Desordem social

Prescrição penal significa impunidade óbvia e ululante

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29 de junho de 2012, 16h19

Dentre os literatos há consenso que o maior romance de todos os tempos foi Crime e Castigo, de Fiodor Dostoievsky. Nele, o personagem Raskolnicov mata a velha usurária e,por isso, é condenado a pena de prisão na Sibéria. Assim, para o crime (fato típico e antijurídico) a consequência é a pena (sanção de caráter aflitivo imposta pelo Estado).Logo, crime sem castigo representa impunidade que, segundo dicionário Houaiss é “estado de impune, falta de punição, de castigo — do latim impunitas).

Impunidade, geradora de intenso repúdio e indignação social, advém de falha na investigação — inquérito policial — que não esclarece a autoria , do erro judiciário que absolve um culpado ou, da prescrição. Cremos que a mais funesta impunidade é a oriunda da prescrição, eis que acobertada pela lei.

A prescrição (que é a perda do direito de punir pelo transcurso do tempo), originada do termo latino praescriptio, é prevista no artigo 107, IV, do Código Penal, como causa de extinção da punibilidade. Já conhecida no Direito grego, tem-se notícia de tal instituto no Direito Romano — Lex Julia de Adulteris, datada de 18 a.C. e determinava a imprescritibilidade para crimes de maior potencial ofensivo (artigo de Andréa Martins Tourinho). No Brasil, teve início e foi regulada no Código de Processo Penal de 1832, valendo destacar que que a Lei 261 de 1841 abateu maior severidade para a prescrição, estabelecendo-se prazo único de 20 anos e com hipóteses de crimes imprescritíveis (ob. e a. cit).

Hodiernamente, máxime ante os estudos para a reforma da Legislação Penal, face Comissão de Juristas instituída pelo Congresso Nacional, discute-se muito sobre a prescrição. E, neste ponto, vale destacar que doutrinadores, quanto a esta causa de extinção da punibilidade, se tem manifestado prevalentemente contrária, não encontrando justificação plausível para legitimar a eficácia prescritiva atribuída ao decurso do tempo, a respeito de u m delito já comprovado judicialmente (Giulio Battaglini, Direito Penal —Massari, In tema d´estinzione dela pena per decorso del tempo).

Pensamos, pois, como a maioria dos doutrinadores e, a exemplo de outros países — Inglaterra, por exemplo — que o princípio da imprescritibilidade seja incluído no âmbito de nosso ordenamento interno. Aos que pensam em contrário, vale o argumento: será que nossas ordens jurídicas são melhores que alguns países da Common Law, que Estados Unidos, que Inglaterra? Cremos que não.

A imprescritibilidade seria um imenso benefício para a ordem social, impedindo a impunidade, como dito antes. E, filiando-me a teoria absoluta da pena, a finalidade desta é a prevenção geral, representada pela intimidação dirigida ao ambiente social (as pessoas não delinquem porque têm medo de receber a punição — Fernando Capez, Direito Penal). Considerando que muitos políticos têm conhecimento que as ínfimas penas mínimas para corrupção (que deveria ser crime hediondo), lavagem de dinheiro, peculato, formação de quadrilha, dentre outros, bem como da utilização das diversas estratégias e subterfúgios (como arrolar testemunha que resida no exterior, pleitear diligências demoradas, entre tantas outras), distorcendo o princípio da ampla defesa, meditariam muito antes de praticar tais crimes, eis que não seriam beneficiados — e impunes — pela prescrição. A prescrição que aqui tratamos é a que tem por base a pena fixada. Assim, a corrupção, por exemplo (que reiteramos, deveria ser incluída no rol dos crimes hediondos), é apenada com dois anos de reclusão (opta-se, quase sempre, pela aplicação da pena mínima, nos moldes do artigo 59 do Código Penal, pois sendo o réu primário, sem maus antecedentes, com culpabilidade compatível com o delito, etc.). E, nos termos do artigo 109, inciso V, do Código Penal, a prescrição da corrupção opera-se em apenas quatro anos, se o máximo da pena não excede a dois anos.

Nesta toada e, como exemplo, vale citar que em França, o ex-presidente Jacques Chirac, em processo que durou 16 anos, foi condenado a dois anos de prisão por desvio de fundos. E poderá cumprir efetivamente a pena, caso descumpra as condições do sursis que lhe foi imposto. Tal condenação revelou um choque para a classe política francesa e, por certo, tem elevado valor simbólico na luta contra a corrupção e independência da Justiça. Lamentavelmente, por aqui, nestas plagas tupiniquins, já avisa-se da possível prescrição das acusações contra os 38 réus do mensalão, maior caso de corrupção da história do país.

Oxalá, seja o Congresso Nacional sensibilizado, ante a necessária pressão popular, quanto a esta bandeira que ora levanta-se em favor da imprescritibilidade (embora Capez entenda ser cláusula pétrea, i.e., proibida de modificação até por emenda constitucional, com o que não concordamos), não apenas para o crime de racismo (o que muitos consideram até jocoso), mas para todos os delitos. E, em assim sendo, afastar-se-á a impunidade que, lembrando frase do saudoso Nelson Rodrigues, é óbvia e ululante. Lutemos.

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