pois o artigo 20, parágrafo 2º, da Resolução 23.373/2011, também alterou a redação de “reservar” para “preencher”, veja:
Do número de vagas requeridas, cada partido ou coligação “preencherá” o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo.

Nas eleições de 2010 o TSE decidiu:
AGRAVO REGIMENTAL. ELEIÇÕES 2010. REGISTRO DE CANDIDATOS. DRAP. DEPUTADO ESTADUAL. PERCENTUAIS PARA CANDIDATURA DE CADA SEXO. NOVA REDAÇÃO DO ART. 10, § 3º, DA LEI DAS ELEICOES. CARÁTER IMPERATIVO DO PRECEITO. DESPROVIDO.
1. Esta Corte Superior, diante da nova redação do art. 10, § 3º, da Lei das Eleições, decidiu pela obrigatoriedade do atendimento aos percentuais ali previstos, os quais têm por base de cálculo o número de candidatos efetivamente lançados pelos partidos e coligações. 2. Agravo regimental desprovido. Processo: AgR-REspe 84672 PA. Relator(a): Min. Marcelo Henriques Ribeiro De Oliveira. Julgamento: 09/09/2010. Publicação: PSESS – Publicado em Sessão, Data 09/09/2010
Em caso de não observância da condição de registrabilidade geral e compulsória, o Juiz Eleitoral dará ao Partido 72 horas de prazo para adequá-la, com inclusão ou retirada de candidatos, não realizada a adequação ao percentual de candidaturas de cada sexo, haverá a recusa de registro de toda a lista de candidatos a eleição proporcional (Neste ano, vereadores).
A nova condição de registrabilidade é cláusula geral e compulsória, ou seja, a não observância acarretará o indeferimento de todos os registros apresentados pelo partido ou coligação, insta acentuar, que se uma foto que não esteja nos moldes exigido pela Resolução do TSE causa indeferimento do registro, imagine o que pode ocorrer com a não observância de um preceito legal.[3]

No mesmo sentido é a lição de Marlon Reis:[4]
Particularmente, compreendemos que a interpretação do dispositivo deve levar à conclusão de que os partidos e coligações estão agora obrigados a promover o preenchimento das vagas na proporção indicada pelo legislador, sob pena de indeferimento do registro de toda chapa.

Caso o juiz não indefira, ex ofício, têm legitimidade para propor a Airc (Ação de Impugnação de Registro de Candidatura)[5]
a) qualquer candidato;
b) partido político;
c) coligação;
d) Ministério Público.

A impugnação, por parte do candidato, do partido político ou da coligação, não impede a ação do Ministério Público. (No mesmo sentido vide o art. 37 § 1o da Rel. no 23.221/2010).

A lei se refere a “candidato”, como só há legalmente candidato após o deferimento do registro, devemos ler: candidato ou pré-candidato, ainda que esteja sub judice, neste caso, se após propor a ação o pré-candidato tem seu registro indeferido pela justiça eleitoral, ou renunciou, ou foi substituído, cairá por terra a sua legitimidade ativa, devendo o Ministério Público Eleitoral, em virtude do interesse público, assumir a legitimidade da ação.[6]

Devemos ainda observar três requisitos:
a) o pré-candidato deve ter sido indicado em convenção partidária;
b) o pré-candidato já requereu o registro de candidatura;
c) o impugnante deve concorrer à eleição na mesma circunscrição do pré-candidato impugnado e pertencer ao mesmo processo eleitoral.

Quanto ao eleitor, o posicionamento majoritário do TSE é no sentido da ilegitimidade de eleitor para impugnar registro de candidatura, podendo, entretanto, apresentar notícia de inelegibilidade. O eleitor, destarte, embora não arrolado dentre os que têm legitimidade para impugnar (LC 64/1990, art. 3º), pode noticiar ao juiz eleitoral, exercendo seu direito de petição, a ocorrência de inelegibilidade de que tenha conhecimento. É vedado ao juiz eleitoral deixar de conhecê-la ao fundamento de ilegitimidade da parte, porquanto o eleitor, no caso, não é parte.

Como deve ser realizado o cálculo de candidaturas de cada sexo
Preconiza o artigo 10, parágrafo 4º, da Lei 9.504/1997 que:
Em todos os cálculos, será sempre desprezada a fração, se inferior a meio, e igualada a um, se igual ou superior.

Exemplo didático:
Imaginem uma câmara com 11 vereadores.
Partido agindo isoladamente (sem coligação) = pode indicar até cento e cinquenta por cento do número de lugares a preencher = (11 x 150% =16,5 – arredonda para 17).
Das 17 vagas, 30% será 5,1, ou seja, no mínimo 5 para cada sexo.
Partido agindo em composição (coligação): pode indicar até o dobro do número de lugares a preencher = (11 x 2 =22).
Das 22 vagas, 30% alcança 6,6, ou seja, no mínimo 7 para cada sexo.

