Propriedade intelectual

TJ gaúcho manda microempresário indenizar Dell

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27 de junho de 2012, 17h32

Uma marca sabidamente famosa não pode ter o seu domínio usado por terceiro na internet, pouco importando se este tenha sido o primeiro a registrá-la. O entendimento neste sentido foi confirmado, por unanimidade, pela 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, ao negar apelo de um microempresário de Porto Alegre, que perdeu os endereços na internet para a Dell Incorporation. O desembargador Ney Wiedemann Neto, relator do caso, adotou os termos da sentença e manteve a decisão de indenizar a fabricante de computadores em R$ 10 mil, por dano moral. A decisão é de 31 de maio.

A Dell alegou na Justiça que o microempresário, que atua na reparação e manutenção de equipamentos eletrônicos, registrou os domínios “revendaautorizadadell.com.br” e “revendadell.com.br”. Com isso, reproduziu totalmente as suas marcas registradas, em afronta aos termos da Lei 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial). Acrescentou que promoveu duas notificações ao infrator, sem sucesso, pois, houve renovação de ambos os domínios até junho de 2011.

Para evitar maiores prejuízos, a fabricante pediu antecipação dos efeitos da tutela, para que o réu se abstivesse de imediato do uso dos domínios com a expressão ‘Dell’, sob pena de multa, além de transferí-los para o seu braço operacional no Brasil. Por fim, pleiteou o pagamento de indenização por danos morais e materiais, por violação expressa de seus direitos de propriedade intelectual.

O microempresário apresentou contestação. No mérito, disse que não poderiam ser aplicadas ao caso as disposições da Lei da Propriedade Industrial, já que não guarda relação com a questão do registro de nome de domínio no âmbito da internet. Ainda que aplicáveis, argumentou, os dispositivos legais não permitem vislumbrar qualquer ilícito praticado. Discorreu sobre as diferenças entre registro de marca e de domínio, bem como sobre o exercício regular do direito ao registro de domínio, o que afastaria qualquer dever de reparação.

Distinção entre marca e domínio
No 1º Juizado, da 3ª Vara Cível do Foro Central da Capital, o juiz Mauro Caum Gonçalves indeferiu o pedido de tutela e determinou o julgamento antecipado da Ação Ordinária. Ele explicou, inicialmente, que o registro da marca é regulado pela Lei da Propriedade Industrial. A marca é o signo, suscetível de representação visual, destinado a distinguir produto ou serviço de outro idêntico ou afim, de origem diversa, conforme os artigos 122 e 123. ‘‘Nesse ponto, salienta-se que a referida legislação tutela não só o empresário, mas garante ao consumidor a plena capacidade de reconhecer o produto e/ou serviço que está adquirindo e/ou contratando’’, complementou.

Já o registro de domínio, utilizado para localizar e identificar conjuntos de computadores na rede mundial, é organizado pelo Comitê Gestor da Internet do Brasil. O artigo 1º. da Resolução CGI.br/RES/2008/008/P diz: “Um nome de domínio disponível para registro será concedido ao primeiro requerente que satisfazer, quando do requerimento, as exigências para o registro do mesmo, conforme as condições descritas nesta Resolução. Parágrafo único – Constitui-se em obrigação e responsabilidade exclusivas do requerente a escolha adequada do nome do domínio a que ele se candidata. O requerente declarar-se-á ciente de que não poderá ser escolhido nome que desrespeite a legislação em vigor, que induza terceiros a erro (grifo do juiz), que viole direitos de terceiros (…).”

Na esteira destas considerações iniciais, o julgador de primeiro grau admitiu que a demanda era complexa, pela insuficiência de regramento que trate do conflito entre nome de domínio versus direitos de marca no âmbito da internet. Para decidir a questão, considerou ‘‘imperioso’’ trazer para a discussão o item ‘3’, da Resolução nº 13, da Associação Brasileira de Propriedade Intelectual (ABPI), que resolve este conflito no caso de marcas notórias. Diz o dispositivo: “3 — A notoriedade ou alto renome não são condições imprescindíveis para que as marcas sejam protegidas na Internet contra a imitação ou reprodução (parcial, total ou com acréscimo), mas demonstram o dolo do agente ao usurpá-las e permitem a exacerbação das medidas sancionatórias”.

Ele destacou que ainda deve ser levado em conta o determinado pelo artigo 126 da Lei de Propriedade Industrial: ‘‘A marca notoriamente conhecida em seu ramo de atividade, nos termos do artigo 6o.bis (I), da Convenção da União de Paris para Proteção da Propriedade Industrial, goza de proteção especial, independentemente de estar previamente depositada ou registrada no Brasil’’.

Assim, decretou na sentença que ‘‘não obstante a confusão entre ‘marca’ e ‘domínio’, a utilização dos domínios (…) pelo requerido é indevida (grifo do juiz), podendo trazer prejuízos não só à requerente, mas, também, ao consumidor, que, no intuito de contatar a empresa Dell, acaba contatando com o requerido’’.

Com a decisão, o juízo encaminhou ofício ao Comitê Gestor da Internet, determinando a transferência dos domínios para o nome da autora, já que não poderão ser de propriedade de outra pessoa. E acolheu o pedido de danos morais, arbitrado em R$ 10 mil. A reparação material foi indeferida porque a Dell não fez provas dos alegados prejuízos.

Na 6ª Câmara Cível, o relator do caso, Ney Wiedmann Neto, elogiou a sentença, ‘‘de inegável acerto e adequação. Segundo ele, a sentença "desatou a questão, nada havendo a acrescentar aos fundamentos esposados’’.

Acompanharam o entendimento os desembargadores Luís Augusto Coelho Braga, presidente do colegiado, e Artur Arnildo Ludwig.

Clique aqui para ler o acórdão.
Aqui para ler a sentença.
Aqui para ler a íntegra da Lei de Propriedade Industrial
E aqui a íntegra da Resolução 13 da ABPI

 

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