Defesa de carentes

"Defensoria não quer monopolizar assistência jurídica"

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28 de junho de 2012, 11h25

“Não pretende a Defensoria estatizar a Justiça ou sequer monopolizar a prestação da assistência jurídica”. Com essa afirmação, a defensora pública-geral de São Paulo, Daniela Sollberger Cembranelli, rebateu críticas feitas pelo presidente em exercício da Ordem dos Advogados do Brasil paulista, Marcos da Costa. Em nota enviada à ConJur nesta quarta-feira (27/6), ela lembrou que “a parcela da população que não dispõe de condições para contratar advogados privados goza do direito constitucional de receber assistência jurídica integral e gratuita que deve ser aprimorada dia a dia, por meio da Defensoria Pública”.

A nota foi uma tréplica às declarações de Marcos da Costa, que comentou entrevista concedida pela defensora à revista Consultor Jurídico. Nela, Daniela afirmou que o dinheiro gasto pelo governo estadual com o pagamento a advogados dativos — aproximadamente R$ 300 milhões anuais — deveria ser gasto na implantação da Defensoria estadual, que ainda prescinde de 1,5 mil defensores e só está presente em 29 dos 645 municípios paulistas.

“Por que não investir na própria instituição da Defensoria Pública?”, questionou. Ela afirmou que a Constituição Federal escolheu a Defensoria para representar pessoas que não têm condições de pagar um advogado. “Para empregar recursos públicos, tem de ser pelo modelo que a Constituição estabeleceu”, disse.

Na nota, ela esclarece que “a Defensoria Pública de São Paulo não desconhece o valoroso trabalho desempenhado pelos advogados dativos. Nunca se colocou e não se colocará em posição adversarial em relação aos profissionais da advocacia que dedicam parte de seu tempo à prestação da assistência judiciária aos necessitados”.

E acrescentou que “a instituição não pretende fomentar uma infértil discussão acerca do modelo de prestação de assistência jurídica, justamente no estado mais populoso da Federação, onde se verifica uma enorme demanda por ações tendentes à redução das desigualdades sociais”.

Marcos da Costa, no entanto, afima, na réplica, que os honorários pagos aos dativos são “irrisórios” e que o estado não reembolsa despesas que os advogados têm com a defesa dos clientes.

Leia a nota da Defensoria Pública de São Paulo:

Prezado Senhor Editor,

À vista da manifestação assinada pelo presidente em exercício da seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcos da Costa, publicada nesta terça-feira (26/6) pela ConJur, em que sou nominalmente mencionada, mostram-se necessários alguns esclarecimentos.

A Defensoria Pública do Estado de São Paulo não desconhece o valoroso trabalho desempenhado pelos advogados dativos. Nunca se colocou e não se colocará em posição adversarial em relação aos profissionais da advocacia que dedicam parte de seu tempo à prestação da assistência judiciária aos necessitados.

A instituição não pretende fomentar uma infértil discussão acerca do modelo de prestação de assistência jurídica, justamente no estado mais populoso da Federação, onde se verifica uma enorme demanda por ações tendentes à redução das desigualdades sociais. O modelo público de prestação deste serviço decorre de comando constitucional vigente desde a promulgação da Constituição de 1988, modelo este que foi reafirmado pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do recente julgamento da ADI 4.163 ajuizada pela Procuradoria Geral da República. Mais do que declarar inconstitucional o dispositivo legal que pretendia impor à Defensoria Pública a celebração de convênio com a OAB em caráter exclusivo e obrigatório, o julgamento da ADI em questão atribuiu indubitável clareza à posição da Defensoria enquanto gestora das políticas públicas de prestação de assistência jurídica gratuita.

Importante lembrar as palavras do Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Carlos Ayres Britto, reafirmando ser a Defensoria Pública um importante veículo em prol da igualdade: “… graças às Defensorias se efetiva o princípio constitucional da universalização do acesso à Justiça. A democratização do acesso à Justiça se viabiliza por intermédio das Defensorias Públicas” (ADI 3720).

Ciosa de seu relevante papel constitucional e das responsabilidades que dele decorrem, a Defensoria Pública tem por dever aprimorar a forma de prestação da assistência jurídica no Estado, propiciando a necessária especialização de sua atuação a partir da compreensão dos interesses das parcelas vulneráveis da população e com vistas à afirmação de seus direitos. Tal tarefa reclama a estruturação adequada de uma carreira que se dedique exclusivamente a este mister e que possa atuar de forma orgânica e estratégica. Por mais dedicados que cada um dos respeitados advogados dativos do Estado possam ser, a soma de sua atuação individual não basta para que se concretize missão de tamanha envergadura, que transcende a mera atuação judicial.

Não pretende a Defensoria estatizar a Justiça ou sequer monopolizar a prestação da assistência jurídica. Todos os cidadãos que ostentam condições financeiras contam e sempre contarão com o patrocínio e assessoria jurídica provida por advogados privados. Mas a parcela da população que não dispõe de condições para contratá-los goza do direito constitucional de receber assistência jurídica integral e gratuita que deve ser aprimorada dia a dia, por meio da Defensoria Pública.

Em outras palavras, como afirmou o jornalista Elio Gaspari: “´é melhor simplificar: advogado é advogado, a Ordem é a Ordem e o serviço público é do Estado” (Folha de S.Paulo, 30/6/2008).

Enquanto o estado de São Paulo não contar com defensores públicos em número suficiente para fazer frente à enorme demanda, a Defensoria seguirá contando com a parceria de advogados dativos e buscará o contínuo aprimoramento da prestação da assistência jurídica.

Devemos nos inspirar diariamente em exemplos como o do grande tribuno Waldir Troncoso Peres, que, antes de se dedicar à advocacia privada, por muitos anos brilhou como defensor do Júri na Procuradoria de Assistência Judiciária, antecessora da Defensoria Pública em São Paulo. Seu exemplo de vida apenas reforça a necessidade de a Defensoria buscar a incessante melhoria da qualidade dos serviços de assistência jurídica prestados no estado, com vistas à concretização dos ideais de liberdade e igualdade. Para isso, e sempre que necessário, a Defensoria Pública cerrará fileiras com a OAB, visando à afirmação da imprescindibilidade e independência da advocacia. Lamentamos, contudo, que assunto tão importante seja tratado em momento com inegável componente eleitoral no âmbito da entidade.

Daniela Sollberger Cembranelli
Defensora Pública-Geral do Estado de SP

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