Como burlar a exigência legal
Os partidos políticos estão preocupados com a nova exigência legal, o machismo político eleitoral fixou a retrógrada concepção que a mulher candidata atrapalha a chapa ou coligação, argumentam que haverá divisão de:
a) Tempo no rádio;
b) Tempo na televisão;
c) Espaço político.

Segundo alguns "profissionais do marketing político" ou "consultores políticos", ao seguir a exigência legal, a pior conseqüência para o partido ou coligação será a divisão do espaço político com pessoas que efetivamente não disputam a “eleição para ganhar” e sim, para abrir um espaço político para o futuro.

Fomos comunicados por um “consultor político” que a orientação geral fornecida aos partidos é no sentido de preencher a vaga do sexo com 30% de “candidatas” e depois fazer duas maquiavélicas estratégias que tem como principal escopo burlar “legalmente” e exigência ex vi legis.

Primeira estratégia: “Percentual branco por renúncia”:
Consiste no preenchimento das vagas com o percentual mínimo de 30% de “candidatas” e, depois do deferimento do registro, promover a renúncia das candidatas.

Segunda estratégia: “Percentual branco com votos irrisórios”:
Consiste no preenchimento das vagas com o percentual mínimo de 30% de “candidatas” com o compromisso das mesmas não fazerem a campanha, portanto, sem votos as candidatas não atrapalhariam os “candidatos”.

Consequências jurídicas do percentual branco
As estratégias do percentual branco causará para o partido ou coligação sérias consequências jurídicas, a saber:

Primeira: consequência jurídica da estratégia do “percentual branco por renúncia”:
A estratégia é totalmente inócua, pois havendo renúncia de uma ou mais “candidatas”, o partido ou coligação deverá promover a substituição, devendo observar efetiva a reserva mínima de percentual de candidaturas para cada sexo.

Com efeito, no contexto prático, o partido que reservou apenas 30% de “candidatas”, havendo renúncia de três, deve-se promover a substituição por três mulheres.

A contrario sensu, haverá o surgimento de uma condição de elegibilidade superveniente, podendo ser arguida em sede de Aidi (Ação de Impugnação da Diplomação).

A reforma eleitoral (Lei 12.034/2009) acrescentou o parágrafo 10 ao artigo 11, da Lei 9.504/1997, in verbis:
As condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro da candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade. (Grifo nosso)

A inelegibilidade superveniente é aquela que surge após o prazo de deferimento do registro da candidatura e que, portanto, não poderia ter sido objeto de impugnação através da Airc, nesta hipótese, mesmo sendo de índole infraconstitucional, não haverá preclusão, podendo sim ser alegada em sede de Ação de impugnação da diplomação propriamente dita.

No mesmo sentido o TSE:
A teor da jurisprudência desta Corte, a matéria atinente à inelegibilidade resultante de fato superveniente ao processo de registro pode ser suscitada em recurso contra a diplomação. (No mesmo sentido: Agravo de Instrumento n. 3174, TSE/CE, Baturité; p. 96).

Segunda: consequência jurídica da estratégia do “percentual branco com votos irrisórios”:
Provado que a estratégia foi fazer a reserva mínima de percentual de candidaturas para cada sexo, apenas “formalmente”, estará caracterizada fraude eleitoralque pode ser alegada em sede de Aime (Ação de Impugnação de Mandato Eletivo).

Em conformidade com a posição do TSE podemos afirmar que:
A fraude eleitoral a ser apurada na ação de impugnação de mandato eletivo não se deve restringir àquela sucedida no exato momento da votação ou da apuração dos votos, podendo-se configurar, também, por qualquer artifício ou ardil que induza o eleitor a erro, com possibilidade de influenciar sua vontade no momento do voto, favorecendo candidato ou prejudicando seu adversário (TSE – Agravo de Instrumento n. 4.661, Ac./SP, Rel. Fernando Neves da Silva, DJ, Volume 1, p. 162).
Ação de impugnação de mandato eletivo. Art. 14, § 9o, da Constituição Federal. […]  A fraude que pode ensejar ação de impugnação de mandato é aquela que tem reflexos na votação ou na apuração de votos. […]. (Ac. n. 3.009, de 9.10.2001, rel. Min. Fernando Neves).

As mulheres e o mundo da política
Deixo a outros a glória de arrastarem para o turbilhão das paixões políticas a parte serena e angélica do gênero humano. A observação dos fenômenos afetivos, fisiológicos, psicológicos, sociais e morais não me permite erigir em regra o que a história consigna como simples, ainda que insignes, exceções. Pelo contrário, essa observação me persuade que a missão da mulher é mais doméstica do que pública, mais moral do que política. Demais, a mulher não direi ideal e perfeita, mas simplesmente normal e típica, não é a que vai ao foro, nem a praça pública, nem as assembleias políticas defender os direitos da coletividade, mas a que fica no lar doméstico, exercendo as virtudes feminis, base da tranquilidade da família, e por consequência da felicidade social.” (DEP. PEDRO AMÉRICO, Câmara dos Deputados, sessão de 27 de janeiro de 1891).

Levantamento feito pela Folha de São Paulo, em relação à última eleição para a Câmara dos Deputados, mostra que dentre o valor que as siglas política arrecadam a título de doação, as mulheres recebem, proporcionalmente, repasse muito menor que os homens. “Entre os 14 maiores partidos, as mulheres representavam [em 2010] 19,7% das candidaturas à Câmara, mas ficavam com apenas 8% dos recursos.”[7]

Tal dado confirma as conclusões a que chegaram Míriam Grossi e Sonia Miguel[8], quando asseveram que há uma resistência também por parte das mulheres em se candidatar, gerada, no mais das vezes, pela resistência dos partidos políticos em dar suporte às candidaturas femininas.

Carla de Castro Gomes denuncia o fato de que “mesmo quando as mulheres lideram as pesquisas de intenção de votos, os partidos muitas vezes optam por apoiar candidatos homens, e na ausência destes, preferem apoiar candidatos de outros partidos.”[9]

Não se pode olvidar que a parcela diminuta de participação da mulher na política encontra-se intimamente ligada a questões culturais, não obstante todo o esforço e reconhecimento da importância de tal participação, principalmente a partir da década de 90, quando se intensificaram movimentos e ações concretas em prol da adoção das denominadas leis de cotas em vários países da América Latina (até 2008, oito países latino-americanos possuíam leis de cotas: Argentina, Bolívia, Brasil, Costa Rica, Equador, México, Peru e República Dominicana).

Mas, para além das declarações legais niveladoras e das leis afirmativas, há que se imprimir um sentido diverso ao viver, sem o qual prescrições normativas permanecerão sendo interpretadas de conformidade com os valores que os aplicadores do Direito detêm, por meio de apropriações exegéticas as mais variadas e que, normalmente, não condizem com o sentido teleológico da lei, fazendo-se do Direito mera formalidade burocrática e não sítio no qual a Justiça prevaleça.

Referências
ARCHENTI, Nélida e TULA, Maria Inés (org). Mujeres y Politica en América Latina: sistemas electorales y cuotas de gênero. Buenos Aires: Ed. Eliasta, 2008.

BARROS, Francisco Dirceu. Curso de Processo Eleitoral, 2. Ed., 2012, Ed. Campus/Elsevier.

GOMES, Carla de Castro. Mulheres na política: igualdade de gênero? Revista Sociologia, n.41 (2012), p. 16-21, Ed. Escala.

GROSSI, MÍRIAM PILLAR and MIGUEL, SÔNIA MALHEIROS. Transformando a diferença: as mulheres na política.Rev. Estud. Fem. [online]. 2001, vol.9, n.1, pp. 167-206. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2001000100010&lng=en&nrm=iso&tlng=pt, acessado em 28.06.2012.

REIS. Marlon. Direito Eleitoral brasileiro, Ed. Alumnus, p. 87, 2012.


[1] Fonte de pesquisa:http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/03/080305_mulheresparlamentorw.shtml.

[2] Fonte de pesquisa:http://www.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2008/03/080305_mulheresparlamentorw.shtml.proporção de mulheres em relação ao total de deputados proporção de mulheres em relação ao total de deputados 

[3]Se a fotografia não estiver nos moldes exigidos, o Juiz Eleitoral competente determinará a apresentação de outra, e, caso não seja suprida a falha, o registro deverá ser indeferido.” (Fundamentação legal:art. 27, § 9º, da Resolução nº 23.373/2011. Instrução n. 1450-86.2011.6.00.0000 – Classe 19 – Brasília – Distrito Federal).

[4] REIS. Marlon. Direito Eleitoral brasileiro, Ed. Alumnus, p. 87, 2012.

[5] Veja melhor o tema no livro: Curso de Processo Eleitoral, 2. Ed., 2012, Ed. Campus/Elsevier.

[6] No sentido: BARROS, Francisco Dirceu. Curso de Processo Eleitoral, 2. Ed., 2012, Ed. Campus/Elsevier.

[7] Mulheres recebem apenas 8% dos repasses dos partidos. FSP, 11.06.12, A6.

[8] GROSSI, MÍRIAM PILLAR  and  MIGUEL, SÔNIA MALHEIROS. Transformando a diferença: as mulheres na política. Rev. Estud. Fem. [online]. 2001, vol.9, n.1, pp. 167-206. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-026X2001000100010&lng=en&nrm=iso&tlng=pt, acessado em 28.06.2012. 

[9] GOMES, Carla de Castro. Mulheres na política: igualdade de gênero? Revista Sociologia, n.41, 2012, Ed. Escala, p. 19

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